De cada vez que Cavaco Silva resolve falar, há um pequeno terramoto a que se seguem réplicas várias na política e na sociedade. Cavaco, sejamos claros é, ainda hoje, o maior adversário do PS nos últimos quase 40 anos. Foi o único que ganhou cinco eleições, quatro delas com maioria absoluta. Foi o único que governou durante dez anos, e que fez outros tantos em Belém. Entre uma década e outra, manteve-se como agora: atento, vigilante, interventivo e cáustico. Cavaco nunca deixou de ser Cavaco. É o político profissional com mais anos no ativo, mas que continua convencido que nos convenceu de que nunca foi político profissional, mas apenas um economista que teve de assumir funções públicas..Cavaco não mudou nada..Continua a olhar para o país e para a política da mesma forma como olhava em 1985, quando ajudou a acabar com um governo de coligação onde estava o seu próprio partido..Cavaco quis sempre que o PSD não se misturasse com o PS. E conseguiu esse objetivo, por três vezes em legislativas. Cavaco governou sozinho, com duas maiorias absolutíssimas, sem ter que dar cavaco à oposição socialista, que secou como um eucalipto..É isto que arrelia e enfurece o PS. Cavaco fala. E é escutado. E tem, ao mesmo tempo, o condão de tocar a reunir o PSD; e tocar a reunir o PS. De cada vez que Cavaco abre a boca, o PS, todo, une-se contra ele. E esta capacidade que mantém de não ser consensual, de ser amado por muitos e odiado por outros tantos, mas não deixar ninguém indiferente é um património que, goste-se ou não, poucos políticos, no ativo ou na reserva, podem reclamar..O grande adversário de Mário Soares não foi Sá Carneiro. A morte do fundador do PSD não permitiu que o combate entre dois dos fundadores da democracia durasse mais tempo. O grande adversário de Mário Soares foi, na verdade, Cavaco Silva. É preciso ter memória e recordar o que Soares Presidente fez a Cavaco Primeiro-Ministro nos últimos três anos do mandato de ambos. O líder da oposição estava em Belém, Soares corporizou essa liderança, de muitas e variadas formas. Cavaco chegou a dizer que era preciso ajudar Soares a terminar o mandato "com dignidade". Estávamos em 1994..Mais tarde, em 2006, mal Cavaco Silva anunciou que seria candidato presidencial -- depois de já ter perdido, dez anos antes, para Jorge Sampaio -- Soares saltou imediatamente do sofá e voltou a candidatar-se a Belém. Depois de já ter sido presidente por dois mandatos. Soares não queria aceitar que Cavaco pudesse vir a ser, alguma vez, Presidente da República. Voltou à estrada, teve de se defrontar com o amigo Manuel Alegre, ficou em terceiro nessas eleições, Cavaco limpou tudo logo à primeira volta. Mas Soares estava feliz. "Só perde quem desiste de lutar", disse, e ele, por ele, lutaria sempre contra Cavaco Silva. Só ouvir o nome de Cavaco deixava Soares colérico. Há relatos de Belém, da altura da presidência de Soares, de que à quinta-feira, dia de reunião semanal com o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, Soares ficava insuportável. Só acalmava quando "o gajo" ia embora..De Cavaco, portanto, nada de novo. O PSD chamou um dos seus maiores símbolos para o combate político. António Costa até tem razão: Cavaco, este fim de semana, despiu o fato de ex-presidente estadista e de conselheiro de estado e vestiu a camisola de social democrata. É verdade e é legítimo. Mas é bom recordar que, este mesmo Cavaco, também ajudou a derrubar um governo do seu próprio partido. Foi ele que escreveu o célebre artigo da "boa moeda e da má moeda" que Sampaio guardou com zelo e que ajudou a despedir Santana Lopes quando, recorde-se, a coligação PSD/CDS tinha, como hoje tem o PS, maioria absoluta no hemiciclo..Cavaco está onde sempre esteve. O PSD sabe disso. E o PS também não o deveria esquecer..Jornalista