Entrevista Gustavo Cerbasi

O brasileiro Gustavo Cerbasi, autor de <i>Casais inteligentes enriquecem juntos, </i>vem a Portugal falar do seu último livro <i>Filhos inteligentes enriquecem sozinhos. </i>Especialista em finanças pessoais, diz que não há receitas. A única lição é: viver abaixo das possibilidades e poupar parte do que se ganha para mais tarde investir.
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Como prepara os seus filhos para lidarem com o dinheiro?

Por enquanto, os meus filhos (tenho dois, Guilherme com 4 anos e Gabrielle com 1 ano e 10 meses) não sabem fazer contas e não conseguiriam administrar pequenos orçamentos. Mas, nessa fase, aplico a sugestão que está no livro, que é envolvê-los naturalmente com o uso do dinheiro e conversar abertamente sobre o assunto. Quando vou ao comércio ou à padaria, convido-os a entregarem o dinheiro ou cartão de crédito e solicitarem de volta o comprovante. De tempos em tempos, eles recebem algumas moedas para colocarem nos seus piggy banks (mealheiros) individuais. Uma das brincadeiras que temos é esvaziar os mealheiros de vez em quando, e brincar com as moedas, classificando-as, comparando-as e empilhando-as.

Com a formação financeira que lhes dá, o seu objectivo enquanto pai é que eles enriqueçam?

Não. O meu objectivo é que eles lidem naturalmente com o dinheiro e que sejam socialmente responsáveis. Entendo que se os privasse de conversas sobre o dinheiro ou impedisse o acesso a ele estaria a cultivar um comportamento apaixonado, que resultaria em atitudes ansiosas quando, mais tarde, pudessem cuidar dos seus próprios recursos.

Como é que «filhos inteligentes enriquecem sozinhos»? Qual é a fórmula?

A fórmula é simples: gastar menos do que se ganha e investir com qualidade o que sobrar. O foco do livro não é o planeamento financeiro em si, mas uma crítica ao comportamento de muitos pais que anulam a aprendizagem dos filhos ao protegê-los demais, custeando estudos e suportando gastos sem impor limites nem exigir selectividade. Ainda é comum, em países latinos, que os pais ignorem a necessidade de cuidar do seu futuro para poder garantir aos filhos uma protecção financeira ou um padrão de consumo desnecessários. Os filhos de hoje não querem presentes e sim uma família bem estruturada. Pais que planeiam o seu futuro e exigem que os filhos façam o mesmo, estão educando pelo exemplo, enquanto pais que superprotegem para receber apoio dos filhos estão criando uma ameaça futura à vida dos filhos e dos pais.

No seu livro Filhos inteligentes enriquecem sozinhos fala de sete princípios e de seis atitudes fundamentais na educação financeira. Acha-os aplicáveis em todas as famílias, pobres e ricas?

Sim, os sete princípios não são particulares da educação dos filhos, mas sim universais e válidos para qualquer família. Mesmo famílias pobres devem cultivar hábitos como a celebração de conquistas, o investimento e o equilíbrio nas escolhas. Isso faz-se simplificando grandes escolhas (por exemplo, comprando ou alugando uma moradia 5 a 10% mais barata) para não comprometer o orçamento. Se as contas da família são totalmente ocupadas por gastos fixos, o lazer e o investimento (responsável por realizar sonhos) passam a ser inviáveis.

Insiste na importância de «uma postura muito saudável em relação ao dinheiro». Em que consiste?

Muitas pessoas acreditam que planeamento financeiro significa cortar gastos e fazer poupança, mas esse pensamento reflecte um comportamento tão compulsivo e perigoso quanto gastar tudo o que ganhamos. Uma postura saudável traduz-se em comportamento equilibrado ao usar o dinheiro. Deveríamos gastar bem o nosso dinheiro, com itens de consumo que realmente nos trazem prazer e bem-estar duradouros, e poupar com eficiência o mínimo necessário para dar sustentabilidade ao consumo presente que nos faz felizes. Repare que, ao invés de sugerir trocar o presente pelo futuro, proponho uma vida presente que se sustente no futuro, uma vida mais simples e com felicidade sempre, não apenas após longos anos de sacrifício da juventude.

Os pais têm mesmo um papel fulcral na educação financeira dos filhos?

Educar pelo exemplo é a maneira menos trabalhosa de transmitir valores aos filhos. Além disso, se a educação financeira for praticada apenas na escola, sem a prática em casa, as crianças entendê-la-ão como curiosidade e não como algo a ser aplicado em suas vidas. Os pais são a principal referência para os filhos na primeira infância e esse crédito deve ser aproveitado para a transmissão de valores fundamentais.

Devem educá-los para a poupança ou para o empreendedorismo?

Sem poupança, não há crédito nem empreendedorismo. A poupança sem estímulo ao empreendedorismo tende a ser ineficiente, pois a falta de actividade económica limita a remuneração do capital. Se os filhos forem educados tanto para a poupança quanto para o empreendedorismo, terão duas opções para garantir um futuro de consumo sustentável e estarão contribuindo para o crescimento da economia.

Os pais gastadores têm filhos consumistas?

Não necessariamente. O comportamento passa ou não de pai para filho de acordo com a capacidade dos pais em transmitir os seus hábitos e valores para os filhos. Pais superprotectores tendem a tornar os seus filhos consumistas, mas o mesmo é válido para pais que poupam em excesso e fazem com que os filhos entendam a poupança como algo negativo. Da mesma forma, pais poupados que não educam com carinho tendem a servir de contra-exemplo e induzir os filhos a praticarem hábitos opostos aos seus.

A escola devia «abraçar» a educação financeira dos alunos, criando, por exemplo, uma disciplina sobre economia doméstica?

Sem dúvida. Bons hábitos financeiros são uma questão de educação de base. Quanto mais cedo as crianças forem educadas para a disciplina, a organização, a prioridade nas escolhas e a sustentabilidade, melhores serão os hábitos financeiros ao longo das suas vidas. Talvez não seja necessário criar uma disciplina específica, mas a escola deveria ao menos estimular o debate entre pais, filhos e professores para que a cultura financeira possa ser estimulada. A opção à escola seria a educação em casa, mas pais que nunca praticaram finanças não estão em condição de ensiná-las aos filhos.

A semanada ou a mesada são os melhores instrumentos de aprendizagem?

Só serão importantes se forem explorados com um intuito educativo. É errado tratar a mesada como dinheiro dos filhos ou como um direito deles. O dinheiro é da família, ganho pelo trabalho dos pais. Ao receber a mesada, o que os filhos ganham é o direito de administrar uma pequena parte do orçamento da família, a parte que compete aos gastos feitos longe da presença dos pais. Por essas características, o valor da mesada deve ser estrategicamente discutido entre pais e filhos, incluindo verbas para doações e gastos com consumos e desejos eventuais. A cada recebimento, deve haver prestação de contas, e os pais devem agir como orientadores para que as escolhas sejam cada vez melhores. As crianças devem ser estimuladas a poupar uma pequena parte da mesada, sendo recompensadas por juros proporcionais ao tempo de poupança. Também é importante destacar que não é com a mesada que a criança compra os seus brinquedos ou roupas da moda, mas sim com a sua poupança (que deve ser criada dentro de regras, para que as crianças não deixem, por exemplo, de se alimentar).

Qual deve ser o valor de uma semanada/mesada?

O valor deve ser definido de acordo com a situação económico-financeira da família. Fundamental mesmo é auxiliá-la a administrar as suas escolhas.

Há uns anos, criticava as pessoas por «gastarem demasiado dinheiro em beleza, saúde e dietas» e de dedicarem pouco tempo à aprendizagem sobre dinheiro. Como interpreta esse comportamento?

O impulso de consumo é ruim quando as pessoas se acomodam e deixam de usar a criatividade e a inteligência para consumir. Existem dois recursos que nos permitem adquirir o que queremos: dinheiro e criatividade. Quem tem mais criatividade precisa de menos dinheiro para sobreviver, e vice-versa. Sem conhecimento, as pessoas ficam menos criativas, vendo-se obrigadas a gastar mais com o seu consumo básico. Por exemplo, compare-se o custo de comprar alimentos congelados ante a alternativa de adquirir ingredientes e cozinhar. A segunda opção exige-nos mais tempo e conhecimento, mas custa menos e é mais saudável.

Qual é a altura ideal para os filhos começarem a construir riqueza?

Todos nós deveríamos poupar desde o primeiro salário para facilitar a construção de riqueza a longo prazo. Começando cedo, o esforço é menor. É essencial para a nossa sobrevivência entender que os rendimentos que obtemos ao longo da vida não devem ser utilizados para manter os nossos meses de consumo, mas sim a vida toda. Por outras palavras, sempre que ganhamos algum dinheiro, parte deve ser utilizada para a vida presente e parte deve ser poupada para garantir a sustentabilidade das escolhas de consumo que fazemos.

Os conselheiros de finanças pessoais recomendam todos o mesmo: poupar pelo menos 10% do salário. Tendo como exemplo um salário de mil euros, consegue-se chegar a rico poupando cem euros por mês?

Não é uma questão de fé ou de crença, mas sim da matemática das escolhas. Se uma família vive com 900 euros e poupa 100 euros com ganhos de 3% ao ano ao longo de 40 anos, no final deste período terá acumulado poupança suficiente para gerar rendimentos que perpetuem a renda de 900 euros. Esse rendimento pode ser obtido com o arrendamento de um imóvel, com a criação de um negócio próprio ou com a prática de investimentos. Em países de juros mais elevados, como o Brasil por exemplo, esse processo torna-se viável num prazo mais curto, de menos de 30 anos.

Mas num país onde milhares de famílias vivem com apertadas restrições - caso de Portugal -, como ensinar as crianças a poupar?

Com escolhas equilibradas. Ao invés de estimular as pequenas economias que corroem a felicidade das pessoas, o ideal é economizar nos grandes gastos, trocando a casa ou o automóvel por outros mais baratos. Poucas e complexas escolhas que nos dão maior liberdade no orçamento.

Ensinar aos filhos a importância de começarem cedo a poupar pode fazer a diferença entre ter um filho milionário e um filho endividado?

Boas referências e exemplos moldam as escolhas futuras dos filhos, mas isso não pode ser tratado como regra. Mais do que filhos milionários, a educação financeira aumenta significativamente a probabilidade de os nossos filhos serem mais felizes, de terem uma vida mais previsível e segura. Dinheiro e felicidade são coisas completamente distintas: encontramos famílias pobres muito felizes e não faltam desgraças entre famílias ricas. Eu entendo o dinheiro como um potenciador de sentimentos. Se uma pessoa é feliz, será muito feliz com muito dinheiro; se é infeliz, pode arruinar a sua vida se ganhar a lotaria. Por isso, tão importante quanto a independência financeira é cuidar para que esse processo ocorra ao longo de uma vida feliz, fazendo ajustes diários nas nossas escolhas para que sejamos mais realizados.

O que pode revelar sobre os pais uma criança que aos dez anos tem aparentemente tudo, uma Wii, um computador portátil, uma PSP, um telemóvel mais caro que o dos pais...?

Vivemos tempos de pais sem tempo para a família e a educação dos filhos. A mulher consolidou-se no mercado de trabalho, mas o casal não aprendeu a lidar com essa situação. Com menos tempo de convívio com os filhos e a consciência pesada por causa disso, procuram compensar a sua ausência mimando-os com coisas materiais. É como se justificassem o aumento do orçamento familiar usando-o para presenteá-los. Isso não só desenvolve um comportamento consumista nos filhos, como também «monetariza» a relação e corrompe o sentido de celebração de datas festivas. Quando entrevistadas, as crianças afirmam que não querem mais coisas, mas sim mais família. Melhorar a qualidade do relacionamento de pais com os filhos é também parte do processo de educação.

Muitos pais de hoje viveram sérias carências na infância. Será por isso que agora tentam sufocar os filhos com a abundância e o desperdício? Será por isso que têm tanta dificuldade em manterem-se firmes quando dizem não?

O motivo de sufocar os filhos com bens materiais está mais relacionado com a necessidade de compensar a ausência do que com as restrições da infância. Porém, é inegável que a grande transformação económica pela qual passaram muitos países do mundo criou uma geração fortemente impulsionada para o consumo, como se com isso estivessem a celebrar essa conquista. Não condeno o impulso ao consumo, mas sim quando esse impulso é desequilibrado. O que move os adultos consumistas não é exactamente a vontade de «ter», mas sim de compensar as dificuldades históricas sem levar em consideração a necessidade de equilíbrio ou sustentabilidade das escolhas.

Diz que as crianças não deveriam receber presentes fora dos dias festivos. Porquê?

Valorizo as datas para preservar o simbolismo das relações. Datas festivas são importantes para celebrarmos a vida, a história, a fé e os relacionamentos. Não vejo nada demais em marcar uma celebração com um presente que nos permita lembrar dela no futuro, mas tratar as datas festivas como motivo de troca de presentes relevantes do ponto de vista do consumo empobrece o simbolismo e transforma essas datas em eventos meramente comerciais.

Qual é o efeito da espera numa criança? Aprender a valorizar mais o que tem?

A espera cria a expectativa e valoriza as celebrações, além de obrigar a criança não só a aproveitar melhor os bens que tem, mas também a cuidar melhor deles. Se os brinquedos são facilmente descartados, incentiva-se a criação de um comportamento de desperdício que não é sustentável nem financeira nem ecologicamente.

A partir de que idade os pais devem envolver as crianças no planeamento financeiro mensal da família? De que modo?

As famílias precisam de aprender a planear. Mesmo quando já o fazem, devem passar a adoptar um comportamento mais teatral, demonstrando às crianças que o planeamento faz parte da rotina da família. Por exemplo, recomendo fortemente que os pais se sentem em redor da mesa uma vez por mês para discutir as contas da família, mesmo que elas estejam em dia e sob controlo. A partir do momento em que as crianças aprendem a fazer as contas matemáticas básicas, elas podem ser convidadas a opinar sobre orçamentos parciais, como o planeamento do fim-de-semana, da festa de aniversário ou do passeio com os amigos. Demonstrando maturidade nas escolhas, o próximo passo é convidá-las a opinar sobre orçamentos maiores, como o das férias ou dos gastos básicos da família. O importante é que se envolvam e sintam que o dinheiro não é o principal objectivo, mas sim o meio de concretizar os seus sonhos.

Quem é Gustavo Cerbasi

A revista brasileira Época incluiu-o na lista dos cem brasileiros mais influentes do ano de 2009. Gustavo Cerbasi tornou-se conhecido pelos seus livros à prova de crise. Os onze títulos publicados têm como denominador comum uma convicção: «Enriquecer não é uma questão de sorte, é uma questão de escolha pessoal». Cerbasi acredita neste lema e ensina quem o lê ou ouve nas palestras que dá sobre dinheiro e finanças pessoais a concretizá-lo. Mas este guru em economia doméstica (assim é considerado no Brasil) não se limita a teorizar em páginas meia dúzia de conceitos que reúnem a fórmula mágica para alcançar a independência financeira e a riqueza. Cerbasi segue os seus próprios conselhos e o resultado está à vista: com apenas 37 anos, já conseguiu o suficiente para poder viver dos rendimentos o resto da vida. O segredo? Simples e, garante o próprio, exequível em qualquer família, seja qual for o seu ordenado: «Gastar menos do que se ganha e investir o restante com qualidade; depois é esperar atingir o capital necessário para gerir o rendimento que se deseja até ao fim da vida ». Este é o sonho de qualquer pessoa e Cerbasi explica como chegar lá em qualquer um dos seus livros: Casais inteligentes enriquecem juntos, Dinheiro - Os segredos de quem tem, Finanças para empreendedores e profissionais não financeiros, Investimentos inteligentes, Mais tempo, Mais dinheiro, As mulheres e o dinheiro, Cartas a um Jovem investidor, Como organizar a sua vida financeira, Guia para investir em acções, entre outros. Licenciado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas e mestre em Administração pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), é especalizado em Finanças pela Stern School of Business (New York University) e pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Lecciona cursos de pós-graduação e MBA de instituições como a Universidade de São Paulo e a Fundação Dom Cabral. Vai estar em Portugal nos dias 9 e 10 de Março para falar do seu último livro Filhos Inteligentes Enriquecem Sozinhos (Livros d"Hoje, 2011).

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