Espanha e Portugal

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1. A visita a Portugal dos Príncipes de Espanha teve um significado muito especial - e positivo - nos tempos que correm. Os dois Estados peninsulares, a braços com a crise global que os afeta - e os ataques dos mercados usurários que têm sofrido - encontram-se numa situação financeira e social muito difícil a que a União Europeia, a Comissão, bem como o Banco Central Europeu, por incapacidade política - e falta de coragem dos seus dirigentes -, têm vivido submetidos a um diretório ilegal e na ausência da devida solidariedade aos Estados em dificuldades. Como tem sucedido, desde há anos, com a Grécia, berço da civilização europeia e depois com a Irlanda e Portugal, antes de a crise se ter manifestado na Itália, na Espanha e no Reino Unido, apesar deste último Estado não pertencer, como se sabe, à Zona Euro.

De Cimeira em Cimeira, para além da retórica habitual, nada se tem passado, e a situação da União Europeia vai-se agravando, envolvendo cada vez mais Estados, em virtude da cegueira voluntária da Alemanha e dos seus dirigentes no poder, a começar pela chanceler Angela Merkel. Uma irresponsabilidade política que lhe vai sair cara e que não pode, por mais tempo, ser ignorada.

Contudo, com a Europa à beira do abismo, como alertaram Kohl e Helmut Schmidt, além de outros, os tempos parecem estar a mudar - os sinais afiguram-se ser globais - com a vitória de François Hollande, que constituiu uma lufada de ar fresco na problemática tão complexa da União Europeia...

Vem isto a propósito da visita dos Príncipes de Espanha a Portugal, a convite do Presidente Cavaco Silva. Pelos discursos pronunciados em nome dos dois Estados, pelo Príncipe e pelo Presidente, compreendi que ambos sentem a necessidade de uma coordenação de esforços, que é vital face à Europa, para vencer a crise - e poderem sair dela - e, por isso, é considerada estrategicamente como muito importante.

Também penso assim e há muito tempo, como os meus eventuais leitores certamente se lembram. Tenho-o dito e repetido. Realmente, os dois Estados peninsulares - sem nunca esquecer as suas recíprocas independências, que vão a caminho de nove séculos - mantêm uma linha de separação (fronteiriça) que é a mais velha europeia e vem desde os tempos dos lusitanos, dos romanos, dos muçulmanos e dos berberes. Essa linha resistiu a tudo e os dois Estados Ibéricos têm vivido em paz e em solidariedade, muito especialmente após a queda das duas ditaduras ibéricas: com a Revolução dos Cravos, do 25 de Abril de 1974 e, depois, a transição democrática espanhola, que tiveram - e têm - uma enorme repercussão na Ibero- -América. A importância da Comunidade Ibero-Americana para os dois Estados peninsulares da Ibero--América, incluindo obviamente o Brasil, de fala portuguesa, é uma realidade importante a que a União Europeia tem fechado os olhos...

Na fase de crise aguda que a União Europeia está a viver - e que toca cada vez mais Estados da Zona Euro -, Espanha e Portugal têm autoridade histórica e moral para levantar a voz perante uma União descontrolada e sem visão estratégica, uma vez que foi da Península Ibérica que partiram os navegadores portugueses e espanhóis que deram a conhecer ao Mundo a civilização europeia e trouxeram do Mundo tudo o que por lá aprenderam e que a Europa até então ignorava. No momento tão difícil que vivemos, um bom entendimento solidário entre Portugal e Espanha é muito importante e serve de exemplo. Entre os dois Estados, representados ao mais alto nível, como a visita dos Príncipes espanhóis a Portugal demonstrou e o bom relacio- namento dos respetivos Governos - aliás agora da mesma cor política -, mas também, e principalmente, a nível das Oposições e dos respetivos Povos, que são sempre o que mais conta. Estejamos atentos e saibamos defender os nossos interesses peninsulares e a nossa posição geopolítica, no Atlântico, no Mediterrâneo, nas Américas e em África. O tempo urge!

2. A austeridade deu o que tinha a dar: nada!Para os Estados obrigados a manter políticas de austeridade os resultados, sem exceção, têm sido desastrosos. Paralisaram as economias reais, aumentam a recessão, criam falências em série nas pequenas e médias empresas, fazem subir em flecha o desemprego, o mais grave flagelo que continua a desenvolver-se por toda a União Europeia. Quem ganha com isso? Os especuladores sem escrúpulos, que manobram os mercados usurários e colhem os respetivos juros, que crescem desalmadamente.

Se a austeridade sem reservas continua assim, onde iremos parar? É simples a resposta: ao abismo, isto é, à destruição do euro e à desintegração da União, com as terríveis consequências que daí advirão. George Soros disse que a Europa tem três meses para evitar o abismo.

Numa lúcida e ponderada entrevista concedida ao último Expresso, o secretário-geral do PS, António José Seguro, disse: "O País está pior do que há um ano, sem esperança, com pouca confiança." E acrescenta: "Não consigo imaginar mais austeridade. O País não aguenta." Também acho que não. Trata-se do desespero de quem tem fome em casa e filhos a alimentar; famílias inteiras sem trabalho, expulsas das suas casas, arrendadas ou compradas a pres- tações, que não podem pagar; doentes privados - por falta de dinheiro - para se deslocar e se tratar nos hospitais, 26 dos quais foram ou vão ser fechados; o Serviço Nacional de Saúde a ser todos os dias um pouco destruído; as autarquias sem dinheiro para pagar as suas despesas e, sobretudo, sem esperança, porque o ano de 2013 vai ser pior do que este, como o próprio Governo anunciou. Para que serve então a austeridade?

Entretanto, as privatizações de empresas, compradas no estrangeiro por preços irrisórios, que não se conhecem bem, vão fazendo desaparecer o melhor do nosso património empresarial. Privatizar a qualquer preço, empresas como as Águas de Portugal, a TAP ou um canal da RTP (o mais importante), são medidas que me indignam, como à grande maioria dos portugueses, que amam a sua Pátria e não irão nunca perdoar ao Governo que, a pretexto da austeridade, e sem explicações ao nosso Povo, atabalhoadamente e sem critério, estão a destruir uma Pátria que a todos pertence. Quem vai perdoar um tal sacrilégio? Pensem nisso os governantes que dele são responsáveis...

3. O massacre continua na SíriaA maior parte dos ditadores não morrem nas suas próprias camas. Porque não sabem, em geral, do imbróglio em que se meteram e como sair dele. Salazar e Franco foram exceções, porque a morte lhes chegou num tempo em que a Europa vivia a euforia dos "trinta gloriosos" anos.

Em tempo da chamada "primavera árabe" não tem sido assim. Tirando o ditador da Tunísia, Ben Ali, que teve a sorte de fugir a tempo, os outros quiseram resistir, como Mubarak, agora julgado e condenado a prisão perpétua, ou Kadhafi, escondido numa sarjeta e morto logo a seguir, sem prisão nem julgamento. Há outros, em África e no universo muçulmano, que conheço pior. O ex-presidente da Libéria Charles Taylor, condenado a 50 anos de prisão, o que significa a perpetualidade. Porém, o mais paradigmático é o exemplo do sírio Bachar al-Assad, filho de outro sanguinário ditador, com o qual aprendeu a proceder a matanças de inocentes, mulheres e crianças para espalhar o terror.

Há um ano que a repressão e os assassínios indiscriminados progridem na Síria, de cidade para cidade, apesar dos protestos da ONU e das diligências (inúteis) de Kofi Annan. Bachar al-Assad sente-se protegido pela China, pela Rússia e pelo Irão. É uma vergonha para esses Estados, que por definição não acreditam nos Direitos Humanos. O PCP também resolveu pôr-se ao lado da Síria, o que só mostra que não aprendeu nada e continua como sempre foi.

Pelo contrário, o novo ministro dos Negócios Estrangeiros de França declarou ao Le Monde (cito) "Bachar al-Assad é um assassino do seu Povo. E deve abandonar o poder". Palavras generosas, sem consequências. Dado o recuo civilizacional em que está o Mundo, todas as violências parecem possíveis, uma vez que nem a ONU nem o TPI têm hoje força para fazer o que devem...

4. O diabo à solta no Vaticano. O século XXI tem-nos trazido muitas desgraças, de toda a ordem. Por todos os Continentes: a crise financeira no Ocidente, extensiva a outros Continentes; catástrofes naturais, como tsunamis, terramotos, secas, vendavais, num ambiente desregulado e inseguro; conflitos e violências no universo islâmico; fomes e doenças em África; etc. E agora, para as desgraças irem mais longe, o "diabo anda à solta no Vaticano", como alguma imprensa internacional notifica, como o suplemento de Domingo passado do El País e o Match, entre outros. Escreve o referido jornal: "Ninho de corvos (carnívoros) no Vaticano". E em subtítulo: "Na Santa Sé, desencadeou-se uma guerra pela sucessão de Bento XVI, na qual se empregam armas do demónio". E adiante: "A detenção do mordomo do Papa, Paolo Gabriel, por difundir documentos secretos" é um exemplo incompreensível.

Na realidade, Bento XVI vive isolado, doente, tem oitenta e cinco anos, é um homem só e sente-se encurralado pela luta dos Cardeais, quanto ao seu substituto. Ao que dizem, desejaria que o seu sucessor fosse o Arcebispo de Milão, o Cardeal Angelo Scola. Mas L'Osservatore Romano descreve a situação de Sua Santidade como "um pastor rodeado de lobos"...

Mas não é só o caso de Bento XVI que está em causa. Horas depois da detenção do mordomo, deu-se outro caso de grande gravidade: "O despedimento fulminante de Ettore Gotti Tedeschi, presidente do Instituto para as Obras da Religião (IOR), conhecido como o Banco Vaticano, por irregularidades de gestão e por ações de branqueamento de capital.

Quem tal diria? O Vaticano atingido por uma conspiração de Cardeais contra o Papa e, depois dos múltiplos pecados cometidos contra menores, a ganância que conduz ao branqueamento do dinheiro também se verifica no Banco da Santa Sé! Pobre Bento XVI. Faz falta um novo Concílio Vaticano II para a Igreja Católica receber um novo impulso ético e de bom senso.

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