Diogo Morgado: "Durante muito tempo, acreditei que não tinha nada a acrescentar a esta profissão"
Interpretou personagens homossexuais na série da SIC Aqui não Há Quem Viva, nos filmes O Crime do Padre Amaro e Virados do Avesso, que se estreou na semana passada...
Tenho o meu registo gay completo [risos]!
Entre o Fernando, o João e o Libaninho, qual deles escolheria?
Escolher para...?
Se fosse homossexual, qual escolheria?
O Fernando, do Aqui não Há Quem Viva, sem dúvida. Apesar de os três terem sido registos de comédia, acho que o Fernando, pelo caso que abordava. Ele tinha problemas em sair do armário, em assumir a sua homossexualidade. Apesar de ser uma comédia, não tratámos essa questão levianamente, no gozo. Tentámos que isso fosse sério e que a situação tivesse graça e piada. Acho que o Fernando é o que está mais perto da realidade.
Virados do Avesso é assumidamente um projeto de baixo orçamento. O que é que o fez aceitar abrir uma janela na sua agenda para entrar no filme?
Nós não nos apercebemos do potencial que temos em muitos aspetos. Na área de representação, temos uma história, um país, condições e profissionais para fazer filmes que nunca mais acabam e que seriam com certeza um sucesso de bilheteira! Porque é que isso não acontece? Para já, porque sofremos 40 anos de ditadura que reprimiram a nossa liberdade e criatividade. Depois, quando a ganhámos, foi um extravasar meio louco e que acabou, a meu ver, por monopolizar os apoios do Estado. Desde que me lembro que oiço as pessoas a queixarem-se, principalmente no cinema português, da falta de subsídios. A verdade é que, lá fora, os filmes de maior sucesso não têm qualquer tipo de apoio do Estado! Claro que o mercado é outro mas também tiveram de começar por algum lado.
Li na entrevista que concedeu à Revista, do Expresso, que pagou as viagens entre os EUA e Portugal para estar nas filmagens. Tendo em conta que já se sabe que o seu cachê foi reduzido, praticamente pagou para entrar no filme.
Não diria isso, mas posso dizer que paguei o que houve de necessidade para poder entrar no filme.
Deu-se ao luxo de participar no filme, tendo em conta que está a gravar a série do CW, The Messengers?
Não, não foi dar-me ao luxo...
Dar-se ao luxo pessoal, para seu prazer profissional. Não tinha de o fazer...
Não. A nível de agenda, não me dava jeito nenhum. Não escondo. Estava em gravações e, logisticamente, foi um bocadinho complicado. Com o apoio e a compreensão da Cinemate conseguimos agendar o filme para a única altura possível. Eu é que fui privilegiado por ter tido essa compreensão. Eu não vejo a coisa como dar-me ao luxo! Lá está, o cinema português é tão pouco ou inexistente que, quando o filme aparece... o filme é que é um luxo! Para o povo português, para Portugal e para os atores que participam nele. O filme é que é a mais-valia, não sou eu. Eu sou uma parte do filme.
O facto de O Crime do Padre Amaro e Sete Pecados Rurais [os filmes portugueses mais vistos de sempre, segundo dados do ICA] serem filmes protagonizados por pessoas que cresceram na televisão também tem peso?
Sim, porque a televisão continua a ser o grande meio de difusão em Portugal! Não está na nossa cultura ir ao teatro. Dificilmente - e infelizmente - ganhamos novos públicos no teatro. Às vezes há uma peça ou outra que chama mais a atenção... e aí o José Pedro Gomes e o António Feio tiveram uma importância vital para criar aquilo que é hoje o nosso público de teatro. Muita gente começou a ir ao teatro com as peças deles. Da mesma forma que eles abriram o precedente, acho que isso agora também está a acontecer em relação ao cinema. Acredito que o passo seguinte serão as séries na televisão. A novela é o produto possível em Portugal porque é o mais acessível, na relação audiências/custo. Dá grandes resultados de audiências por um preço ainda suportável. Mas acredito que a necessidade seja sempre de investir e de criar excelência. E acho que o passo seguinte na televisão portuguesa será, sem dúvida, as séries.
Nos EUA, as cadeias de televisão cortam a direito quando as séries não têm audiências. Em Portugal, temos formatos que se arrastam penosamente, mesmo quando têm números baixíssimos. Aqui deveria haver essa prática?
A única razão pela qual não há essa prática é porque não há um produto que substitua essa novela que tem de acabar. E também porque não é justo para o público, seja ele qual for, que se acabe com um produto. Nos EUA eles dão--se ao luxo que isso aconteça porque "ok, nós vamos acabar com isto mas toma lá uma coisa melhor". E as probabilidades do público gostar dessa coisa que vem substituir é muito grande. Ainda estamos um bocadinho longe disso acontecer. É mais fácil passar uma novela para outro horário do que mantê-la no ar.
O que também é um desrespeito para o público.
Mas é preferível do que tirá-la do ar.
"temos de nos congratular porque, em 15 anos, criámos um mercado que não existia"
Quem é The Man [O Homem], a sua personagem de The Messengers ?
Ele chama-se The Man porque é muitas coisas e, ao mesmo tempo, não é nada. Representa o mal que existe no mundo.
Foi de um extremo ao outro!
A cada episódio sou uma coisa diferente, com cenários diferentes, com sotaques diferentes, com roupas diferentes. Foi o que me atraiu mais nesta personagem. Estava à procura de uma coisa radicalmente oposta à figura de Jesus Cristo e esbarrei no The Man, porque nunca pensei encontrá-lo. Ele acaba por ser o Diabo, porque é a representação máxima do mal que existe e que está à nossa volta. Não é aquela figura dos corninhos, mas representa o que há de mal neste mundo. E o que há de mal neste mundo é o homem, porque a capacidade de fazer o bem ou o mal existe dentro de nós. A série toda reside nesse pressuposto: o mundo está à beira do apocalipse e cabe a um grupo de pessoas a decisão se o mundo merece ou não ser salvo. E são as opções que essas pessoas vão tomar que vai impactar a forma como o fim do mundo vai acontecer. A minha personagem é alguém que está constantemente a tentar manipular o jogo, a tentar levar essas pessoas a fazer aquilo que elas acham que é o bem, quando não é.
Com que tipo de questões existenciais ou filosóficas é que se deparou ao fazer duas personagens tão diferentes?
É isso mesmo! Com a figura de Jesus eu procurei [pausa]... A Bíblia... guerras inteiras e milhões morreram por causa de palavras. E religiões inteiras são definidas com interpretações das mesmas palavras. Eu não quis fazer isso. Eu quis que as palavras fossem uma consequência, que tudo o que está antes e depois das palavras fosse o mais importante. E uma coisa que é absolutamente universal a todas as raças, as idades, as gerações é o amor. É o que nos motiva. É o amor, o ódio, os impulsos. Mas essencialmente o amor. Eu tentei que a tónica predominante da figura de Jesus fosse essa, o altruísmo e o amor. Eu acredito que a derradeira mensagem de Jesus foi essa - amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Mas respondendo à sua pergunta: esta personagem [The Man] é muito importante porque, da mesma forma que eu defino a bondade e o amor no mundo desta forma, também acredito que é mais fácil dizer "há senhores maus na rua!". Sim, mas tu podes ser um dos senhores maus, tudo depende das circunstâncias que te levam a fazer determinados atos. A maldade está em nós e esta personagem representa isso.
Como é o ritmo de gravações de The Messengers?
Gravamos um episódio por semana, o que é muito diferente...
Comparativamente com uma novela....
Nas novelas gravamos 50 minutos por dia. Mas pronto, são coisas diferentes. O que existe sempre em The Messengers é um período de preparação para todos os episódios. Nunca senti que estivesse a correr, que nenhuma cena estivesse mal preparada. Há, de facto, mais tempo de preparação, e isso torna tudo muito mais eficaz. Nós fazemos dois, três takes por cada plano. Toda a gente está muito bem preparada para aquele momento, desde o diretor de fotografia ao realizador, toda a gente sabe exatamente o que tem de fazer, e chega ao momento e faz.
As novelas portuguesas acumulam quatro nomeações e dois prémios nos Emmy Internacionais. Desde que fez a sua primeira novela [Terra Mãe, 1997] até esta última [Sol de Inverno, 2014], quais foram os fatores que contribuíram para a evolução do mercado?
Nós não temos noção da evolução. Foi drástica! A primeira novela que fiz foi para a RTP. Começávamos a gravar e só quando a novela estava acabada é que ia para o ar. E, antes disso, tínhamos toda uma aprovação da RTP. Os episódios tinham de ser revistos! Enfim... para ter a certeza de que estava tudo como deve ser... o que quer que isso seja! Logo aí há uma grande diferença. No espaço de 17 anos, chegámos aos Emmy Internacionais. É uma diferença brutal! Nós não somos a Globo, que tem 50 anos de infraestrutura, de profissionais! Nós começámos há bocadinho e estamos ao mesmo nível que eles! Senão melhor!.. shhhh...[sussurra].
Acha?
Acho.
Em termos de quê?
De tudo! Nós fazemos uma omeleta do caraças com ovos de codorniz! E eles têm ovos de avestruz e fazem a mesma omeleta que nós. Acho que isso é de louvar. O que mudou, essencialmente, foi a mentalidade dos profissionais e do público, que começaram a perceber que nem tudo o que está lá fora é melhor do que nós. Nós também conseguimos fazer alguma coisa de jeito. E vamos fazendo cada vez melhor! Temos de nos congratular porque, em 15 anos, criámos um mercado que não existia. Demos uns toques, com um senhor chamado Nicolau Breyner, que era considerado um grande maluco na altura. Não. Ele é um visionário. Se hoje estamos onde estamos foi graças a esse senhor. E acho que as pessoas se esquecem disso. Às vezes é preciso um maluco para que as coisas deem o passo seguinte
Em 2015 há planos para entrar numa novela da SIC?
Não há planos concretos mas há vontade.
Disse na antestreia de Virados do Avesso que The Messengers poderia ser renovada para uma segunda temporada. Isso implicaria quantos meses de gravações?
Se for uma temporada inteira, são 22 episódios, o que correspondente a oito, nove meses de gravações.
Só estaria disponível no final de 2015?
Não! Eu estou disponível no início do próximo ano. A segunda temporada só começa a ser rodada em julho.
Há ali uma janela de oportunidade para trabalhar com a SIC no início do ano.
Sim.
E já houve conversas sobre isso?
Ainda não.
Tem uma ligação contratual com a SIC?
Tenho [pausa]. É uma relação que já existe há muito tempo e a minha hesitação em relação à resposta é porque, mesmo que não houvesse contrato, a minha relação existiria. Foi a SIC que me permitiu crescer.
A TVI nunca tentou assediá-lo?
Não me lembro... não interessa.
Qual é a comparação entre o cachê de um ator numa novela e numa série norte-americana?
São mercados completamente diferentes. O investimento de uma série nos EUA é à escala global. Esta série vai ser vendida para todo o mundo, garantidamente. Nós ficamos contentes quando uma novela nossa é exportada. Um ator que é visto pelo mundo inteiro tem de ser pago proporcionalmente a um ator que faz um produto que é nacional.
"A proteção a mais, o estarmos com medo das coisas, faz que não cresçamos"
No prefácio do livro do Rui Unas, Nascido e Criado na Margem Sul [do Tejo], o Diogo escreveu: "São as más surpresas que, mais do que alerta, nos deixam ver a verdadeira escala das coisas." Que más surpresas, ao longo da sua vida, o fizeram ver essa escala?
Várias coisas. Os trabalhos em que mais aprendi foram aqueles em que havia muito pouco ou nenhum dinheiro, muito poucas condições, ao contrário de grandes investimentos em que já estive, em que há dinheiro para tudo e mais alguma coisa e que, na prática, se traduzem em péssimas experiências e pouco ou nada de aprendizagem. E são essas que nos fazem ver a escala das coisas, que nos fazem dar valor a quando as coisas correm muito bem. E isso não é obra do acaso. Há uma razão para que isso aconteça. Tem que ver com o trabalho de equipa, com uma ou duas pessoas que fazem que essa equipa seja unida, a puxar para o mesmo sentido. E, às vezes, basta uma barriga egoísta ou um tipo egocêntrico para estragar uma equipa inteira. Algures, o que eu quis dizer, no livro do Rui, que tem esta questão de sermos da Margem Sul, tem que ver com isso. Nós, do lado de lá... [risos]... digo "nós", como se fosse uma raça diferente!
Há um bocado essa perspetiva, de criar, não digo uma separação...
Mas há! Honestamente, há. Acontece-me, desde miúdo, quando encontro alguém no meio com quem me dou imediatamente bem, descubro que mora do lado de lá.
Mas isso acontece porquê? Há uma filosofia de vida diferente?
Eu e o Rui crescemos na rua, a brincar com outros miúdos até ficar de noite. Hoje em dia é quase impossível isso acontecer. Na cidade cresce-se de outra forma. Não quero com isto dizer que na Margem Sul é melhor ou pior. É diferente. E o que quis dizer, em relação às surpresas más, é isso mesmo. A proteção a mais, o estarmos com medo das coisas, faz que não cresçamos. E é precisamente aí que as coisas correm mal, quando tropeçamos.
O caso do alegado plágio da peça de teatro [em 2001, Diogo Morgado escreveu a peça (O)pressão, alegadamente plagiada do filme O Clube, de John Hughes, e que foi cancelada antecipadamente] foi uma má experiência?
Não vou falar disso.
Não? Ok. A seguir.
E estou muito triste que me faça essa pergunta.
Sabe que eu tinha de lhe fazer essa pergunta.
Não, não sei. Sabe quantas entrevistas eu já fiz?
Imensas.
Então... não é uma pergunta que tenha de aparecer!
Mas as perguntas são válidas!
São, são, são! Todas as perguntas são válidas.
Todas as perguntas são válidas e o Diogo pode responder ou não. Eu seria uma má jornalista se não fizesse esta pergunta.
Mas porque é que não me pergunta de outras coisas para trás?
Sabe quantas mais páginas é que tenho com perguntas?
Sem dúvida! Então faça-me a pergunta, que eu gostava de ouvir.
O que lhe ia perguntar era se o Diogo acha que, ao longo do seu percurso, esse episódio foi uma má experiência.
Claro que foi! Era só essa a pergunta?
Era!
Então, desculpe. Foi. Mas eu acho que é uma pergunta um bocado óbvia.
Falando ainda sobre a Margem Sul. O Diogo é oriundo de uma família de origem humilde, de dois pais trabalhadores. Isso deu--lhe uma filosofia de vida, uma ética de trabalho?
Nós somos resultado daquilo que vamos vendo. Mais do que aquilo que nos ensinam, somos imitadores por excelência. Das coisas boas e das más.
Há pessoas que crescem em famílias estruturadas e depois descarrilam.
Eu procuro copiar os bons exemplos e evitar os maus. Nós vivemos rodeados de maus exemplos todos os dias. Lá está, é aquela vozinha, do bom e do mau, que nos faz escolher uma coisa em detrimento da outra.
Aos 34 anos, já fez todos os géneros de representação: revista, teatro, cinema, televisão. O que é que o Diogo tem que outros atores da sua idade não têm?
Não faço ideia! Uma coisa que eu sei é que cada trabalho, para mim, é o último. Durante muito tempo estava sempre à espera do "é agora que eles vão descobrir que eu não tenho jeito nenhum para isto".
Porque é que achava isso?
Porque, durante muito tempo, acreditei que não tinha nada a acrescentar a esta profissão. Comecei aos 15 anos, de forma acidental e até aos 22 estive sempre a trabalhar, a acreditar piamente que cada trabalho era o último. E foi assim até hoje, quase. Claro que agora acho que tenho a minha voz - que é tão válida como a dos outros - a acrescentar a esta profissão. E tenho o meu caminho. Mas, essencialmente, as escolhas foram feitas no sentido "o que é que eu posso aprender com isto? Será que isto me vai acrescentar alguma coisa?". Assim como as negas que existiram - porque as houve. Houve coisas que não quis fazer porque achei ou que já tinha feito ou porque realmente eu não ia acrescentar nada àquele papel.
Quando é que percebeu que tem o seu lugar na sua profissão, algo a acrescentar?
Quando comecei a perguntar-me "se isto não resultar o que é que eu vou fazer da minha vida?". E tudo o que eu queria e pensava ser feliz a fazer tinha que ver com contar histórias. Escrever, realizar, passava tudo por contar histórias. E depois pensar que, se calhar, já estava no sítio certo, independentemente de achar ou não que tinha competência para fazer o que estava a fazer. Foi aí que decidi investir nisto à séria.
Vamos voltar a 2000, ao telefilme da SIC Amo-te Teresa [Diogo Morgado interpretava um jovem de 15 anos que vivia um romance proibido com uma mulher mais velha]. Acha que podia repetir-se o fenómeno, um filme em horário nobre, com estes temas polémicos?
Não. Aquilo aconteceu numa altura muito específica. Aconteceu essencialmente porque a SIC fez o investimento e soube promover bem a coisa. Hoje em dia seria diferente, também porque a oferta é completamente diferente.
Como é que lidou com o impacto que o filme teve?
Não estava nada à espera. Eu saí do anonimato com aquele filme. Foi a primeira vez que as pessoas perceberam que havia para aí um miúdo chamado Diogo.
Assustou-o esse impacto?
Foi um choque grande. Hoje em dia, com os Morangos com Açúcar, é fácil ver um miúdo que, de repente, salta do anonimato. Na altura, não. Era muito pouca a malta nova que surgia do nada. E foi tudo muito assustador. A primeira vez que fui comprar pão e, de repente, as pessoas começaram a comentar, foi um choque grande. E, confesso, assustou-me muito. Durante muito tempo, fiquei muito baralhado, não lidava muito bem com isso. E isso, de resto, definiu a minha postura em relação à exposição. Eu tenho o maior gosto em falar sobre aquilo que faço, mas também compreendo que as pessoas tenham curiosidade em relação à minha vida pessoal e procuro satisfazer isso, dentro do meio-termo [risos].
A série A Bíblia e o filme O Filho de Deus representam outro patamar de mediatismo na sua carreira. Quando aceitou o papel apercebeu-se do impacto que poderia ter?
Não. A primeira vez que tive contacto com a série, pensei "pronto, é o um docudrama para o canal História". Mas os produtores, o Mark Burnett e a Roma Downey, entraram a querer fazer uma ficção completa e nunca pensámos que uma série para o canal História tivesse o impacto que teve. O filme só aconteceu por causa do sucesso da série, e os números do filme acabaram por suplantar os da série. Passou em todo o mundo... até na China [risos]!
Como é que um rapaz da Margem Sul, que de repente se vê a comer cachorros quentes com a Oprah Winfrey, faz para não se deslumbrar?
A única forma é estar no momento! Não ia estar a pensar "oh meu deus, estou com a Oprah!". Tem de se estar no momento, com uma pessoa que se acabou de conhecer, e falar com ela. Obviamente que se sabe quem é e se está feliz por a conhecer... mas tem de se viver essa felicidade. Tanto que, na entrevista, ela perguntou-me "what"s next?" [o que vem a seguir?]. E eu respondi "i"m on Oprah, there"s no next!". [estou na Oprah, não há "a seguir"!]. Para mim, aquilo era o máximo! Não interessa o que vinha a seguir, interessa que estou ali agora! Não sei... eu percebo a legitimidade da pergunta mas há coisas que não... se calhar, agora, ao pensar na coisa, faz mais sentido do que na altura. Na altura era tudo tão surreal que aquilo era mais uma coisa surreal!
Imagino que tem acompanhado a atualidade portuguesa à distância. Como é que vê estes últimos casos mediáticos , como o do BES, a detenção de um ex-primeiro-ministro?
Vejo com muita tristeza. Vejo essencialmente com muita injustiça. Acho que há países que são culturalmente suscetíveis a que determinadas coisas aconteçam. Acho que o povo português não merece determinadas coisas que acontecem por parte dos governantes. Não merece! Nós não pedimos isto. Nós não somos um povo que mereça ser enganado. E custa-me muito ver tantos portugueses a sofrer para, depois, dois ou três mamões fazerem um tacho que é absolutamente ridículo! É com tristeza e vergonha, quase.
Os seus colegas da série, as pessoas com quem convive nos EUA, têm noção do que está a acontecer em Portugal?
Espero bem que não. Eu vendo o melhor, que é o que eu acredito que define Portugal. Não são dois ou três governantes que definem o país. Eu vendo o que de melhor Portugal tem e a coisa boa é que as pessoas a quem falo do país, de alguma forma, têm muita curiosidade e acabam por vir visitar Portugal. Espero que, de alguma forma, o facto de ser português e andar lá por fora sirva de chamariz ou de interesse em relação a Portugal.
Como é que tem acompanhado a realidade social e política dos EUA? Acontecimentos como a ação executiva de Obama, para dar início à reforma das leis da imigração e, por outro lado, os motins em Ferguson?
Sente-se que há uma transição. Há um Obama estabelecido, que não tem feito asneira mas que ficou um bocado aquém daquilo que as pessoas estavam à espera. É aquilo que eu sinto, como não-americano, estando lá. Eu não tenho uma opinião porque não devo ter uma opinião. Por vários motivos: porque não sou americano e porque até parece mal comentar uma coisa porque sempre o irei fazer do ponto de vista do não--americano. E posso ser mal interpretado. Tenho a minha opinião, mas vale o que vale.
Última pergunta: está a viver o seu sonho?
Estou a viver o meu sonho há muito tempo. Um dos meus sonhos era ser pai antes dos 30. E vivi e ainda estou a viver esse sonho. O meu sonho nasceu no dia em que percebi que eu era um dos poucos sortudos neste mundo a fazer aquilo que amo e que consigo viver disso. É raríssimo, são pouquíssimas as pessoas que têm essa sorte. Eu já vivo o meu sonho há muito. Seja aqui ou na China, com Oprah ou sem Oprah, com Jesus Cristo ou sem Jesus Cristo, o meu sonho já aconteceu há muito tempo. nTv