Centenas de figurantes, cenas de batalhas, ecos de Braveheart e reconstituição histórica em grande. Novo filme de Hollywood? Não, apenas o primeiro filme angolano a larga escala: Njinga - Rainha de Angola, do português Sérgio Graciano, biografia da apaixonante figura histórica angolana, a lendária Ginga Mbandi, também conhecida por Njinga, Ngola Nzinga Mbandi ou Dona Ana de Sousa, símbolo da resistência e tenacidade de um povo. .Pensado inicialmente como uma minissérie de três horas, o filme estreou em Angola em novembro passado e tornou-se um caso nacional. Lotações esgotadas, debates nacionais e um certo consenso positivo sobretudo para elogiar o bálsamo de orgulho pátrio que a produção conseguiu espalhar. Em Portugal prevê-se que estreie na primavera..Sérgio Graciano, que em 2012 trouxe Assim Assim aos cinemas lusos, é um herói improvável atónito com tudo isto. «O buzz do filme foi e está a ser gigante. Não há números oficiais mas fui espreitar em dois cinemas e as salas estavam mesmo cheias. É um fenómeno! Não há dúvida de que esta rainha é a maior heroína angolana, até a UNESCO já a homenageou como figura histórica. Por isso, há muita curiosidade. E o filme comporta consigo um carácter formativo que atrai as pessoas. Agora vamos começar a enviá-lo para festivais internacionais. Só o facto de ser um filme cem por cento angolano já cria muita curiosidade internacionalmente.».Njinga - Rainha de Angola acompanha parte da vida desta rainha angolana que nasceu em 1583 e se tornou rainha dos reinos do Ndongo e Matamba. Apesar de historicamente não haver certezas da maneira como conseguiu manter o seu reino independente face ao crescente domínio dos portugueses, o guião aposta na sua tenacidade enquanto guerreira e negociadora, relatando a forma como terá relegado o amor para segundo plano para servir os seus súbditos. Nesta história mostra-se também o grande desgosto de Ginga quando perde de forma trágica o seu filho e uma das suas irmãs, embora envelheça sempre soberana e conquiste a admiração de diversas tribos e reinos, tendo inclusive usado estratagemas de coligação e alianças militares com supostos inimigos. .A maior parte do filme foi rodado no mato, em Angola, no Parque Kissama, o que tornou a façanha ainda mais incrível. Graciano não se cansa de recordar o lado de «loucura» do projeto. «Trabalhámos com muita gente que veio de Luanda, mas também com pessoas das tribos locais, gente que nunca vira uma câmara. Isso foi lindo! Depois, claro que fico muito agradado com as cenas de batalhas, que levaram muito tempo a ensaiar. Dá um ar de Braveheart angolano. David Chan Cordeiro, chefe da equipa dos duplos, ensaiou com todos exaustivamente. Foi muito épico, muito louco. Um processo extremamente complicado, pois era muita gente e estávamos todos no meio do mato. Os espetadores percebem a escala disto! Quis mesmo fazer um épico!».O orçamento de Djinga era gigante, porventura mesmo ao nível de milhões de euros (o realizador jura que não sabe concretamente quanto é que a produtora, a Semba, gastou). Centenas de técnicos aparecem no genérico final, o guarda-roupa era de época, gruas, aparato técnico de iluminação e um elenco gigante, onde há atores portugueses como Rui Paulo, Joaquim Nicolau ou José Fidalgo (quase todos em registo de vilões). «A série de televisão, que ainda não estreou, vai também ter uma parte de animação 2D, algo estilizada», conta o realizador. «A verdade é que depois de começarmos a ver a qualidade das imagens que estávamos a captar decidiu-se avançar para uma montagem para cinema. Logo depois das primeiras imagens começámos a ver o que ali se respirava visualmente. Pedia cinema... Tivemos ainda de gravar mais algumas cenas para tudo fazer sentido», explica o cineasta, de 38 anos, lisboeta de gema e sem ligações familiares a Angola..Para ajudar na grandiosidade pretendida, a música de Rodrigo Leão. O pedido de Graciano ao músico português foi todo nesse sentido. O próprio tom de interpretação da protagonista Lesliana Pereira (Miss Angola 2008) segue igualmente essa via. .Sem medo de ser «maior do que a vida» e com algum quimbundo subtilmente misturado com o português. «A história desta figura histórica angolana personifica o espírito de luta do povo angolano. Ela é um símbolo de Angola: nunca desiste e luta sempre! Fizemos uma grande pesquisa histórica e deu para perceber que ela não é uma figura consensual. Há muita coisa que não se sabe dela. Por exemplo, há quem ache que ela era bela, outros... não», acrescenta o cineasta..Depois de ter feito, em Portugal, séries como Conta-Me como Foi e Depois do Adeus, e a versão de 2009 de Vila Faia (a nova versão de 2008) e Doce Fugitiva, Sérgio Graciano começou o seu trabalho em Angola a coordenar a produção da novela que é um êxito também em Portugal, Windeck. Há cerca de ano e meio que surgiu o convite de Angola para dirigir o departamento de ficção da Semba Comunicação, a produtora. Sérgio nem pensou duas vezes e mudou-se com a sua equipa para Luanda. E, apesar de se ter lançado de corpo e alma em Njinga - Rainha de Angola, segue a estratégia avassaladora da Semba. O mercado audiovisual angolano tem muito para explorar. .«Está a ser uma aventura muito gira. Já me adaptei ao ritmo de Luanda. Conduzo e safo-me bem! Seja como for, não sou nada esquisito e adoro o calor. Sou uma pessoa fácil de me adaptar e nunca senti qualquer tipo de hostilidade por ser branco e português. As pessoas sabem que nós estamos lá para fazer arte e cultura», conta o realizador. Recentemente, esteve em Nova Iorque a representar Windeck (exibida na TPA, a televisão estatal angolana, e na RTP) na cerimónia dos Emmys internacionais. Diz que ficou espantado com a receção internacional. «Só por ser de Angola houve um falatório enorme! Era ver os canadianos, os brasileiros e os americanos em volta de nós. É por essas e por outras que em Angola se sente que todos podemos fazer muito mais e melhor. Convém também perceber que em Angola se vê muito mais televisão do que em Portugal. Eles têm muito mais cultura de séries do que nós.».Mas Sérgio está quase a recuperar a faceta que fez dele um cineasta de culto de curtas. Vai voltar a filmar uma curta-metragem, desta vez em Luanda, mais uma vez sem budget. Sérgio Graciano começou a dar nas vistas como realizador de curtas pagas do seu próprio bolso que juntavam atores de renome, entre as quais Assim Assim (que mais tarde viria a originar uma longa), Linhas de Sangue (sátira de terror) e Um Dia Longo (com Albano Jerónimo e Sandra Faleiro), todas elas presentes na rede curtas-metragens nacionais Shortcutz. Em todos esses trabalhos sobressaía um realizador com enfoque na direção de atores. Nas férias de Natal, em Lisboa, filmou uma curta apenas com uma atriz, a 11.ª no currículo. Sérgio Graciano é o oposto da velha guarda de realizadores nacionais: está sempre a filmar.