Está a chegar a hora da verdade para os Chicago Cubs: será desta que a equipa de basebol larga o estatuto de lovable loser (perdedor adorável) do desporto dos EUA e deixa, finalmente, de usar uma maldição com mais de 70 anos como bode expiatório? A história do mais lendário jejum de títulos do desporto mundial (dura desde 1908), e da praga a ele associada, é desafiada a partir de sexta-feira, com o início dos playoffs da Major League Baseball (MLB), a liga norte-americana da modalidade. Desta vez, os Cubs partem mesmo como favoritos..Durante décadas, o bode expiatório de todos os fracassos dos Chicago Cubs foi a maldição de Billy Goat: a praga lançada por um adepto da equipa, em 1945, revoltado por não o deixarem assistir a um jogo das finais da liga (World Series) no estádio, ao lado do seu animal de estimação, o bode Murphy. Desde então, os homens do estado de Illinois não voltaram a disputar a decisão do título. No entanto, após muitas épocas a jogar como nunca e a perder como sempre, neste ano o sonho dos Cubs parece estar a renascer..Os cubbies conseguiram o melhor desempenho da fase regular da MLB, que se concluiu no domingo: somaram mais de cem vitórias (103), pela primeira vez desde 1935. Parecem na senda de algo histórico, com uma equipa de jovens talentos liderada pelo batedor Kris Bryant (forte candidato a MVP da liga) e por lançadores como Jake Arrieta e John Leste - um grupo feito com as primeiras escolhas dos últimos drafts (jogadores vindos das universidades) após épocas a acumular derrotas. E a sucessão de bons resultados está a levar os adeptos à loucura: para os primeiros jogos dos playoffs em Wrigley Field (contra um rival ainda a determinar, na eliminatória de repescagem da National League, que começa hoje) já há bilhetes à venda por 3600 dólares - cerca do dobro do previsto para as partidas das World Series na casa de qualquer das outras equipas..A euforia e a atenção mediática aos bons resultados dos Cubs é justificada: afinal, a propensão para o azar da equipa amaldiçoada por um bode desde 1945 já era parte da cultura popular dos EUA, alvo de escárnio nos mais variados contextos e até glosada no filme Regresso ao Futuro. Na fita, vaticinava-se que só em 2015 os north siders de Chicago quebrariam o jejum de títulos que dura desde 1908 (é o clube no ativo com o mais hiato de conquistas desde a última vez que foi campeão...). Todavia, nem aí aconteceu: a equipa perdeu as meias-finais dos playoffs com os New York Mets sem vencer qualquer jogo (0-4)..Bode e outras maldições.Na verdade, o fim da abstinência já esteve próximo numa mão-cheia de ocasiões (como em 1969, 1984, 1989 e 2003), em que a equipa baqueou nos instantes decisivos, muitas vezes de forma surpreendente e traumática, quando era dada como clara favorita. Mas nenhum episódio foi tão inesperado e doloroso como o de 1945, quando os Cubs estavam em vantagem sobre os Detroit Tigers (2-1 em jogos) até ao dia em que Billy Sianis e o bode Murphy foram expulsos de Wrigley Field: acabaram por perder a final por 4-3 e não voltaram às World Series.."Eles não vão voltar a ganhar", terá dito Billy, despeitado por ter sido expulso do estádio devido ao mau cheiro do bode, para o qual tinha comprado bilhete. As versões da história divergem quanto ao momento da expulsão (antes ou depois de entrar no recinto) e quanto ao teor da maldição (não ganhar mais o campeonato ou não voltar sequer a marcar presença nas World Series). Mas o certo é que a equipa não voltou a passar da final da conferência (a National League) e chegar à decisão da MLB..Com o passar dos anos (e o prolongamento do jejum), os responsáveis dos Chicago Cubs tentaram de tudo para exorcizar os fantasmas, em manobras que envolveram visitas de descendentes de Billy Sianis ao estádio, acompanhados de cabras e bodes, e até cerimónias religiosas de padres ortodoxos (o adeptos tinha raízes gregas). No entanto, nada resultou..A paranoia ganhou novos contornos em 2003, com o caso Steve Bartman. Com os homens de Chicago a uma vitória do apuramento para as World Series e em vantagem no sexto jogo da eliminatória com os Florida Marlins, Bartman, adepto dos Cubs, tentou agarrar a bola que seguia para a bancada, numa jogada em que inadvertidamente acabou por prejudicar a própria equipa. O gesto é comum nos estádios de basebol, mas esse lance iniciou uma derrocada de proporções inesperadas para os cubbies: perderam o encontro (quando seguiam com uma larga vantagem), falharam o apuramento para a final, e o adepto foi alvo de insultos, agressões e até ameaças de morte..Em Chicago, temeu-se uma nova maldição. O clube fez por reabilitar a imagem pública do adepto (que nunca mais voltou a Wrigley Field). No entanto, num terreno com tanta superstição, já ninguém sabe o que esperar. Está nas mãos de Bryant e companhia acabar de vez com os bodes expiatórios.