Deputado mais votado tenta provar que não é analfabeto
Vencer uma eleição não é tarefa fácil. As urnas abertas no domingo passado no Brasil revelaram que um ex-vice-presidente da República, Marco Maciel, deixou de ser senador, tal como Tasso Jereissati, um dos homens mais ricos do país. Até ex-ministros não conseguiram um mandato de deputado, mas o palhaço Tiririca não só conseguiu sucesso, como 1 348 295 votos, sendo o deputado federal mais votado em todo o país. Com isso, Tiririca foi responsá- vel pela eleição de mais três candidatos do seu Partido da República. O ex-jogador Romário, campeão do mundo em 2002, com mil golos marcados, fez-se eleger no Rio de Janeiro, mas apenas com 146 mil votos, cerca de 10% da votação de Tiririca.
Esse tipo de votação é chamado, no Brasil, de "voto Cacareco", numa referência a um rinoceronte do zoo de São Paulo, Cacareco, que teve 100 mil votos em 1958. Mas, para dar certo, este tipo de candidato precisa de cair na preferência popular, senão as pessoas riem mas não votam. Nesta eleição, por exemplo, a " mulher pêra" - conhecida por ter um bumbum estilo pêra - não foi eleita, bem como o "MC Geléia" e outros que tentaram, sem êxito, representar o voto de protesto.
Tiririca apareceu na TV com o mote "Vote em Tiririca, pior do que está não fica". Em seguida, dizia, rindo: " Você sabe o que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei, mas vote em mim que eu te conto." Obviamente, tratava-se de um deboche às instituições, mas que agradou ao povo e gerou enxurrada de votos. Um promotor tentou, sem êxito, logo de início, impedir a candidatura de Tiririca, pois, em declarações a uma revista, ele confessou que transferiu os seus bens para terceiros para não dividir o seu património com a ex-mulher. O promotor acusou-o de falsidade ideológica, mas ele superou a questão.
Na realidade, o palhaço tem problemas com a família. Em 1998, chegou a ser preso, acusado de bater em Rogéria Mariano da Silva, a sua mulher. Após algum tempo, a queixa foi retirada e o caso arquivado. Tiririca só esteve casado três anos com Rogéria. Ele tem um filho, anterior ao casamento, com 25 anos: é Evandro, que, como o pai, é palhaço e cantor e apresenta-se como Tirulipa. Ele tentou apresentar-se como Tiririca Júnior, mas a editora do pai não deixou. Actualmente, Tiririca vive com uma bela jovem, a modelo e actriz Nana, de 26 anos, que o acompanha a programas de TV e costuma elogiar o tratamento que recebe do polémico personagem.
Mas uma séria acção judicial abala o deputado eleito. A lei impede a tomada de posse de analfabetos, por considerar que não terão condições de discernir, votar e apresentar projectos. Um laudo afirma que o texto apresentado à justiça por Tiririca, para provar que sabe escrever, não é da sua autoria mas de alguém letrado, que, propositadamente, fez grafia torta, para simular a escrita de pessoa al-fabetizada, apenas com caligrafia irregular. Segundo a justiça, há "discrepância de grafias" na carta apresentada por Tiririca à justiça eleitoral para provar que sabe ler. Se superar este obstáculo, Tiririca passará a ser, a partir de Fevereiro, um dos 513 deputados federais do Brasil.
Nascido há 45 anos no Nordeste, em área pobre, Tiririca é Francisco Everardo Oliveira Silva. O apelido foi dado pela mãe. Sempre actuou em troca de pouco dinheiro, em circos da sua terra natal, até que estourou, nacionalmente, com a música Florentina. O sucesso rendeu 1,5 milhões de discos vendidos e fez dele personagem nacional. Tiririca deu continuidade à sua carreira, sempre de forma caricata. Em seguida, produziu os sucessos Eu Sou Chifrudo, Veja os Cabelos Dela ou Ele é Corno Mas é meu Amigo.
Após sucesso esporádico como cantor, Tiririca participou em programas das TV Record e SBT, sempre com personagens que falavam erradamente e provocavam riso por isso. Ultimamente, partici- pava no Show do Tom, com Tom Cavalcanti, na TV Record.
Devido às suas limitações culturais, Tiririca tem um humor que não resiste muito tempo. Em geral, aparece com roupas simples e fala de forma errática, provocando risos. Mas não tem densidade e, com isso, os tipos que cria ficam limitados a dizer piadas fáceis, o que faz que a sua carreira seja limitada. Agora, se ganhar a acção judicial, Tiririca terá direito a quatro anos de mandato como deputado federal, o que lhe dará uma remuneração de dez mil euros mensais, mais quatro passagens aéreas por mês, direito a telefone, telemóvel, envio de cartas, gastos de representação, possibilidade de contratação de cinco assessores e verba para alugar uma sala na região em que foi eleito, que é São Paulo.
Noutros casos - como do falecido costureiro Clodovil -, personagens bizarras não são bem-sucedidas no exercício de mandato parlamentar. A rotina do Congresso impõe que, para discursar, se tenha de fazer inscrição prévia; se os discursos forem sem nexo, a mesa presidente pode interrompê-los. Na Câmara, mesmo deputados cultos ficam sem função caso não participem dos grupos que comandam os trabalhos. Dificilmente um deputado consegue aprovar um projecto, caso não faça anteriormente longa e frutífera articulação com os líderes dos partidos e representantes mais expressivos do Governo e da oposição. E dificilmente Tiririca conseguirá algo mais do que fazer declarações engraçadas a jornalistas, consoante os factos que ocorram no plenário.