Apenas 982 (cerca de 4%) das 25 978 notificações de efeitos adversos a medicamentos registadas entre 2012 e o terceiro trimestre deste ano foram realizadas por utentes, tendo as restantes sido efetuadas pela indústria e por profissionais de saúde. Apesar de o número de notificações estar a aumentar, há ainda um problema de subnotificação, sobretudo por parte dos utentes, que foi recentemente destacado num estudo europeu da Universidade de Duisdburg-Essen, na Alemanha. Michael Kaeding, especialista em políticas europeias e professor naquela universidade, disse ao DN ser preciso "implementar programas de sensibilização voltados para doentes e profissionais de saúde"..Em 2016, o Infarmed recebeu 5698 comunicações de efeitos secundários de fármacos, um número baixo, atendendo à população que reside em Portugal. E é sobretudo nos utentes que está a maior falha. Excluindo as notificações feitas pela indústria, de um total de 12 326 apresentadas nos últimos cinco anos, apenas 8% foram originadas pelos cidadãos. Uma percentagem baixa e que, de acordo com Michael Kaeding, está em linha com que se passa "em todos os seis países" analisados no relatório: Portugal, Reino Unido, Finlândia, Polónia, França e Alemanha..Por cá, diz o investigador, a pesquisa e as entrevistas revelaram dois problemas: a falta de consciencialização e de recursos. "Muitos profissionais de saúde simplesmente não estão informados sobre a sua obrigação legal de denunciar as reações adversas graves ou inesperadas. E há falta de tempo e de recursos para denunciar reações adversas a medicamentos, particularmente em ambiente hospitalar, onde médicos e enfermeiros estão geralmente muito ocupados e com excesso de trabalho", destaca Michael Kaeding. Entre os doentes, prossegue, "a consciencialização ainda é baixa", pois esta possibilidade só surgiu na lei em 2012..Fátima Canedo, diretora de Gestão do Risco de Medicamentos do Infarmed, aponta, ainda, o "comodismo" e "a conotação que é dada à notificação", pois o utente sente que está "a denunciar ou a reclamar da ação do médico". Uma ideia errada, ressalva, pois "a notificação é essencialmente para garantir a segurança do medicamento". A falta de informação faz com que os utentes não saibam que "podem e devem" comunicar as reações adversas a fármacos. "É quase um dever cívico", sublinha a responsável. Já os profissionais de saúde, acham muitas vezes que dar conhecimento de um efeito adverso "é assumir um erro, que prescreveram mal"..5% dos internamentos As notificações das reações adversas a medicamentos revelam efeitos secundários que não eram conhecidos e permite conhecer melhor o perfil dos fármacos, o que garante maior segurança na sua utilização. De acordo com o investigador alemão, estima-se que as "reações adversas representam 5% de todos os internamentos hospitalares e causam cerca de 200 mil mortes por ano na UE, custando cerca de 80 mil milhões de euros". Kaeding considera que "todas deveriam ser reportadas, não apenas as inesperadas ou as graves"..Uma das recomendações dos autores do estudo é para que sejam feitas "mais campanhas de sensibilização junto da população para melhorar o conhecimento público acerca da farmacovigilância". Outra é para que seja instituída a "obrigatoriedade de aulas sobre a importância da farmacovigilância e a necessidade da notificação de reações adversas para todos os estudantes de Medicina e Farmácia", assim como "formação adicional para todos os profissionais de saúde, incluindo a gestão hospitalar". No geral, aponta Kaeding, "há uma falta de recursos financeiros e especialmente humanos, principalmente decorrentes de orçamentos reduzidos após a crise económica no sul da Europa", mas é importante que os conselhos de administração dos hospitais façam "da farmacovigilância uma prioridade"..Notificação mais rápida Ao DN, o Infarmed lembra que foi feita uma campanha entre 7 e 11 de novembro, disponibilizada no site do instituto e nas plataformas das instituições do Serviço Nacional de Saúde, e que são realizadas ações de formação nas instituições e escolas de saúde. "Temos de combater a iliteracia. As pessoas têm de saber que podem notificar e que a notificação é um contributo útil para a segurança dos medicamentos e, portanto, para a saúde pública no geral. E desmistificar. Todos os fármacos causam reações adversas, o importante é conhecê-las", frisa Fátima Canedo. No mês passado, foi também lançado um novo portal RAM, onde é possível notificar um efeito adverso em apenas cinco minutos..Um dos grandes desafios diz respeito, segundo o estudo, aos medicamentos biológicos. Como usam "células vivas" e têm um processo de produção complexo, é sempre necessário identificar o lote, o que dificulta o processo.