Extremistas hindus contra estátua de Charlot, 'o Cristão'

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Um bigode postiço, um fato janota e um ar distraído era tudo o que ele precisava. O homem que nunca dizia uma palavra, com O Grande Ditador, o seu primeiro filme sonoro, Charlie Chaplin conseguiu tirar Adolf Hitler do sério. Agora, depois de morto e enterrado, uma estátua sua - que, para além de calada, não se mexe - está a deixar muito irados alguns nacionalistas na Índia.

A história passa-se na cidade costeira de Udipi, no estado de Karnatal. Um realizador indiano queria erguer uma figura de pedra de Charlot, a personagem de Chaplin, mas foi impedido por extremistas hindus que consideram a estátua um símbolo do cristianismo, ofensivo para a sua religião.

A escultura, que representa a lenda do cinema mudo nas suas calças largas e chapéu de coco, tem mais de 20 metros de altura e custou 3,5 milhões de rupias (cerca de 50 mil euros). Ia ser erguida numa praça que servirá de cenário a uma cena de dança, perto de vários templos hindus. Os críticos invadiram o local e expulsaram os trabalhadores, enterrando as ferramentas.

Hernant Hedge, o realizador, confirmou aos jornalistas que abandonou o projecto depois de ter sido ameaçado pelo grupo de 50 radicais cujo líder lhe disse: "Não te vamos deixar construir uma estátua de um actor cristão."

Os manifestantes exigiram-lhe que pagasse uma estátua de Swami Vivekananda, um monge hindu do século XIX que espalhou a sua religião no Ocidente.

Hedge admitiu mais tarde a uma televisão local que estava "surpreendido por as pessoas relacionarem Charlie Chaplin com a religião cristã". Uma acusação que, diga-se, teria deixado boquiaberto Charlot em pessoa.

Apesar de baptizado pela Igreja de Inglaterra, Chaplin era um agnóstico assumido. Além disso, o actor britânico ficou conhecido pelas suas posições de esquerda - nos anos 1940 houve quem o acusasse de ser comunista - e antinazis, como mostrou na sua paródia de Hitler, o líder da Alemanha nazi, em O Grande Ditador.

Os manifestantes que protestaram contra a estátua pertenciam ao grupo hindu Jagarna Vedike (Grupo Iluminado), responsabilizado por um ataque contra uma escola cristã em Maio de 2008. O episódio é mais um sinal da crescente intolerância de militantes hindus em reacção contra o que dizem ser a invasão da cultura ocidental.

Karnataka é uma das províncias indianas afectadas pela violência anticristã.

Só no ano passado foram registados 112 ataques contra cristãos, segundo o Conselho Global dos Cristãos Indianos. Analistas têm alertado para o perigo de "talibanização" dessa e de outras regiões face à onda de violência nos últimos meses.

Um dos incidentes mais chocantes aconteceu em Janeiro quando uma multidão de militantes do grupo extremista Sri Ram Sena agrediu uma rapariga apanhada a consumir bebidas alcoólicas num bar em Manglore, uma cidade universitária daquela província. No último dia de São Valentim, grupos radicais agrediram alguns casais que estavam a namorar em locais públicos.

Grupos de direitos humanos têm acusado os políticos nacionalistas de encorajarem o sentimento anticristão. As críticas subiram de tom no momento em que os nacionalistas do Partido Bharatiya Janatam (BJP), que controlam o governo daquela província, anunciaram a intenção de aprovar legislação sobre a conversão de hindus ao cristianismo.

O ministro da Justiça S. Suresh Kumar explicou ao jornal britânico The Times que os "hindus pobres e analfabetos estão a tornar-se vítimas de falsa propaganda contra o hinduísmo".

Sobre a recente polémica da escultura de Chaplin, o líder local do partido deixou claro o seu apoio aos manifestantes nacionalistas. "Se as pessoas daqui são contra a estátua, também eu sou contra a estátua," disse ao jornal Times of India. "Porque é que damos tanta importância a Chaplin quando ele nem sequer é indiano?"

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