ENTREVISTA: 'Media' públicos na Polónia são "megafones de propaganda" - Eurodeputada polaca

Os 'media' públicos na Polónia são "brutalmente dominados" pelo governo e transformaram-se em "megafones de propaganda", acusa a eurodeputada polaca Roza Thun, para quem as limitações à liberdade no país vão muito além da polémica reforma judicial.
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"Em termos de liberdade cívica, se não temos um sistema judiciário independente, não há liberdade para os cidadãos", disse a eurodeputada do principal partido da oposição na Polónia, a Plataforma Cívica (democrata-cristã) em entrevista hoje à Lusa em Lisboa.

O Governo polaco, do partido nacionalista Lei e Justiça (PiS), suspendeu recentemente a chamada reforma do sistema judicial por ordem do Tribunal de Justiça Europeu (TEJ), que a considerou uma tentativa de politização da justiça no país.

"O Governo recuou numa série de mudanças graves no Supremo Tribunal porque o TEJ exigiu e as sanções são muito severas. Mas este recuo não é suficiente, porque o que se passa é que o Tribunal ordenou ao governo para não implementar as mudanças até o veredicto ser pronunciado e ainda não houve veredicto", explicou.

Esse recuo "é importante e mostra como as instituições europeias são importantes", mas, insistiu, "se não temos um sistema judiciário independente, não há liberdade".

"É o caso dos 'media' públicos... Felizmente ainda temos 'media' privados. Cada vez menos, mas temos", exemplificou.

"Os 'media' públicos são brutalmente dominados, diria, da forma mais primitiva possível, pelo partido no poder. São megafones de propaganda, uma máquina de propaganda no sentido mais puro da palavra", acusou.

A eurodeputada salienta que estão previstas duas eleições em 2019, as europeias, em maio, e legislativas, em novembro, e dá como exemplo as regionais de outubro passado, em que apesar de importantes ganhos para a oposição, a liberdade do ato pode ser questionada.

"Porque uma eleição é livre quando se tem acesso a 'media' públicos livres e os media públicos não são livres, são instrumento de propaganda. Portanto, as eleições são livres no sentido de podermos votar em liberdade, mas não no sentido de termos o devido acesso à informação", defendeu.

A situação no país causa grande preocupação a Roza Thun, que antes de 1989 combateu o comunismo e que se define como uma "democrata pró-europeia orientada para o futuro", porque, explica, "custou tanto conquistar a democracia e estar na União Europeia, foi um momento tão bom, que agora a destruição disso é inaceitável".

Mas está otimista, quer porque "a esmagadora maioria" dos polacos é a favor da presença do país na UE, quer porque as "ações contra o Estado de Direito" do governo em funções deram origem a uma grande participação cívica dos polacos em defesa da democracia.

"Em geral os polacos são muito pró-europeus. É por isso, aliás, o governo diz que é pró-europeu, embora depois diga que venceu as eleições e pode fazer o que quer, como se não soubesse a regra básica da democracia é cumprir a Constituição", disse.

"Felizmente temos uma oposição forte e felizmente as pessoas na rua cada vez se apercebem mais da importância disso. Sabe que o livro mais vendido na Polónia é a Constituição? Isso diz mais do que qualquer outra coisa. As pessoas leem a Constituição, andam com ela, levam-na para as manifestações, para o parlamento, para reuniões e tertúlias", assegura.

Roza Thun mostra-se impressionada com o que chama de "heroísmo incrível" de "uma maioria" dos polacos que assumiu "o papel pedagógico" de explicar os valores democráticos e do Estado de Direito: "Advogados que defendem 'pro-bono' pessoas julgadas por se manifestarem na rua", "juízes que passam muitas horas a fundamentar claramente um bom acórdão" e "muitos 'media', nomeadamente digitais, em que as pessoas trabalham de graça para informar".

"De repente, surgem pessoas que eram desconhecidas e que são muito nobres, instruídas e corajosas, excelentes comunicadores, dedicados à justiça e aos mais altos valores da democracia e da vida pública e da transparência. Isto é incrível e deixa-me otimista", disse.

Para as eleições, Roza Thun diz-se empenhada em defender a unidade de todos os que defendem a democracia, na Polónia e na UE.

"A situação, na Polónia e na Europa, tem duas frentes: de um lado, populistas, nacionalistas, xenófobos, racistas, homofóbicos, não orientados para o futuro [...] e, do outro, democratas, que têm muitas diferenças, entre socialistas, liberais, cristãos-democratas ou verdes, mas compreendem como é importante estarmos unidos para construir uma Europa forte", explicou.

O que está em causa, nas europeias de 2019, "é deixar aos netos uma Europa que não volta a entrar em guerra", afirmou.

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