Em Loures, pede-se a separação para respeitar a vontade popular

As antigas freguesias de Camarate, Unhos e Apelação pediram para se separar. O parecer foi positivo, mas não sem críticas do presidente. "Era importante clarificar a população", considera.
Publicado a
Atualizado a

Francisco faz parte da terceira geração de moleiros da família Jacinto. É no moinho da Apelação que trabalha, juntamente com o aprendiz João. Antes, era mecânico ("Fui durante 25 anos"). Confessa que nem vive na zona, mas sim em Torres Vedras. Vem a Apelação de propósito para trabalhar no moinho. A sabedoria nota-se ao explicar como funciona todo o processo de moagem, explicação, essa, que acontece no piso superior, junto à janela, com o cheiro a cereais a perfumar o ambiente.

Estamos no topo de uma colina. A paisagem vai até onde a vista alcança. Por entre o silêncio da ruralidade às portas de Lisboa, soa um ou outro avião de vez em quando, que passam a baixa altitude, preparando-se para aterrar. A sul do moinho, mais longe, fica Camarate; a norte está Unhos; a oeste, a Apelação - freguesia a que pertence. Agora, a diferença não é aparente. Mas, antes de 2013, se se andassem escassos metros, já se estaria numa freguesia diferente dentro do mesmo concelho: Loures. O moinho, explica Francisco Jacinto, "está mesmo no meio da união entre as antigas freguesias". A escola básica do Catujal, por exemplo, fica logo a 200 metros e já pertence àquilo que seria a antiga freguesia de Unhos.

Se fosse antes do processo de agregação, a conversa com Francisco teria acontecido na freguesia da Apelação. Agora, foi apenas na união. Apesar do moinho ter sido remodelado e recuperado na totalidade, em 2017 (ano em que teve um grande incêndio), já após a agregação, Francisco Jacinto é contra a desagregação das três freguesias. "Acho que não faz sentido. Saímos muito mais beneficiados com a união. Por exemplo, aqui a Apelação é uma área sem grandes recursos financeiros", diz, apontando, do telhado do moinho. "Como vê, isto aqui não tem grandes investimentos ou condições", acrescenta. Por isso, "o próprio moinho, que pertencia a Apelação, ficará prejudicado se assim for". Mas Francisco ressalva: "Não sou totalmente contra a separação. Acho que há casos em que pode funcionar. Aqui é que acho que não faz sentido, sairíamos prejudicados."

A dois quilómetros para sul fica, então, Camarate, a maior das três freguesias agregadas. É também a que mais habitantes tem, como comprovamos com a quantidade de pessoas que se sentam em esplanadas ou esperam por transportes públicos. O edifício-sede da junta de freguesia fica ao lado de um dos cafés que mais movimento tem pela manhã. O carro fica estacionado ali perto, o caminho é feito a pé, sob a ameaça de chuva. No edifício-sede da junta de freguesia, quase de frente para o Centro de Trabalho local do PCP, somos recebidos pelo presidente, Renato Alves (PS).

Sentamo-nos no gabinete. Por trás da secretária, na parede, está uma tela assinada por Leonor Salazar, com uma imagem familiar: o ex-libris da freguesia, o Moinho da Apelação. Conta-nos Renato Alves que "é um orgulho" ter recuperado a infraestrutura, oferecendo-a à população. E acrescenta um detalhe engraçado: "Aquilo está tão em cima da separação de freguesias que ninguém se entendia muito bem a que pertencia. Então, agora, assim, é da união. É de todos, pronto."

Explica, então, como surgiu a decisão de iniciar o processo de separação. "Não foi a junta de freguesia que tomou a iniciativa", começa por dizer. "O que se fez foi pedir ao presidente da Assembleia de Freguesia para agendar reuniões, em separado, com a população de Camarate, Unhos e Apelação, no sentido de se ouvir a posição sobre a desagregação, e também esclarecer os prós e contras de cada uma das situações. Porque os contras da agregação já sabemos quais são. Era importante clarificar a população", explica o autarca.

Mas, por entre associações locais e população, diz Renato Alves, "havia grupos que queriam, outros que hesitavam". Então, foi feito um estudo, apresentado depois à Junta para dar o seu parecer - que acabou por ser positivo. Ainda assim, conta o autarca, "o estudo é muito fraquinho, com dados errados e alguma informação pouco verdadeira". Então por que deu parecer positivo? "Porque, na altura em que foram feitas as uniões, as três freguesias votaram contra, nas respetivas assembleias. Isso pesou na decisão."

À frente da união de freguesias de Camarate, Unhos e Apelação desde outubro de 2017, o autarca reconhece que, apesar de ter dado parecer positivo, "haverá freguesias que vão sair prejudicadas, nomeadamente associações. As verbas que se arrecadam aqui são distribuídas de forma uniforme. Se fosse o caso, esse valor teria de ser feito com base em receitas próprias e nem todas as freguesias as têm". Com isto, "Camarate era a única freguesia que sairia beneficiada. As receitas de publicidade, por exemplo, a maior parte vem toda daqui".

Mas, no meio disto tudo, há um ponto positivo para Renato Alves: "Passava a haver três presidentes de Junta que podiam andar na rua, em contacto mais próximo com a população. A Junta tem três freguesias para gerir. A equipa também é maior, claro."

Numa união com quase 12 quilómetros quadrados de área, Renato Alves diz que a população "de Unhos e Apelação, depois de informada, foi praticamente toda a favor. Em Camarate houve menos pessoas a ser a favor."

E expectativas? "Nenhumas", é esperar para ver, diz Renato Alves, que revela ainda não ter sido contactado pelo Parlamento sobre o resultado do processo da sua junta de freguesia.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt