Deco tem 241 queixas contra seguros de vida

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Discriminação. São várias as pessoas que não podem comprar casa devido a não poderem fazer um seguro de vida, por motivos de saúde. Só nos primeiros seis meses deste ano, a Deco recebeu 241 queixas contra seguros de vida, sendo que 90% destas estão directamente ligadas ao crédito à habitação

ISP deveria tomar decisões nesta matéria, diz a Deco

Quando um jogador da selecção nacional de râguebi foi pedir um crédito à habitação, a seguradora recusou-lhe o seguro de vida, considerando-o obeso, pois pesa 110 quilos e tem 1,70m de altura. O que prova que a discriminação no acesso a empréstimos (através dos seguros de vida, que são muitas vezes recusados ou então têm um valor muito mais elevado) não está apenas nos seropositivos - o Bloco de Esquerda apresentou uma proposta para proibir a discriminação feita pelos bancos e seguradoras partindo do caso dos sero- positivos -, sendo aliás habitual, como mostram os números de queixas apresentadas na Deco (Associação de Defesa do Consumidor).

Nos primeiros seis meses deste ano, esta entidade já deu entrada a 241 processos contra seguros de vida, sendo que "90% destas reclamações dizem respeito ao seguro associado ao crédito à habitação", explicou ao DN Graça Cabral, porta-voz da Deco. A maior parte destes casos estão relacionados com pessoas com "doenças crónicas, do foro oncológico e com deficiências físicas".

Jorge Morgado, presidente da associação, defende que a discriminação "é uma realidade" e que "há pessoas com determinados tipo de incapacidades que não podem fazer contratos". "É uma marginalização objectiva que é claramente contra a lei." Quanto à taxa de sucesso na resolução destes processos, a Deco afirma que, dos casos que já estão arquivados, 60% destes "foram da satisfação do cliente". Do total de queixas, apenas 13% resultou na recusa da companhia de seguros.

Jorge Morgado defende que o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) "deveria tomar decisões sobre esta matéria, uma vez que para fazer um empréstimo à habitação é necessário fazer um seguro de vida", dando o exemplo do que acontece nos seguros automóveis. "O ISP obriga as companhias a fazer seguros a pessoas que são recusadas em três seguradoras, nomeadamente por terem muitos acidentes", explica. Este é um assunto recorrente na agenda da Deco, que já por várias vezes apresentou este problema a "vários ministros com a tutela dos deficientes".

Contudo, pela lei, não é necessário ter seguro de vida para fazer um crédito à habitação. Mas, neste momento, todos os bancos nacionais o exigem: a única excepção acontece na CGD para maiores de 50 anos. E o seu preço, variável em função da idade, do valor do crédito e das condições físicas e financeiras do segurado, pesa na mensalidade (cerca de 100 euros no caso normal).

A Associação Portuguesa de Defesa dos Consumidores de Produtos e Serviços Financeiros (Sefin) não recebeu até ao momento qualquer queixa de discriminação, mas defende que os seguros de vida não deveriam ser "estritamente necessários", explicou ao DN António Júlio Almeida, presidente do Sefin. "Os seguros de vida são uma prática generalizada nos créditos à habitação. Mas muitas vezes os bancos já possuem a hipoteca da casa e há ainda o fiadores, dispõem de tudo, há um excesso de garantias", defende o responsável.

Até ao fecho desta edição, o DN tentou contactar o Instituto de Seguros de Portugal e as seguradoras Fidelidade e Tranquilidade, que estiveram indisponíveis.

Maioria socialista já legislou tudo e o seu contrário

Legislação. Buracos na lei criados este ano permitem discriminações nos seguros

Com apenas dois anos de diferença, a maioria socialista já legislou tudo e o seu contrário sobre discriminação de pessoas deficientes no acesso a seguros de vida - indispensáveis actualmente para o crédito à habitação.

Em Agosto de 2006, o PS viabilizou na Assembleia da República uma lei (46/2006) que "proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência

e da existência de risco agravado de saúde". A lei não podia ser mais clara. No artigo 4º considera -se que "a recusa ou ocondicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, bem como o acesso ao crédito bancário para compra de habitação, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros" é uma "práticas discriminatória contra pessoas

com deficiência".

Contudo, em Abril deste ano, o ministério das Finanças fez publicar um vasto decreto-lei sobre a actividade seguradora (decreto-lei 72/2008)que, apesar de num artigo dizer que são "proibidas as práticas discriminatórias", nomeadamente por "razões de deficiência ou de risco agravado de saúde", logo a seguir afirma que "não são proibidas, para efeito de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, as práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos próprias do segurador que sejam

objectivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e actuariais rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora".

O mesmo decreto diz que uma seguradora que recusar um contrato deve apenas explicar o porquê ao interessado. Prevê, em caso de contencioso, a formação de comissões arbitrais, mas cujo parecer "não é vinculativo".

Por outras palavras: as seguradoras podem recusar contratos por causa de deficiências ou riscos agravados de saúde e essa possibilidade foi-lhes confirmada por este decreto, ao arrepio da lei de 2006.

Em Setembro próximo, o Bloco de Esquerda tenciona fazer agendar um projecto para acabar com a discriminação. O PS prometeu analisá-lo um com atenção, admitindo mesmo viabilizá-lo.- J.P.H.

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