Enfrentar a fobia para ganhar asas

Medo de voar limita-lhes a vida pessoal e profissional. Para superar fobia fizeram o curso da TAP e três dias depois conseguiram embarcar
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Viajar de carro ou de barco e demorar dias a chegar a um destino que está a poucas horas de distância num avião. Recusar viajar de avião e perder o emprego por isso. Não ir ver a família porque não se consegue fazer uma viagem de longo curso pelo ar. Ver a mulher e filha partir para a Eurodisney e perder esse momento especial pelo medo de estar num avião. Este último caso é o de Ivo Pacheco. Nunca se sentiu confortável viajar assim, mas há cinco anos deixou de sequer conseguir entrar num avião. Marisa Martins desafia-se sempre que entra num, mas nem pensar ir até ao outro lado do Atlântico por exemplo. Fobia de voo é o denominador comum que já fez passar mais de meia centena de pessoas pelo curso da TAP Ganhar Asas.

As histórias demonstram como esta fobia limita a vida de muitas pessoas. Ivo, por exemplo, contou ao DN como depois de uma viagem a Barcelona tudo mudou. "Para cá entrei em pânico. Desde então não me imagino entrar num avião. É estranho porque sempre viajei, com calmantes é certo. Mas fui ao México, Brasil..." Ivo Pacheco tem 34 anos e é vendedor de automóveis e também a nível profissional o não entrar num avião acaba por não ser benéfico. Naquele voo de Barcelona nada aconteceu para que consiga explicar porque a ansiedade se tornou tão intensa, que outras fobias ganharam força, como o medo das alturas. Já não passa a Ponte 25 de Abril a conduzir, apenas como pendura, por exemplo.

Marisa tem 28 anos e é assessora de imprensa. Mostrou-se mais confiante no arranque do curso, contrastando em completo com o nervosismo de Ivo, bem patente na sua voz trémula. Marisa teve um voo nada descansado quando regressou da Sardenha, nas férias em Agosto. Tinha de fazer escala em Roma e apanhou de tudo: ventos fortes à partida, com chuva e trovoada previstas para quando chegasse à capital italiana. Até desejou que o voo não se concretizasse naquele dia... Depois foram horas de espera até ao voo de ligação a Portugal. O vento em Lisboa não ajudou em nada a ansiedade. "Pensei: não quero mais isto, tenho de tentar ultrapassar", recordou o momento em que decidiu procurar ajuda, até porque na sua profissão poderá tornar-se um problema se não conseguir fazer viagens de longo curso.

No seu caso há uma claustrofobia que em nada ajuda quando tem de estar fechada num avião. Fez psicoterapia que diz ter ajudado muito em ultrapassar muitas questões relacionadas com este problema, mas faltava-lhe algum conhecimento de aviões para que pudesse sentir-se mais à vontade nesta situação específica. Referiu ainda como a sua mãe também tinha esta fobia. "Acho que cresci com isso", disse. Marisa procurava ainda conhecer técnicas que a ajudassem a suportar melhor o tempo de voo. Ivo estava desejoso de aprender pormenores do funcionamento do avião. Afinal se falha um motor, o avião pode continuar a voar?

Informar e acalmar é o papel do comandante

Ivo não entra num avião, Marisa procura os voos madrugadores, não porque podem ser mais baratos, mas porque lhe permite não ficar o dia todo a pensar que vai estar num avião. Ivo está no curso porque a mulher ganhou um concurso e o convenceu a ir, mas quer no final fazer o chamado voo terapêutico até Madrid. Marisa está determinada em ultrapassar a fobia.

Passam 24 horas. Desde então aprenderam técnicas de relaxamento, estiveram numa réplica de uma cabine de avião, aprenderam sobre o funcionamento da aeronave, com a ajuda do engenheiro de manutenção Pedro Pinto e do comandante Armindo Martins. "A maioria destes participantes tem algum défice pelo facto de não poderem controlar. Naturalmente não o vão passar a fazer. A informação que lhes é transmitida é no sentido de eles a terem e sentirem que, num modo geral, controlam e percebem as coisas. O meu papel é um pouco isso, de informar e de acalmar", explicou ao DN Armindo Martins.

A turbulência é uma das grandes questões. "Há toda uma série de mitos que eu, com uma linguagem acessível, desmistifico. A minha palavra chave para eles é que a turbulência tem que ver com desconforto e não com segurança", referiu. Acrescentou que a informação técnica que recebem tem o objetivo de "acalmar, descansar e de os despreocupar".

Visitar o avião para testara segurança

Está a chegar o momento de os participantes visitarem o avião, sem que este saia do hangar. Ivo surge de voz bem mais segura. "Estou mais tranquilo. Existe muita segurança que eu desconhecia, muitos critérios de segurança, muita manutenção, muito rigor", contou, visivelmente entusiasmado com toda a experiência. Nesta altura já tem a garantia de que uma avaria num motor não é algo catastrófico. Um dia antes confessou que há uma semana que dormia mal e nem queria pensar no voo de sábado. Agora já diz: "Vou de certeza entrar no avião. Está a valer muito a pena. Se calhar ainda vou a Roma!" Ivo perdeu a Eurodisney e com a mulher e filha de viagem marcada para Itália demonstra agora uma atitude completamente diferente.

Marisa destaca outra parte: as técnicas de distração. Não esquece como lhe referiram como uma sopa de letras ou um livro para colorir são técnicas mais fáceis do que ler um livro. "Eu lia o mesmo parágrafo cinco vezes!" Realçou ainda como as palavras do comandante a confortaram muito no tema da turbulência, mas não só. "Não sabia que até a comida é diferente para o piloto e copiloto! Estou mais confiante e curiosa para ver o resto", disse, admitindo querer estar no simulador de forma a ser exposta aos fenómenos externos que tanta ansiedade lhe criam. Confessou ainda como no voo do dia seguinte queria estar ao lado do engenheiro de manutenção para assim lhe fazer perguntas sobre questões que vão surgindo.

Hora do voo terapêuticoaté Madrid

Chega o último dia, sábado. O voo terapêutico será até Madrid e depois o regresso a Lisboa. O avião é esperado com um pequeno atraso. Perto das 20:00 os participantes saem finalmente pela porta que milhares de passageiros atravessam todos os dias na Portela. Será que haverá mais uns "clientes habituais" do aeroporto? Todos fizeram a viagem, consolidando a taxa de 96% de sucesso do curso, que é estabelecida precisamente por aqueles que fazem este voo. Um desses exemplos é Maria Rebelo. A auxiliar de jardim-de-infância não viajava de avião há 16 anos (tem 43), quando há um decidiu participar no "Ganhar Asas". "Foi um episódio traumático que me bloqueou uma série de coisas, incluindo viajar de avião. Depois do curso, voar já está mais do que ultrapassado. Está fora de questão não o fazer e de momento a ânsia é fazê-lo o mais possível. Haja dinheiro", contou ao DN. Já viajou três vezes, duas ao Porto em "viagens terapêuticas". No verão foi a Londres com a família.

Recorda o voo até Madrid no final do curso. "Ao entrar a coisa não estava muito famosa. Era uma luta do vou ou não vou, mas claro que estava fora de questão não ir. Não foi muito agradável. Mas quando saí foi uma alegria imensa. Queria gritar e telefonar a toda a gente e dizer "já está", "até gostei"", afirmou. Disse ainda que durante o voo relaxou rapidamente, algo que até a surpreendeu.

Até a turbulênciafoi bem-vinda

Faltava saber como tinha corrido a viagem dos participantes da mais recente edição do curso. Veem-se sorrisos ao passar pelas portas. E há que salientar esse fator. Um dia antes, muitos dos participantes mostravam alguma tensão quando estiveram no avião. Ela agora parecia ter desaparecido por completo. "É inacreditável a diferença em certas pessoas", frisou Marisa, dando o exemplo de um senhor que descreveu como muito cético quando começou o curso e que estava muito nervoso antes do voo. "Parece outro!"

Também Marisa não tem dúvidas de que a sua vida será diferente. Para já, não houve sopa de letras ou livros para colorir, mas é provável que haja em futuras viagens. "Optei por ir falando com as pessoas, com o engenheiro... que foi ao meu lado! Comecei a ver o avião uma coisa segura. Mudei a visão de considerar como uma sorte che-gar ao destino", afirmou. As mãos transpiraram, é certo, mas adorou a passagem pelo cockpit, com direito a aterragem.

A turbulência sentida à chegada de Lisboa até foi bem-vinda: "Foi um bom teste. Estava desejosa de apanhar essas coisas." Quanto a Ivo... "Vou voltar a voar, mas no dia 5 já não consigo ir." Aquele Ivo muito nervoso do primeiro dia mais parecia uma imagem longínqua de si mesmo. Contou como no avião sentiu uma ansiedade enorme e ao chegar a Madrid estava muito nervoso. "Para cá, não sei se foi de fazer a viagem logo de seguida, mas correu otimamente. Houve umas rajadas de vento... Mas foi 50 vezes melhor!"

Não vai a tempo de ir a Roma, mas o irmão que vive em Amesterdão pode começar a preparar a receção a Ivo e à sua família. Marisa quer que o seu passo seguinte seja um voo de longa duração e depois voar sozinha. "É uma nova fase da vida", salientou. O comandante Armindo Martins, que no voo foi na cabine com os participantes, a assistente de bordo Rita Gabriel e a psicóloga Elisabete Santos sorriem quase tanto como os participantes que mostravam um estado de espírito de quem de facto tinha ganho asas.

Elisabete Santos, em entrevista ao DN: "Pessoas ansiosas e que precisam de ter o controlo das situações"

O que é a fobia de voo?

É uma fobia específica que faz parte de um grupo maior de perturbações, que são as perturbações de ansiedade. Fobia e ansiedade têm uma relação direta, pois a pessoa ao longo da vida adquiriu um receio excessivo e infundado de uma determinada situação, neste caso em viajar de avião. Temos histórias de participantes que fazem centenas de milhares de quilómetros de carro para destinos que chegariam de avião em duas ou três horas. Ninguém nasce com uma fobia, adquirem-se.

Há diferentes graus de fobia?

Podemos falar em intensidades diferentes e em graus diferentes de limitação como consequência dessa fobia. Temos desde pessoas que apesar do desconforto intenso mantêm-se a viajar - ou porque se recusam a ceder a uma fobia ou vão altamente medicadas, com consumo de álcool elevado - até às pessoas que não viajam de todo. Nestes casos utilizam estratégias como ir de outros meios de transporte ou enviar um colega para uma reunião de trabalho. Há quem tenha o desconforto antecipatório, mas quando entra no avião pensa "já aqui estou" e faz a viagem. Há quem não sofra muito antes, mas quando chega ao aeroporto começa com sintomas de ansiedade muito elevados.

Mas há episódios traumáticos por trás destes comportamentos?

São muito raros os casos em que uma pessoa desenvolve uma fobia a partir de um evento que sentiu como traumático. Há vários fatores que explicam, desde logo haver um certo traço de alguma ansiedade. São pessoas tendencialmente mais ansiosas, que se preocupam mais com as coisas no geral. Outra característica: têm grande necessidade de controlo. São pessoas com dificuldade em ir à pendura num carro. Gostam de conduzir, de sentir o controlo das situações. No avião não há essa perceção de controlo. Acho esta característica comum às pessoas que vêm fazer o programa.

Como funciona este curso?

Baseia-se em três componentes. Primeiro: gestão de ansiedade. As pessoas têm de perceber o que é a ansiedade, como é que ela se instala, como se gere e nós damos estratégias para gerirem os sintomas físicos e psicológicos. Segundo: informação técnica. É fundamental saberem como funciona o avião. Esta informação é dada pelo comandante, assistente de bordo e engenheiro de manutenção. Terceiro: exposição gradual. Ao longo do programa as pessoas vão sendo expostas a situações que se assemelham a estar dentro do avião e viajar. O passo final é o que chamamos de voo terapêutico, em que vão os participantes e toda a equipa técnica.

Quanto custa participar no curso e como se pode inscrever?

Custa 450 euros e a consulta de avaliação 75. As pessoas contactam a Unidade de Cuidados de Saúde do grupo TAP, é marcada a consulta de avaliação que determina se tem ou não fobia de voo e avalia-se se o Ganhar Asas é a melhor resposta para a pessoa Realiza-se cinco vezes por ano.

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