Duas eleições decisivas

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1 - As eleições que tiveram lugar no domingo, dia 17, foram decisivas para a União Europeia. Porque na Grécia como na França não só se joga o futuro desses dois Estados, como também o da União Europeia, à deriva, paralisada - e sem estratégia - há mais de dois anos. Na Grécia os resultados foram complexos e vai ser difícil formar governo. Mas a Grécia não vai sair do euro. Em França a vitória do Partido Socialista foi esmagadora.

Contudo, não foi só o futuro do euro que estava em jogo antes das eleições gregas. É mais do que isso: é o próprio futuro da União Europeia, desde há meses à beira do abismo e perante sucessivas cimeiras completamente inúteis e sem resultados palpáveis. Nunca a Europa, sob a bitola da chanceler Merkel, esteve tão pouco segura de si e tão incerta quanto ao futuro. Com os dirigentes institucionais europeus sem se atrever a falar claro e a dizer o que pensam.

Veremos quais as surpresas que as próximas semanas nos vão trazer...

2 - Espanha e Itália

Para além da Grécia, da Irlanda, de Portugal e de Chipre, o novo Estado que abala e fez estremecer a Europa é agora a Espanha. E mais discretamente, mas não menos gravemente, a Itália. São duas grandes economias em estado de choque no plano bancário, mas não só: com grandes dificuldades, que tornam o futuro incertíssimo.

A Itália, mais discretamente, tem um Presidente da República excecional, Giorgio Napolitano, que teve o raro talento de substituir, na altura própria, o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, sem ter problemas de maior, mudando-o por um tecnocrata, Mário Monti, que se tem imposto como um político de categoria e eficaz. Mas a seguir ao colapso da Espanha - se vier a dar-se, espero que não - o Estado que se segue é inevitavelmente a Itália e, depois, a França. A chanceler Merkel, cada vez mais isolada, terá na altura própria de voltar à Alemanha Oriental, onde nasceu, e fazer--se esquecer. Não será sem tempo.

Entretanto, a Espanha está a passar por momentos de grandes dificuldades, em especial quanto ao seu sistema bancário e à velha "bolha imobiliária", que tanto contribuiu para o seu atual mal-estar. No entanto, Mariano Rajoy, um galego que se tem revelado mais hábil do que todos pensavam, não só recusou a palavra resgate, como não pode ver a política de austeridade nem qualquer troika que quisesse instalar-se em Madrid. Apesar das pressões que tem sofrido, da parte da chanceler Merkel e da Comissão Europeia. Como líder do Partido Popular e, portanto, ultraconservador, por definição, é óbvio que as posições que tem vindo a tomar são corajosas e inesperadas. E a meu ver, como o futuro próximo demonstrará, têm completa razão de ser.

Bem gostaria, assim, que o primeiro-ministro português, Passos Coelho, seu correligionário partidário, lhe seguisse o exemplo, neste tempo de grande mudança em que nos encontramos.

3 - Portugal vai de mal a pior

Neste início do segundo ano do atual Governo, as dificuldades avultam em todos os sectores. Alguns ministérios estão paralisados, não atendem nem respondem às pessoas que os solicitam. Tirando as Finanças, cujo principal objetivo é fazer cortes sobre cortes, que atingem fundamentalmente os trabalhadores e a classe média, criando cada vez mais desempregados, o Governo ignora a pobreza crescente, vende sem diálogo prévio o património, fecha Tribunais, contra a vontade das populações, aperta, quanto pode, as câmaras municipais e as freguesias, criando-lhes um futuro muito inseguro e incerto, encerra ou quer encerrar um símbolo, para tantos portugueses, como a Maternidade Alfredo da Costa - com que vantagem? - e vários outros hospitais públicos, porque os privados são, quanto possível, acarinhados, ignora a dignidade do trabalho e a importância do serviço público e social, que estão a ser destruídos aos poucos. Para onde vamos parar?

Por outro lado, os portugueses ficam sem casa, por falta de dinheiro, o Governo não dialoga com os sindicatos nem com os partidos de Oposição e fecha-se sobre si próprio. Não dá a conhecer aos portugueses qual é, se é que existe, a política portuguesa em matéria europeia e mundial, despede - com que critério? - assessores culturais das embaixadas e pretende que os diplomatas sejam acima de tudo comerciantes, o que obviamente só os pode diminuir, etc...

A verdade é que o Governo está cada vez mais isolado e está a perder o crédito aos olhos da maioria dos portugueses. O mal-estar é crescente e não se faz nada para mudar a situação. A crise global é tida como uma fatalidade para Portugal, quando se sente por toda a Europa que as medidas de austeridade têm de ser combatidas para salvar o euro e dar um novo impulso ao projeto político, social e económico europeu. Se assim não for, de resto, o futuro da União Europeia será uma verdadeira tragédia...

4 - Uma nova reunião do G20

Começou ontem no México uma nova reunião do G20. Temos assistido a muitas sem resultados efetivos. Os líderes políticos mundiais, desta vez, estão a pressionar a chanceler Merkel, para evitar outra recessão, uma vez que o resultados das eleições gregas não foi de molde a a Grécia sair do euro, como alguns esperavam.

Os "grandes" do mundo, como os Estados Unidos, a China, a Índia, o Brasil, os Estados Europeus da Zona Euro e os outros, como o Reino Unido, e ainda a Rússia, a África do Sul e o México, país que recebe a reunião, mostram-se particularmente preocupados - todos - com a crise global que afeta o planeta. A globalização desregulada, o capitalismo dito de casino, os paraísos fiscais e as criminosas agências de rating são os responsáveis. Todos reconhecem - mesmo quando o não dizem em voz alta, por medo ou oportunismo - que é preciso mudar o modelo de desenvolvimento, tanto no plano económico-financeiro como político, social e ecológico, porque a terra, no seu conjunto, também vai muito mal. Os riscos que corre são enormes.

Mas quem, entre os grandes políticos mundiais, tem a coragem de proclamar a necessidade de mudar de paradigma? Eis a grande questão para a qual não há ainda resposta. Veremos o que sairá da reunião do G20... Tenho poucas esperanças que venha daí alguma coisa de consequente.

5 - A FundaçãoSaramago

Foi no dia 13 passado - dia de Santo António, tão festejado em Lisboa - que se inaugurou a Fundação José Saramago, como ele desejava, na célebre Casa dos Bicos, quinhentista, mas completamente refeita no interior, pelos arquitetos Manuel Vicente e João Santa--Rita, com uma beleza arquitetónica excecional.

A alma da Fundação Saramago, onde fica todo o seu imenso património literário e cívico e a sua biblioteca (acrescida pela entrega da biblioteca do general Vasco Gonçalves), foi a sua Mulher, Pilar del Río, de inteligência e energia extraordinárias. Sem ela, nada teria acontecido e o espólio de Saramago, tão importante, ficaria a perder-se na ilha de Lanzarote.

A cerimónia da inauguração foi simples mas não vai tão depressa desaparecer da memória dos presentes, que foram muitos. Começou por um discurso muito espontâneo e interessante de Pilar, que se seguiu a um filme sobre Saramago e Pilar e logo depois interveio o académico espanhol Fernando Gómez Aguilera que conhece, como poucos, a obra e a vida de José Saramago e terminou com um discurso muito oportuno do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, como anfitrião da cerimónia de inauguração. Finalmente foi lida por Ana Sousa Dias uma carta de Eduardo Lourenço, ausente em Cannes, mas que não quis, com a sua autoridade académica, deixar de marcar posição. E muito bem.

A cerimónia terminou com uns cravos brancos depositados, por vários presentes, junto da oliveira, frente ao edifício, onde estão as cinzas de Saramago. Espero que a atividade da Fundação, presidida por Pilar del Río, corresponda, apesar do tempo difícil que vivemos, aos seus tão importantes objetivos.

6 - Morreu Raul Nery

Um músico exemplar e grande vulto do fado, hoje património da Humanidade. Não tive o privilégio de o conhecer pessoalmente. Mas ouvi-o, várias vezes, tocar ao lado de Amália Rodrigues e de Alfredo Marceneiro. Sei da consideração - e do respeito - em que era tido nos meios ligados à canção nacional.

Acresce que estimo muito o musicólogo e grande figura cultural portuguesa que é o seu filho Rui Vieira Nery, meu colega no júri do Prémio Fernando Pessoa. Tendo sabido tardiamente do falecimento de seu Pai, não quero deixar de lhe enviar um comovido abraço de sentidos pêsames.

7 - Ortega y Gasset em Lisboa

A Fundação espanhola Ortega y Gasset veio a Lisboa, com uma ilustre representação, apresentar as Obras Completas de Ortega y Gasset, na sua última edição em 10 volumes. Tive a honra de assistir a uma conferência dele e o conhecer vagamente, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde eu era aluno. Foi apresentado pelo ilustre Professor Vieira de Almeida, de quem eu fui discípulo e amigo. Nos abaixo-assinados, dirigidos ao Presidente da República que então fazíamos e assinávamos, tornámo-nos amigos.

Ortega, vindo da Argentina, onde passou uns anos difíceis, após a derrota dos progressistas na guerra de Espanha, veio a Lisboa e aqui se instalou (na Av.ª 5 de Outubro) nos anos finais da Guerra Mundial. Havia então um vento de liberdade, que vinha do sentimento generalizado de que com o fim do nazi-fascismo acabaríamos por deixar abaixo os dois ditadores ibéricos, Salazar e Franco. Infelizmente não foi assim. Com medo dos comunistas, os Aliados traíram os democratas portugueses e espanhóis e defenderam Franco e Salazar. Uma vergonha que não se esquece e que nos custou mais três décadas de Ditadura.

Com dificuldade, nos idos de 1943, Vieira de Almeida conseguiu autorização para que Ortega y Gasset fizesse uma conferência na Faculdade de Letras, salvo erro, sobre a ética e a política. Foi a essa conferência que eu assisti, bebendo as palavras do autor d 'A Rebelião das Massas. Mas devo reconhecer - porque não o esqueci - que Vieira de Almeida fez muito mais do que uma simples apresentação do mérito de Ortega. Falou de forma brilhantíssima da sua obra e do que ela representava - nesse tempo e ainda agora - para a cultura ibérica, europeia e universal.

Os representantes da Fundação Ortega y Gasset - Manuel Gasset Loring, Fernando Vallespin e Javier Zamora - que vieram a Lisboa e quiseram dar a honra à Fundação M. S. de nela apresentar as Obras Completas de Ortega y Gasset, na sua última e belíssima edição, com várias intervenções sobre a obra e a pessoa homenageada. Responderam ainda a perguntas que lhes foram feitas. Foi um fim de tarde que trouxe a todos os presentes no auditório, onde decorreu a cerimónia, que tem o nome do meu inesquecível amigo Gomes Mota, uma soma de conhecimentos que não vão esquecer...

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