"O que é mais inquietante na China é não se saber como é que as decisões são tomadas e para onde caminha. A grande dúvida, em termos estratégicos, é saber se a China quer mudar o atual sistema internacional ou apenas integrar-se nele", defendeu..António Caeiro viveu durante quase duas décadas em Pequim onde trabalhou como delegado da agência Lusa e tem vários livros publicados sobre o país..Em entrevista à agência Lusa, a propósito da visita a Portugal do Presidente chinês, Xi Jinping, assume que, sobre a China, quase tudo são perguntas.."Além da sua dimensão absolutamente colossal do ponto de vista físico e humano, o sistema, que o Partido Comunista Chinês (PCC) parece ter aperfeiçoado, é extremamente opaco e isso faz com que as análises ocidentais pareçam mais palpites ou prognósticos", disse..E, o "palpite" de António Caeiro é de que o país tem como objetivo a afirmação como potência regional no Pacífico, aliada a uma certa ideia de "vingança" sobre o Ocidente pela "humilhação nacional" na sequência da Guerra do Ópio (1839 -- 1860), que marcou o declínio da China como potência mundial.."A China não aspira a dominar o mundo [...], mas quer ser reconhecida como uma potência regional, ou seja, quem manda no Pacífico", sustentou..O jornalista sublinhou a tendência de crescimento da influência chinesa em todo o mundo, o que considerou um "fenómeno natural", para um país que concentra um quinto da população mundial e é o motor do crescimento económico global.."O que não era natural era a China estar tão apagada na cena internacional. Há 50 anos a China não fazia sequer parte da ONU. A China tem um músculo económico e financeiro que a torna inevitavelmente um parceiro fundamental nas relações internacionais", disse..A China emerge como a "segunda economia mundial, com crescente peso económico e militar", assinalou, apontando o contraste entre a "profunda crise" em que mergulharam a Europa e os Estados Unidos e os "ritmos impressionantes" de crescimento da China.."A Europa e Portugal precisam das imensas reservas de capital que a China tem e a China sente-se mais desinibida em assumir que o seu modelo funciona", apontou..Mas, admite António Caeiro, ao tornar-se "um parceiro cada vez mais importante da economia de muitos países" a China "tende a inibir tomadas de posição contrárias aos seus interesses fundamentais". ."No ano passado, por veto da Grécia, não houve na comissão dos direitos humanos da Nações Unidas nenhuma moção criticando a situação na China", disse..Sobre os grandes investimentos chineses em países europeus, nomeadamente Portugal, António Caeiro entende que fazem parte da estratégia de um país com "grande excedente de reservas cambiais" e que precisa de modernizar a economia.."Uma das maneiras é formar quadros nos países capitalistas desenvolvidos [...] e uma maneira ainda melhor é comprar as boas empresas dos países desenvolvidos e que funcionam bem, que era, aos olhos da China, o caso da EDP", referiu..António Caeiro ressalva, contudo, que Portugal "não é o maior recetor europeu de investimento chinês", mas que à "escala de Portugal" este "pesa muito" por causa das "importantes participações na energia, na banca, na saúde, nos seguros"..Regressado a Lisboa definitivamente há três anos, o jornalista vê o país à luz do dilema entre a "China poderosa e muito desenvolvida" de cidades como Xangai e o interior do país onde "há níveis de prosperidade mínimos e défices, do ponto de vista educacional, enormes".."Isso pode ser um problema", disse, apontando que há "dois discursos permanentes e contraditórios" sobre o país..Há uns que "garantem que a China vai dominar o mundo e que este crescimento é para manter [...] e outros que acham que, a prazo, a China tem grandes problemas que a impedirão de se tornar na grande potência que a atual liderança desejaria, nomeadamente o envelhecimento da população", disse.."A população ativa da China tem vindo a diminuir desde há cinco anos e o crescimento resultante do fim da política do filho único (permitindo agora dois) não foi impressionante e já se fala do fim do controlo da natalidade", acrescentou..O jornalista explicou, por outro lado, que a rápida industrialização do país foi conseguida à conta da transferência de 250 milhões de trabalhadores do campo para as cidades e províncias do litoral. ."Alguns estudos indicam que 1/3 das crianças chinesas que vivem no campo têm um índice de inteligência muito baixos", disse, adiantando que a prazo este "será outro problema" porque "uma China moderna não pode" desenvolver-se com "uma classe trabalhadora pouco instruída".."A China tem todos os problemas do mundo a uma escala absolutamente colossal [...] Navega rodeada de grandes incógnitas. Recentemente comprei um livro de académicos chineses que se chamava '35 perguntas sobre a China' e nenhuma delas tinha uma resposta, as respostas variam com o ponto de vista de cada um", concluiu.