Há cerca de uma semana uns bons milhares de crianças entraram pela primeira vez para o 1.º ano de escolaridade. Muitos pais contaram aos filhos coisas maravilhosas sobre o que os espera nesta nova fase, não tendo, muitos deles a certeza do que estão a contar. Alguns temem mesmo que os filhos venham a sofrer na escola, por serem irrequietos, tímidos ou terem outras dificuldades. O medo não pertence apenas aos pais, também os professores temem. Alguns podem recear não serem suficientemente eficazes e de não serem capazes de ensinar aos novos alunos o que a sociedade lhes exige. E o medo impede amiúde estes adultos de espreitar com os olhos limpos para as dificuldades das crianças..Chegados de um mundo onde apesar de tudo a brincadeira impera, seja em casa, seja no jardim-de-infância, os adultos esperam dos novos alunos atitudes e comportamentos muitas vezes demasiado difíceis para crianças de seis anos. É frequente ser pedido às crianças que se mantenham concentradas numa tarefa e em silêncio por períodos de tempo que poucos adultos conseguiriam aguentar. Que sejam sempre capazes de resolver conflitos de maneira adequada, quando nem sempre os adultos o fazem. E sobretudo que tenham sucesso nas tarefas que lhe são propostas. Quando os alunos falham, os professores voltam a «explicar», mas voltar a explicar pode não ser suficiente sem que isso seja necessariamente indicador de uma dificuldade intrínseca à criança..As práticas pedagógicas são muitas vezes dirigidas ao aluno médio sem ter em conta a disparidade de ambientes de origem ou das práticas educativas anteriores. Para ilustrar o que pretendo dizer, centremo-nos na aprendizagem da leitura e escrita. A construção do envolvimento infantil em relação à linguagem escrita inicia-se para muitas crianças em ambientes estimulantes de literacia familiar. Algumas crianças, desde cedo, têm acesso à leitura diária de histórias, à observação de comportamentos de leitura e escrita dos adultos com objetivos lúdicos, comunicativos, utilitários e intelectuais. Estes contextos constituem o "pano de fundo" de conversas em torno do escrito com adultos significativos para as crianças que valorizam e encorajam as descobertas infantis sobre o ler e o escrever..Ao serem questionadas sobre os seus motivos para aprenderem a ler as crianças que estão integradas em ambientes ricos em experiências de literacia afirmam muitas vezes coisas como: "Quero aprender a ler para ler livros de histórias", "Para saber mais sobre animais", "Estas práticas de literacia em contexto familiar não existem, contudo, em todos os lares. Alguns estudos demonstram que as crianças provenientes de meios socioculturais favorecidos possuem uma vantagem de cerca de 1000 horas de experiências de literacia quando entram na escola face a crianças de meios desfavorecidos, o que aumenta a motivação das primeiras para aprender. Estes contactos informais com o escrito, nos quais as crianças não têm medo de responder e nada lhes é cobrado se derem uma resposta menos correta, fazem também com que as crianças vão descobrindo a lógica da escrita alfabética que pode ser mais difícil do que parece à primeira vista. Se perguntarmos a um adulto alfabetizado quantos sons tem a palavra "pato", muitos irão responder dois, pensando nas sílabas, já que as sílabas são as unidades naturais da fala. Porém quando se diz à criança que vai aprender o "p" de "pai" ou "pato" -- sendo que a instrução pode ser diferente consoante o método usado pelo professor -- a compreensão dessa instrução implica que a criança seja capaz de analisar a sílaba em unidade de som mais pequenos, o que pode não ser nada fácil..O papel dos adultos, sejam pais e professores, deve ser, em primeiro lugar, o de criar um ambiente de confiança que não dê lugar ao medo de errar. Em segundo lugar, o de tentar perceber as dificuldades infantis numa determinada tarefa, analisando complexidade da tarefa e sem imputar de imediato a dificuldade à própria criança..O filósofo Walter Benjamim escreveu que "a infância é promessa de começo, testemunho de eterno retorno ao novo" e é dever de pais e professores que a promessa se cumpra..Professora do Ispa - Instituto Universitário e escritora