Médico com consultório em Lisboa, serviço nos hospitais e dando aulas numa faculdade, com os filhos criados, José Luís Themudo, decidiu, aos 57 anos, mudar a sua vida. Voltou à escola para cumprir um sonho: aprender a tocar guitarra portuguesa e ser um dos primeiros músicos em Portugal com licenciatura deste instrumento. É um dos oito alunos matriculados no único curso de licenciatura em Guitarra Portuguesa, a funcionar na Escola Superior de Artes Aplicadas (ESART) do Instituto Politécnico de Castelo Branco. .A maior parte dos alunos vem a Castelo Branco duas vezes por semana para aprender sob orientação de Custódio Castelo. Uns estão ainda nos primeiros acordes. Themudo Barata aperfeiçoa a técnica que conheceu «aos 20 anos, ainda antes de ser médico». «Desde pequeno quis ser músico, tive aulas particulares de guitarra aos 17 anos, comecei depois a tocar em casas de fados. Formei-me em Medicina aos 23 anos e arrumei a guitarra. Escrevi livros, tirei doutoramento, criei o meu consultório privado em Lisboa, dei aulas, criei um Departamento de Nutrição e Atividade Física numa universidade»... desfia. Em 2007, voltou a ter aulas com Carlos Gonçalves, guitarrista da Amália. «Apercebi-me de que sabia os fados todos mas com algumas limitações técnicas e quis aperfeiçoar.» Soube que Custódio Castelo dava aulas em Castelo Branco e não pensou duas vezes. Agora é músico... e nas horas vagas, médico. «Não era aos 70, a lutar por uma reformazinha e com artroses nos dedos que eu iria fazer o que estou a fazer.».Pode aprender-se a tocar guitarra portuguesa num conservatório, escola ou em aulas particulares. Mas nenhum atribui grau superior como a Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco. A escola permite a integração na vida ativa a quem quiser seguir este percurso profissional e, simultaneamente, confere aos alunos de Guitarra Portuguesa uma formação integral, pessoal e profissional neste que é o instrumento que representa tão bem Portugal como a sua própria bandeira. Custódio Castelo, músico e compositor de guitarra portuguesa, é testemunha de que, no que diz respeito a este instrumento de 12 cordas, o que está em causa são os sentimentos. É o que tem pela frente quando abre as suas aulas ao grupo de oito pessoas, e as vê ansiosas, com a guitarra portuguesa nos braços. Os alunos são colocados em forma de círculo e começa-se por afinar as cordas. Perde-se com isso o tempo que for preciso. A turma de alunos é bastante diversificada, entre os que aprendem pela primeira vez a tocar um instrumento ou os que sabem apenas tocar guitarra..José Alegre, de 47 anos, começou por estudar guitarra clássica mas mudou para guitarra portuguesa. Foi o primeiro aluno a ingressar neste curso em 2008, assim como foi o primeiro a obter licenciatura em Acordeão na mesma escola. Mora em Faro, onde vive e onde dá aulas de guitarra portuguesa a dez alunos na Escola de Artes de Sines. «Procurava uma formação neste instrumento porque não são assim tantas as pessoas que estão habilitadas para o poderem transmitir», explica. Todas as semanas desloca-se a Castelo Branco, onde chega no domingo à noite. «É um sacrifício enorme porque me sai do bolso. Só em deslocações, estada e alimentação controlada gasto uma média de seiscentos euros por mês»..Outro dos alunos, Ricardo Gordo, está entre os mais jovens da turma. Estava num curso de Engenharia e tocava guitarra elétrica numa banda de heavy metal até se ter rendido à guitarra portuguesa há três anos por culpa do pai, amigo de Custódio Castelo. «Nunca tinha tido contacto com esta afinação da guitarra portuguesa, mas logo que peguei no instrumento e senti o som, a vibração da madeira, apaixonei-me», explica. Ricardo, de 24 anos, alia a aprendizagem no curso com o ensino de guitarra no Conservatório Regional de Música de Castelo Branco e a escola Adágio de Portalegre. Tem alguns trabalhos a solo nos quais conjuga percussões de guitarra baixo com a guitarra portuguesa. .Mas como é que o ensino da guitarra portuguesa aparece num local onde ela não tem tradições? A ideia surgiu há quatro anos a Miguel Carvalhinho, músico, professor na Escola Superior de Artes Aplicadas (ESART) do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Na altura, não existia nenhum grau académico. Carvalhinho e Custódio Castelo, dois dos mais reconhecidos músicos e compositores do país, conversavam sobre isto num regresso de avião de Paris. Ambos queriam fazer algo pela guitarra portuguesa, para aproveitar o crescente interesse do público pelo fado, catapultado pelos novos artistas..Carvalhinho apresentou a proposta ao então diretor da ESART, Fernando Raposo, que acolheu com agrado a ideia. «A adesão foi muito boa, também pelo facto de termos connosco o professor Custódio Castelo, o que ajudou muito», diz Miguel Carvalhinho. No dia seguinte à aprovação da proposta em Conselho Científico já estava um aluno de Faro a inscrever-se no curso que começou a funcionar com duas vagas, as possíveis, dada a vida agitada de Custódio Castelo pelo país e estrangeiro. .O músico segue nas suas aulas «uma sebenta de trabalho a que chamamos de gravador de imagem, não só de áudio mas de vídeo». Os alunos seguem e podem gravar as técnicas do professor, que primeiro de tudo procura conhecer de perto cada aluno. «Faço um estudo sobre cada um deles, sobre como entendem a guitarra portuguesa.» Depois traça um plano de estudo adaptado a cada um dos seus discípulos. Depois de dominadas as técnicas básicas, a guitarra portuguesa torna-se como que uma extensão do corpo, por onde o músico se exprime e com a qual entra em diálogo. «Essa é a magia que apaixona milhares e milhares de pessoas por todo o mundo», define Custódio Castelo. Assim o reconheceu a UNESCO..Esta licenciatura corresponde à estratégia da escola de Castelo Branco em promover a música popular portuguesa. «A guitarra portuguesa e o acordeão são chamados instrumentos não clássicos e quisemos abrir esta janela de oportunidades para quem quer aprender e sobretudo seguir carreira, como músico ou professor», justifica Pedro Raimundo, diretor da ESART. «Esperamos estar a preparar instrumentistas, com capacidade técnica, ao mais alto nível», completa. O curso de Guitarra Portuguesa tem as mesmas disciplinas que os restantes cursos de instrumento da escola e dispensa a obrigatoriedade de se ter um percurso de conservatório. O aluno tem também aulas para ler pautas de música, para cantar no coro, para aprender história da música, o que completa a sua formação. À Escola Superior de Artes não interessa tanto «como os alunos entram, mas sim como é que eles saem e, por isso, já temos alunos que se encontram a dar aulas em guitarra portuguesa, em conservatório ou escolas particulares», explica o professor Miguel Carvalhinho. Este curso, diz, «é uma forma de construir a casa pelo telhado, ou seja, como não há professores nos conservatórios, estamos a lançar a semente, para daqui a alguns anos estarmos a receber alunos destes que aqui se formam». O curso de Guitarra Portuguesa da ESAR funciona desde 2008 e recebe oito alunos. Este é o número de vagas devido à carga horária individual necessária. Segundo José Raimundo, diretor da escola, «há vontade de criar opções de canto de fado e viola de acompanhamento» para completar o grupo que acompanha a guitarra.