Entre as intenções e a prática

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São vinte os princípios que reúnem o conjunto de valores e intenções proclamados no chamado "Pilar Europeu dos Direitos Sociais". A sua invocação visa promover a ideia de que se "colocam as preocupações sociais no topo da agenda" da União Europeia, buscando as melhorias sociais e laborais que até agora o processo de integração capitalista europeu não "garantiu". A prática, contudo, não só evidencia o distanciamento das opções e prioridades políticas da UE face àqueles princípios, como a sua própria negação.

O dito "pilar social" encerra duas incontornáveis contradições.

A primeira. É um instrumento que integra a estratégia da UE para o aprofundamento da União Económica e Monetária, branqueando as políticas e orientações que se têm pautado precisamente pela bitola da regressão dos direitos sociais, incluindo os laborais. São disso exemplo as chamadas recomendações específicas por país, que integram o semestre europeu. No final de Maio, a Comissão Europeia avançou recomendações para Portugal visando a contenção da despesa pública, designadamente na saúde, e a revisão da legislação laboral, de modo a facilitar, entre outros aspectos, o despedimento dos contratados sem termo. Nada de novo. Esta é a mesma CE que teceu fortíssimas críticas, em 2016, ao aumento do salário mínimo nacional.

A segunda. Que decorre da primeira. O "pilar social" não adianta quaisquer medidas concretas que possibilitem avanços no sentido de um efectivo progresso social. Sê-lo-iam, como o PCP tem insistentemente avançado, propostas que defendessem o aumento de salários; a redução de horários de trabalho; o combate à precariedade; a segurança no vínculo e relações laborais; a defesa da contratação colectiva; a defesa e promoção de serviços públicos universais, gratuitos, de qualidade.

Sendo o progresso e a justiça social indissociáveis das opções de uma política económica, é um ardiloso embuste pensar ser possível compatibilizar a primeira com as políticas económicas neoliberais promovidas pela UE.

O denominado "pilar social" é um adorno na estratégia de nivelamento por baixo de direitos sociais à escala da UE. Uma estratégia que, entre outros gravosos aspectos, promove a flexibilização e a precariedade laboral, a mercantilização da saúde e da educação, a par de outros serviços públicos (como a água e o saneamento), fomentando uma visão de continuada degradação de serviços públicos e da sua privatização (incluindo pelas ditas "parcerias público-privadas", que beneficiam o grande capital à custa do erário público) - visão que continua a fazer caminho em Portugal.

Por isso, não causa estranheza que, em propostas legislativas concretas, não se consolidem ou melhorem direitos, não obstante a forte retórica social usada. Por exemplo, na recente revisão da directiva de destacamento de trabalhadores retirou-se ostensivamente a referência a "salário igual para trabalho igual".

Em Portugal, o lamentável acordo recentemente assinado entre o governo PS, as confederações patronais e a UGT - dando continuidade à sucessiva degradação do quadro de direitos laborais promovida por PS, PSD e CDS - é, afinal, exemplo esclarecedor do autêntico embuste e retórica social que representa o "pilar social" da UE. Um acordo que mantém a caducidade da contratação colectiva, que procura legitimar e agravar situações de precariedade ou a desregulação do horário de trabalho, agravando as condições de exploração dos trabalhadores. É caso para perguntar onde pára afinal o social no dito "pilar social" da UE.

O "Pilar Europeu dos Direitos Sociais" serve, assim e no essencial, para branquear e iludir o carácter verdadeiramente anti-social das políticas e orientações definidas e promovidas pela União Europeia, de intensificação da exploração, de ataque aos direitos sociais e aos serviços públicos. "Pilar social" que serve para promover a ilusão da suposta e falsa compatibilidade entre a defesa e promoção dos direitos sociais ou a convergência no progresso social dos diferentes países, com as políticas e orientações da UE que objectivamente as limitam e negam.

Deputado do PCP no Parlamento Europeu

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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