Oito meses depois da tomada de posse, com é que Lula da Silva se está a sair na questão da Amazónia? Na ressaca da Cimeira, em Belém, que acolheu dias 8 e 9, além do Brasil, os outros sete países com ligação à floresta, o tom foi mais de desilusão do que de esperança por causa da timidez da declaração final e das aparentes contradições do anfitrião. No entanto, na comparação com Jair Bolsonaro, cujo compromisso ambiental era classificado pelas organizações ambientais como tóxico, o atual presidente da República ainda é visto como uma lufada de ar fresco no planeta.."Se no governo Lula há uma tensão entre Ambiente e Economia, com Bolsonaro não houve sequer essa tensão", diz ao DN Rogério Machado, professor de Química e Meio Ambiente na Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade de São Bernardo. "Eis um número: sob Bolsonaro, entraram no Brasil cerca de 1000 produtos agrotóxicos, nenhum deles validado fora do país, graças ao papel de lobistas que tentaram desse modo que o agronegócio pudesse fazer o que quisesse, felizmente, essa bagunça generalizada agora acabou"..Lembra ainda o académico que "o anterior ministro do Ambiente [Ricardo Salles] foi gravado a dizer que o governo podia aproveitar a distração com a pandemia para "fazer passar a boiada", isto é, tomar medidas como aquela dos agrotóxicos sem ninguém reparar". "Ele não só fechou os olhos, como incentivou e um ministro do Ambiente não pode fechar os olhos, muito menos incentivar crimes ambientais".."A abordagem de Lula", sublinha Machado, "apesar das críticas compreensíveis e de algumas contradições entre as palavras e os atos, é muito distinta da de Bolsonaro, razão pela qual o mundo olha para o Brasil hoje com muita atenção mas também com muita esperança"..Para sustentar essa esperança, dados preliminares do Instituto de Pesquisas Espaciais indicam que, no primeiro semestre deste ano, o acumulado de alertas de desmatamento na Amazónia ficou em 2.416 km2, queda de 39% na comparação com o mesmo período do ano passado. Entre janeiro e junho de 2023 o desmatamento na Amazónia caiu 33,6%..Desse modo, até em Hollywood Lula é aplaudido, por comparação com Bolsonaro. "Muitos estão dando parte do crédito [pela diminuição do desmatamento] a Lula, que começou a restabelecer políticas para proteger a Amazónia e os direitos Indígenas depois de assumir o cargo", escreveu Leonardo DiCaprio, nas redes sociais. "Com Bolsonaro, o desmatamento atingiu o nível mais alto em 15 anos", concluiu o ator (e ativista ambiental)..No entanto, outro ator muito ligado à ecologia, Mark Ruffalo, criticou as conclusões da recente Cimeira da Amazónia. "Felizmente, sob liderança de Lula, esta Cimeira finalmente estabeleceu as principais proteções para os povos indígenas. Obrigado por ouvir as vozes daqueles que estão na linha de frente da emergência climática", começou por dizer o astro. "Mas parte-me o coração ver que a Declaração de Belém não tem objetivos concretos para proteger a floresta tropical", criticou..Lula convidou Ruffalo a conhecer a Amazónia e respondeu: "Foi um passo mais numa trajetória para transformar a região com um modelo que combina desenvolvimento sustentável e preservação ambiental"..Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, concordou com Ruffalo. "Não é possível que, num cenário como este, oito países amazónicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia", criticou, citado pelo jornal Folha de S. Paulo.."A declaração final da Cimeira é dececionante em vários aspetos mas principalmente pelo facto de não incluir compromissos claros e concretos que apontem para a superação da relação que os nossos países têm hoje com a Amazónia", acrescentou Leandro Ramos, diretor de programas do Greenpeace Brasil.."Agostinho de Hipona, ou santo Agostinho, teria dito "Deus, dai-me a castidade e a continência, mas não agora (Confissões VIII, 7)", os governantes amazónicos, como o santo, desfilam ótimas intenções, mas evitam comprometer-se com atitudes concretas para realizá-las", escreveu Hélio Schwartsman, colunista do Folha..Ao DN, Rogério Machado não embarca no pessimismo. "Claro que as críticas que se fizeram não estão erradas, o encontro foi superficial, não se estabeleceu nenhuma data mas serviu para isso, foi programado para servir de um primeiro contacto, de um começo de conversa, sem grandes estudos a antecedê-lo".."O botão de pânico ambiental deve estar sempre à nossa frente, sim, até porque quem controla as grandes florestas, como Amazónia ou Bornéu, são países pobres mas ainda é uma boa notícia começar a conversar-se sobre o tema", notou.."Vejo, por isso, a Cimeira com olhos mais otimistas do que pessimistas porque não haver reunião é que era negativo: esta Organização do Tratado da Cooperação Amazónica [OTCA] começou em 1978 e ninguém no Brasil sabia sequer que existia, só voltar a ser falada já é importante".."Entre os pontos que me deixam otimista estão a referência ao "ponto de não retorno", o que foi significativo, porque há lugares na Amazónia onde não há mais o que fazer, a citação aos "Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU", e o avanço em temas de direitos civis dos indígenas, integrando-os à discussão, no Brasil isso nunca havia sido falado antes"..Para Mauricio Voivodic, diretor executivo da World Wide Fund-Brasil, esse reconhecimento dos chefes de Estado sobre o ponto de não retorno da Amazónia e a questão indígena são, de facto, pontos positivos. "A proteção de direitos dos povos indígenas, a demarcação legal das suas terras e o reconhecimento de que a região está chegando a um ponto de não retorno são avanços importantes costurados pelo Brasil na declaração de Belém", concorda Diego Casaes, diretor de campanhas da Avaaz..A exploração de petróleo na Amazónia, entretanto, foi uma ferida sobre a qual o chefe de Estado colombiano Gustavo Petro colocou o dedo, na presença de homólogos, como o presidente da Guiana, Irfaan Ali, e o próprio Lula, que hesitam sobre o tema. "Se na floresta se produz petróleo, mata-se a humanidade", disse Petro.."O petróleo é um desafio ambiental, económico e político", diz Rogério Machado. "O Brasil passou de terceiro para quase primeiro mundo graças à descoberta do pré-sal, não se pode, pois, ignorar que há uma sociedade ainda dependente de petróleo, é preciso prudência"..Em maio deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) do Brasil negou pedido da petrolífera estatal Petrobras para pesquisar a viabilidade da exploração marítima de petróleo na costa do Amapá. O órgão alegou "inconsistências técnicas" na solicitação. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, aplaudiu a decisão do Ibama. Lula nem tanto. O presidente brasileiro disse até nos últimos dias que o Amapá "pode continuar sonhando"..Amplificando a tensão política, Randolfe Rodrigues, senador do Rede, partido de Marina, pelo Amapá, o estado em causa, desvinculou-se da formação para se filiar ao PT, de Lula.."Há uma tensão, sim, entre Lula e Marina", diz Machado ao DN. "A Marina, que é uma excelente ambientalista, olha para o Ambiente, mas o Lula tem de olhar para o Ambiente e para a Economia, para 200 milhões de habitantes e as suas necessidades, para 200 milhões, de quem, aliás, o hemisfério norte também precisa, como mercado"..Lula falou sobre o assunto dias antes da Cimeira de Belém. "Primeiro, é necessário pesquisar para saber se tem aquilo que a gente pensa que tem e, se tiver, tomar uma decisão. O que fazer? Como explorar? Como evitar um desastre que prejudique a nossa querida margem do Atlântico na Amazónia?"..Para tomar a decisão, Lula vai ouvir, além de Marina Silva, que é contra a exploração pelos riscos que pode causar ao ecossistema da região e à crise climática, também Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, que é a favor de uma medida que beneficia a Petrobras em mais de 1,1 milhões de barris de petróleo ao dia..Não há indicação ainda de como Lula vai agir mas a história dá pistas. Em 2008, Lula teve de decidir entre preservar uma população de bagres, um peixe fluvial sul-americano, conforme defendia a já então sua ministra Marina, ou construir uma barragem hidroelétrica, projeto apoiado pela titular da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nem é preciso dizer por qual caminho Lula optou, basta lembrar as consequências da decisão: Marina demitiu-se e rompeu com o Partido dos Trabalhadores, de quem se reaproximou só 14 anos depois, e Dilma foi, logo a seguir, alçada a sucessora de Lula, pelo próprio..-67%.Entre 2003 e 2015, que inclui os dois primeiros governos Lula e o primeiro governo Dilma, a taxa de desmatamento caiu 67%, segundo o Projeto Prodes, conduzido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).+73%.De acordo com aqueles números, a taxa de desmatamento subiu 73% nos três primeiros anos da gestão Bolsonaro. Não há dados ainda de 2022.39%.Dados preliminares do Inpe indicaram que, no primeiro semestre deste ano, o acumulado de alertas de desmatamento na Amazónia ficou em 2.416 km2, queda de 39% na comparação com o mesmo período do ano passado.710 km2.Até 24 de março, a floresta amazónica tinha visto o desmatamento cair de 941 km², em 2022, para 710 km², em 2023, disse Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia.96 000 000.O desmatamento em terras indígenas na Amazónia brasileira no período de 2013 a 2021 provocou a emissão de 96 milhões de toneladas de gás carbónico, segundo estudo publicado na revista científica Scientific Reports.¾.Três em cada quatro hectares desmatados têm indícios de ilegalidade, regista o MapBiomas, iniciativa do Observatório do Clima.171 mil milhões.Devastação da Amazónia custaria 920 mil milhões de reais, mais ou menos 171 mil milhões de euros, de acordo com projeção do Banco Mundial.dnot@dn.pt