O Djibuti, antes de o ser, já foi do nosso "César do Oriente", o Grande Afonso de Albuquerque, também "Leão dos Mares" e "Marte Português", no início do século XVI, exatamente pelas mesmas razões que hoje é cobiçado por todos aqueles que contam. Geografia, que é coisa que nem o diabo muda! No caso do português Afonso de Albuquerque, a entrada do Mar Vermelho, Estreito de Babb el-Mandeb, "O portão das lágrimas" na tradução literal, abre portas hoje para o Mar Vermelho e depois desliza para o Canal do Suez, desaguando no Mediterrâneo Oriental. A este propósito, Albuquerque teve uma visão e um plano, rasgar um canal da margem direita do Rio Nilo até às águas divididas por Moisés e encurtar seis meses a carreira Metrópole - "Índias Portuguesas". Em 1859 era inaugurado o Canal do Suez à navegação mundial, fazendo do Mar Vermelho a "autoestrada que nenhum camionista" quer evitar, apesar da portagem! Pela poupança de tempo, combustível e pela segurança desta parte do trajeto. Ora essa segurança, começa e acaba precisamente no Djibouti! Porquê?.Porque este pequeno território encavalitado no Corno de África e encravado entre o norte da Somália, o sul da Eritreia e o leste da Etiópia, apresenta duas vantagens imediatas em jeito de uma só. Fica a meio-caminho de qualquer conflito em África e no Médio Oriente, tratando-se atualmente de um importante ponto de projeção de força "todos azimutes". A proximidade com o Iémen e Arábia Saudita colocam no Médio Oriente quem está no Djibuti, sem nunca lá estar (no Médio Oriente)! Estável desde o início do século, o Djibuti apresenta-se como "uma Suíça numa África volátil". O cimentar da paz após a deposição de armas dos rebeldes Frud, também se fez com "armamento barra investimento" vindo do estrangeiro. O Djibuti alberga bases militares de cinco países que contam. Os clássicos Estados Unidos da América e França, os surpreendentes Itália e Japão e o "Dragão China", cujo "Centro de Logística" como lhe chama a imprensa oficial do Partido Comunista Chinês, inaugurado em 2017, é também a primeira base naval da China num país estrangeiro..Porque com 12% do comércio mundial a passar anualmente pelo Mar Vermelho, o troço Djibuti-Suez tem que ser das zonas mais militarizadas e policiadas do mundo, sendo esse ónus partilhado pelos citados "países da geopolítica", mais o Egito, a Autoridade do Canal do Suez. O bónus, é de todos, apesar da portagem (menos para o Egito que a recebe). Livre navegação, comércio sem atrasos é comércio sem inflação de preços, sem "urticárias diplomáticas", sem altercações sociais, com açúcar, com combustível, livre circulação, mais escolhas, menos conflito. O sistema alimenta-se, enquanto dormimos!.Julho de 2017 foi motivo de festa com "atavio e cagança", na tradição da gíria militar, sobretudo no meio castrense, mas também do Partido e do Povo. A República Popular da China inaugurava o seu expansionismo militar no multilateralismo do século XXI, que resumido ao essencial coloca o bloco China-Rússia em competição feroz com o bloco ocidental, pela Terra, pela Lua e por Marte, no que se pode chamar de "bipolaridade tripolar"! A China "galgou a Grande Muralha do pudor colonial" e colocou "uma lança em África" que a "imprensa-do-meio" adjetivou de "marco estratégico", ao jeito dos marcos com que Albuquerque sinalizou as possessões da Coroa, pelos mares que agora a China e a Índia dominam. Voltaremos à Índia, já a seguir..Este "Centro de Logística" chinês no Djibuti, tem como justificação oficial "reabastecer navios de guerra cujas missões sejam de manutenção de paz e/ou humanitárias, nas costas da Somália e do Iémen". Somália, piratas e Iémen guerra, são as primeiras coisas que um cidadão do mundo, naturalmente informado, deverá pensar quando lê o Diário do Exército de Libertação da China Popular! O que é que de facto está em jogo?.Em primeiro, a China ao iniciar este avanço/ofensiva está a querer ser implicada, especialmente para este "umbigo entre África e Médio Oriente". A China passou "a jogar no tabuleiro dos grandes ao avançar com este cardeal". Mesmo que não esteja, quer estar em pé de igualdade com americanos e franceses. Isso faz-se fazendo-se, comprando, investindo, que o tempo da "paciência de chinês" é do pré-industrial. A China está aliás a perder a paciência e a jogar com os mesmos argumentos que os outros. Está, portanto, em pé de igualdade e garbosamente a passar à frente de japoneses também fardados e em África. Os tempos são de confiança e otimismo, já que sentem a segurança de um "porta-aviões em terra", o que lhes garante autonomia e alcance. Por exemplo, rápida e facilmente chegarão a Cabo Delgado, numa vindoura crise aguda, no grande jogo da ajuda humanitária e do prestígio internacional "do quem chega primeiro é que conta". Outra competição entre os grandes, onde também já tivemos atores nacionais, é a da caça ao pirata nas costas da Somália. Aqui, passada a fase do "exótico pirata negro" a abrir os telejornais, apanhá-los é agora uma trabalheira burocrática, pelo que o abate frio em alto mar, justificará uma crescente descida do número de ataques nos últimos anos. A trabalheira burocrática advém do facto de os piratas capturados terem de ser julgados por um tribunal da nacionalidade da unidade captora. Também aqui o Djibuti apresenta solução para a detenção e julgamento dos detidos, levado a cabo pela soberania competente neste pequeno país africano..A Etiópia, que a partir de janeiro próximo será oficialmente membro dos "novos BRICS", depende totalmente do porto Djibuti para se aprovisionar, desde a secessão da Eritreia em 1993. É a partir daqui que a Etiópia perde o acesso ao mar. É fundamental ligar ambas as capitais por ferrovia, estando empresas chinesas a trabalhar nessa empreitada, como projetando outras para o continente, na construção de portos, aeroportos e autoestradas. Penetrar no continente parece ser o plano chinês, a partir da costa oriental..A Índia, parceira BRICS da China, é quem terá mais a perder neste avanço marítimo chinês, já que o Djibuti apresenta-se como mais uma pérola do colar que a China tece numa lógica de "alianças de cabotagem" com parceiros hostis à hegemonia indiana, como são os casos do Mianmar, do Sri Lanka e do Bangladesh. Esta é a frente marítima da "Rota da Seda" e com seis submarinos nucleares, a China vive atualmente o sentimento da Talassocracia, que quem domina os mares, domina o mundo!.Os americanos, com 4 mil militares no Djibuti, têm aqui uma das suas maiores bases no exterior, tendo no secretário de Estado Americano, Anthony Blinken, um conhecedor do país in loco, desde 2016, quando era vice-secretário de Estado. Em maio, os americanos contaram com as facilidades e ajuda proporcionadas pelas autoridades djibutianas, na retirada de cidadãos americanos da República do Sudão. Merecedor de um telefonema de agradecimento da parte de Blinken ao seu homólogo, Mahmoud Ali Youssuf, o comunicado do Departamento de Estado refere que "o secretário americano sublinhou a importância do partenariado EUA-Djibuti e vê com agrado a liderança djibutiana na região e no seu contributo para a resolução da crise no Sudão". "Djibuti - Potência Regional sem recursos nenhuns, salvo o essencial", também daria um bom título, mas Blinken, que é quem importa para o caso, não quer perder esta "âncora em África", sobretudo em momento que os franceses perdem força no Sahel e permitem aos russos sonharem com um avanço sobre o Mar Vermelho, a partir de Bamako. Basta o Níger cair na influência Wagner e estes não se desmembrarem em mil pedaços, perdidos no luto e no vodka!.O Mar Vermelho é o "Novo Grande Jogo em África" e o Djibuti "está sentado à varanda a ver os navios passarem", protegendo-os, cobrando-lhes para tal, que nas traseiras é árido e sem "especiarias de cristal ou ouro negro"! O Djibuti tem dois ativos inseparáveis que consolidam o crescente potencial do país num mundo em rápidas mudanças. A terra, o eixo estratégico onde se encontra e os seus nativos, menos de um milhão. A varanda é confortável e tem chegado para este "quase milhão", que começando a ter quadros poderá catapultar o Djibuti para uma dimensão continental. Americanos, franceses, italianos, japoneses e por último chineses, assim o confirmaram ao colocarem o seu "padrão dos descobrimentos" no território que já foi do Terríbil Afonso de Albuquerque!.Politólogo/Arabista.www.maghreb-machrek.pt (em reparação)