José tinha 13 anos e pesava 36 quilos quando chegou a Lisboa. Na vila do Rosário, no Conselho do Alandoral, recorda-se de comer açorda com azeitonas, ou o que havia. Não há memória de doces, para além de uma espécie de pão que sabia a erva-doce e canela. Lembra o seu percurso entre um quadradinho de marmelada e um bolinho de amêndoas no balcão da Faruque, a casa em que é pasteleiro e proprietário, em Odivelas..O ofício não foi uma vocação, mas sim fruto da necessidade. Se aos 56 anos é o rei da sua cozinha e tem duas ajudantes, começou como todos os aprendizes, a lavar tachos. Um catering em Sacavém foi a sua primeira escola. O curso profissional - que inclui módulos de chocolate, sobremesas e pastelaria - tirou em São Sebastião da Pedreira, já lá vão 40 anos. "Há 23 anos estou aqui em Odivelas. Esta pastelaria estava a venda e eu queria ter o meu próprio negócio. Custava 900 contos, dei 300 de entrada e o resto financiei no banco" recorda..José insiste que não há segredos para fazer bons doces, desconversa e diz que aprendeu tudo na prática. Uma cliente, a deliciar-se com os croissants, pisca o olho. "Pode contar senhor José, não seja modesto. Prometo que não digo para os outros fregueses". .Os armários e contentores da cozinha guardam leite de saco do dia e ovos frescos; as frutas cristalizadas estão separadas por cores, para não se deixarem manchar; os frutos secos mantém-se crocantes e estaladiços. ."Os ingredientes frescos e a sua qualidade determinam a diferença. Não uso produtos enlatados ou semi-preparados, pois são eles que deixam os doces todos iguais. A massa é sempre feita no dia. Se é deixada do dia anterior começa a azedar porque o fermento ultrapassou o ponto", explica..Quando viu o Tejo pela primeira vez ficou assombrado com tanta água e pensou para consigo que deixara a própria terra para ter uma profissão, para tornar-se 'gente grande'. José Rosado Coelho tem tudo. Possui uma actividade na qual se empenha com prazer, um negócio que lhe dá gozo e lhe possibilitou juntamente com a mulher, Ana, criar dois filhos. Tem uma neta, que como ele é "um bocado gulosa". Às cinco da manhã entra na sua cozinha e o balcão enche-se ao ritmo da pastelaria a partir das sete horas. Com excepção dos bolos secos, feitos as terças-feiras, tudo é feito no dia. E tudo são pastéis de nata, nozes com chocolate, fofos do convento, jesuítas, delícias folheadas, bolas... Sem falar dos salgados: as salsichas, as empadas, os croquetes crocantes. E já não há tempo para mais conversas, o pasteleiro tem os seus compromissos com o bolo-rei e com os sonhos.