Delator da Lava-Jato casa a filha em festa de arromba para 600 convidados

Júlio Camargo, o homem que denunciou dois pesos pesados na operação Lava-Jato, vai casar a filha numa igreja tradicional. Pagou 10 milhões de euros para estar solto.
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O casamento para 600 convidados no seleto Jockey Clube de São Paulo entre Daniel Maluhy, de 37 anos, e Roberta Camargo, de 32, seria um entre tantos outros não fosse a fama súbita conquistada em julho de 2015 pelo pai da noiva. Júlio Camargo, ex-consultor de uma das construtoras envolvidas no escândalo da Petrobras, o Petrolão, é um dos protagonistas da operação Lava-Jato: foi ele quem delatou José Dirceu, o antigo braço direito de Lula da Silva no governo, e Eduardo Cunha, o todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados, uma das duas casas que constituem o Congresso Nacional.

Na ocasião, Camargo afirmou perante Sergio Moro - o juiz que coordena a operação que tenta desmembrar o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, em torno da Petrobras, de nove empreiteiras e de políticos com influência nas decisões da empresa - que Cunha o pressionou a pagar 10 milhões de dólares em comissões para viabilizar um contrato de navios-sonda com a petrolífera estatal. E na véspera desse depoimento revelou que transferira 4 milhões de reais (cerca de 1 milhão de euros) para Dirceu. Tudo via contas correntes que partilhava com Pedro Barusco e Renato Duque, outros dois delatores decisivos da operação da polícia federal, e quadros da Petrobras.

Quer Dirceu, que está detido na sequência dessas acusações, quer Cunha, que, por ser um político em funções goza do estatuto de foro privilegiado e segue em liberdade embora sob investigação do Supremo Tribunal Federal, negam o depoimento de Camargo, à época das supostas irregularidades consultor da construtora Toyo Setal. Com a sua celeridade tradicional, Moro lavrou a sentença de Camargo no mês seguinte às delações: devolução de 40 milhões de reais (à volta de 10 milhões de euros) ao Estado e 14 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas, para mostrar aos outros presos que delatar compensa, o juiz reduziu a pena para 5 anos, em regime aberto e sem necessidade de uso de pulseira eletrónica.

É, pois, livre e solto, que Camargo vai casar a filha no dia 31 de janeiro no Jockey Clube de São Paulo. Os detalhes são contados por reportagem do jornal Folha de S. Paulo: foram alugados dois salões no clube, ao qual a noiva, o pai e o irmão, Julinho Camargo, têm forte ligação na qualidade de sócios de uma coudelaria parceira chamada Old Friends. Já o marido de Roberta - em rigor, estão já casados no registo civil desde dia 17 - é empresário de artigos religiosos em Aparecida, local de culto a 200 km de São Paulo e o equivalente brasileiro à portuguesa Fátima.

Os 600 convidados e o aluguer dos salões custaram cerca de 50 mil euros, a que acrescem os custos da igreja Nossa Senhora do Brasil, em estilo barroco e com interior baseado em igrejas portuguesas, situada no bairro Jardim América, um dos mais nobres da megalópole brasileira. E entre os presentes dos convidados, ainda segundo a Folha, estão artigos de luxo, feitos de porcelana ou com assinatura de designers famosos. As bebidas alcoólicas são pagas à parte.

Com 2016 ainda por começar, este já será um dos casamentos do ano político e judicial por causa dos inimigos que Camargo fez. José Dirceu estará certamente atento à festa do homem que sepultou de vez a sua carreira política. Ainda em novembro, meses antes da delação de Camargo, o ex-braço direito de Lula articulava com os seus mais próximos o regresso à atividade partidária, beneficiando até então do facto de ser visto como herói no PT. Contando com a suavização da pena do Mensalão, o esquema de compra de deputados a que foi condenado em 2013, o velho líder estudantil já sugeria mesmo nomes de ministros de Dilma Rousseff após as eleições, como foi revelado pelas mensagens no seu telemóvel, intercetado pela polícia, e entretanto divulgado no jornal O Estado de S. Paulo.

Já Cunha - mais tarde foi envolvido no Petrolão por outros quatro delatores - até à delação de Camargo encarava a presidente Dilma, sua rival política, sem fragilidade. Após o depoimento do consultor da Toyo Setal ficou mais titubeante no seu cargo do que ela no dela. Disse mesmo que Camargo "é um mentiroso".

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