Espanha revê lei que baixou penas de violadores e abriu maior crise no governo

Em vigor desde outubro, legislação pretendeu colocar a não existência de consentimento para uma relação sexual como aquilo que define uma violação - e já não se houve violência ou intimidação ou se a vítima resistiu.
Publicado a
Atualizado a

O parlamento de Espanha conclui na quinta-feira a revisão da legislação dos crimes sexuais, que após seis meses em vigor diminuiu as penas de mais de mil violadores e originou a maior crise da coligação no Governo.

"A melhor forma de defender a lei, que é um avanço feminista, é fazer esta modificação técnica no Código Penal", disse esta quarta-feira o primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, num debate no parlamento, depois de no fim de semana passado ter pedido desculpas às vítimas de crimes sexuais pela diminuição das penas de mais de mil condenados por violação nos últimos meses.

Os socialistas avançaram, porém, com esta revisão da lei à revelia dos parceiros na coligação de Governo, a Unidas Podemos, e a aprovação final das mudanças no Código Penal, na quinta-feira, está garantida por causa do anunciado voto a favor do Partido Popular (PP), a maior força da oposição e da direita em Espanha.

A cisão entre partido socialista (PSOE) e Unidas Podemos por causa desta legislação é considerada a maior crise da coligação governamental da atual legislatura espanhola, que termina no final deste ano, por ter postos os parceiros no executivo a votar uns contra outros no plenário do Congresso dos deputados.

No centro da crise está a lei que mudou os crimes de violação, a "lei do só sim é sim", uma das bandeiras do Governo, o primeiro executivo de coligação da democracia espanhola e no poder desde 2019.

Em vigor desde outubro, esta legislação pretendeu colocar a não existência de consentimento para uma relação sexual como aquilo que define uma violação - e já não se houve violência ou intimidação ou se a vítima resistiu.

Mas a lei teve um efeito não desejado, a diminuição de penas de condenados por violação, porque ao acabar com a distinção entre abuso sexual (menos grave) e agressão sexual, passando a haver no Código Penal apenas este último, aumentou-se também, automaticamente, a amplitude das penas de prisão aplicadas.

Assim, homens anteriormente condenados à pena mínima definida para a agressão sexual (a violação) viram aligeirada a condenação, embora a maioria dos pedidos de revisão de penas não tenha tido resposta favorável por parte dos juízes.

Perante a revisão de penas de centenas de violadores, a ala socialista do Governo considerou ser necessário mudar a lei para responder ao "alarme social", mas não chegou a acordo com os ministros da Unidas Podemos, que tutela o Ministério da Igualdade, de onde saiu a legislação original.

A fratura no Governo impediu a revisão da lei por iniciativa do executivo, pelo que foi o grupo socialista no parlamento que avançou com a proposta de alteração.

Já na primeira votação, para admissão a debate no parlamento, o PSOE votou ao lado do PP e viu a extrema-direita abster-se, o que viabilizou o início do processo de revisão.

Após semanas de debate na especialidade nas comissões do parlamento, PP e PSOE anunciaram na segunda-feira passada um acordo que permitirá a aprovação da reforma na quinta-feira, na votação final.

A proposta do PSOE mantém apenas um tipo de crime (agressão sexual) e "não toca numa vírgula" na questão do consentimento, mas introduz a violência e intimidação como agravante, ao mesmo tempo que revê o leque de penas para os casos mais graves, segundo os socialistas.

Mas para a Unidas Podemos, isso contraria precisamente o objetivo da lei e é um regresso, na prática, ao Código Penal anterior, com as mulheres a terem de voltar a demonstrar que resistiram ou que têm marcas violentas no corpo para provarem a violação.

A ministra da Igualdade e dirigente do Podemos (o maior partido da plataforma Unidas Podemos), Irene Montero, disse na segunda-feira que o PP humilhou o PSOE com este pacto e que "reformar uma lei feminista com a direita terá um enorme custo para as mulheres".

Quanto ao PP, tem dito que vai viabilizar a mudança desta lei por ser "um partido de Estado" e pediu esta quarta-feira a Sánchez, através da líder parlamentar, Cuca Gamarra, para pedir desculpa às vítimas de agressões sexuais "não com palavras ocas", mas com ações, demitindo a ministra Irene Montero.

O PP acusou também Sánchez e os socialistas de terem demorado seis meses a mudar a lei, apesar dos efeitos que estava a ter, e de terem avançado apenas por "medo eleitoral" num ano de eleições municipais, regionais e nacionais em Espanha.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt