A tempestade Daniel trouxe destruição e morte - possivelmente tanta ou mais do que a guerra civil de 2011 - à cidade de Derna. Mas também representa uma oportunidade para que o país dividido sob dois governos possa esquecer rivalidades por um momento e unir-se na resposta à tragédia. Pelo menos foi esse o sinal dado pelas duas administrações, embora os analistas duvidam que alguma coisa mude no país do norte de África..Segundo uma fonte do El País em Trípoli, o governo com sede na capital, legitimado pela ONU, e a administração de Tobruk, no leste, demoraram "quase 48 horas" para cooperarem. Enquanto o governo situado na Cirenaica liderou os esforços de socorro, o governo de Trípoli atribuiu um financiamento de 412 milhões de dólares para a reconstrução de Derna e de outras localidades do leste..Mas por muita boa vontade que possa existir há dificuldades inultrapassáveis. A começar pela capacidade de cooperação. Segundo Tim Eaton, do centro de estudos e reflexão Chatham House, "ainda há cerca de 140 instituições governamentais divididas entre o leste e o oeste". O especialista naquele país, concluiu, em declarações ao Financial Times: "Então podemos imaginar como será difícil ter o que claramente precisará ser uma resposta abrangente.".DestaquedestaqueAlém da divisão das instituições do governo, a rivalidade deixou para segundo plano as infraestruturas do país, danificadas por anos de guerra civil..Outro analista, Jalel Harchaoui, do think-tank britânico RUSI, afirmou em entrevista à Marianne que "os líbios estão desiludidos, já não acreditam nos seus líderes" e, em consequência, "a população pode apresentar uma dinâmica semelhante à que se verificou em fevereiro de 2011, durante a Primavera Árabe". No entanto, compreende que as lideranças não só não estão desatentas como vão tentar beneficiar do momento. "Numa reação preventiva à ira popular - e também porque a simpatia internacional pela Líbia após a catástrofe oferece uma oportunidade aos líderes em exercício - vamos agora assistir a uma proximidade muito maior entre as famílias Haftar e Dbeiba", prevê..DestaquedestaqueA Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho reportaram mais de 10 mil desaparecidos, enquanto a Organização Internacional para as Migrações diz que há pelo menos 30 mil deslocados..O almirante Kalifa Haftar é o homem forte que domina não só o leste do país, mas que falhou a tentativa de assalto a Trípoli, levando ao "acordo permanente de trégua" em vigor desde outubro de 2020. O atual primeiro-ministro com assento na capital é o empresário Abdelhamid Dbeiba. "Preparem-se para manifestações de amor mútuo como forma de anular as eleições e permanecer no poder por mais algum tempo", augurou ainda Harchaoui na rede social X..Ainda que os governos rivais se entendam a outra dificuldade está relacionada com as infraestruturas do país, após anos de conflito e desmazelo, como o colapso de duas barragens demonstrou. "Eu não culparia a corrupção, mas diria que é o efeito colateral de um país em guerra, onde os dois governos estão mais interessados em proclamar a sua legitimidade do que em gerir e reconstruir", considerou Claudia Gazzini, do grupo de reflexão International Crisis Group..DestaquedestaqueO balanço feito na quinta-feira à noite aponta para 11 300 mortos..Por fim, como aponta a autora do livro Violence and Social Transformation in Libya Virginie Collombier à Deutsche Welle, a sociedade está a tentar prestar todo o tipo de apoio, mas é frágil como as instituições. "Não devemos esquecer que as autoridades orientais e ocidentais têm vindo a reprimir as organizações da sociedade civil há muitos anos", disse..A tempestade mediterrânica Daniel, que já tinha causado estragos e 15 mortes na Grécia, causou inundações no leste da Líbia, mas a cidade mais afetada foi Derna. Enquanto a tempestade fustigava a costa no domingo à noite, os residentes ouviram as duas barragens nos arredores da cidade a cederem..DestaquedestaqueO último grande desastre natural na Líbia ocorreu em fevereiro de 1963, quando um sismo de magnitude 5.6 destruiu Al-Marj, 200 km a oeste de Derna, tendo matado centenas de pessoas..As águas das cheias jorraram pelo Wadi Derna, um vale que atravessa a cidade, destruindo edifícios e arrastando pessoas e o que mais encontrava pelo caminho para o mar. Mas a maioria das vítimas poderia ter sido evitada, disse o diretor da Organização Meteorológica Mundial, Petteri Taalas. "Se houvesse um serviço meteorológico a funcionar normalmente, poderiam ter emitido os avisos", apontou..cesar.avo@dn.pt