«Sou a Miss Sonho Americano / a Miss Estilo de Vida dos Ricos e dos Famosos / a Miss Ela É Tão Gorda e Agora É Tão Magra / a Miss com Mais Probabilidade de Aparecer na Televisão por Escorregar na Rua Quando Entro na Mercearia.» Foi assim que Britney Spears se apresentou, com um ligeiro tom amargo de ironia, naquela que se tornou uma das suas canções mais populares, Piece of Me (lançada em 2007, galardoada com três MTV Video Music Awards, incluindo o de melhor teledisco), e que a confirmou como «uma das encarnações mais contraditórias do conceito dominante de sucesso», tal como João Lopes, crítico do DN, então a descreveu. E, de facto, Piece of Me poderá ser a canção e o teledisco que mais se aproximam daquilo que Britney Spears representa em termos musicais e da sua vida pessoal, num mundo sedento pela invasão da privacidade. «Possui uma mensagem de provocatória ambiguidade: a cantora apresenta-se como ícone de um visual eminentemente adolescente e mediático; ao mesmo tempo, em vários momentos, surge assediada por um grupo de paparazzi, representados como abutres das imagens dos outros.».Preparando-se para voltar aos palcos portugueses já na próxima quarta-feira, no Pavilhão Atlântico, Britney Spears recordou o seu primeiro e único concerto em Portugal (em 2004, no Rock in Rio em Lisboa, para mais de sessenta mil pessoas) e, numa recente entrevista à SIC, descreveu a capital portuguesa como «uma cidade linda» com «pessoas excelentes», tendo ainda lamentado a «falta de tempo para sair e se aventurar». Apesar do recurso ao playback, que tem sido duramente criticado (como fez o jornal suíço 20 Minuten, relativamente ao seu concerto em Zurique no passado dia 3 de Outubro), as interpretações em palco têm recebido elogios pelas coreografias. Sobretudo as que acompanham a apresentação do seu álbum mais recente, Femme Fatale, lançado este ano e que somou mais um recorde, tendo conseguido, pela sexta vez consecutiva na história da sua carreira, entrar no primeiro lugar do top de vendas dos EUA..Êxito precoce.Com mais de cem milhões de discos vendidos desde o lançamento, no final dos anos 1990, do seu primeiro single (número que torna Britney Spears a cantora mais rentável da primeira década do século XXI), a sua vida esteve sempre pautada por um rol incontável de controvérsias muito pouco privadas e por uma carreira que a celebrizou como princesa da música pop..Para descrever o seu trabalho, Britney Spears desde cedo citou como principais influências os cantores Michael Jackson, Janet Jackson e, sobre todos os outros, Madonna. «Tenho sido uma grande fã desde que sou pequena. Ela é a pessoa a quem prestei mesmo atenção. Gostava mesmo, mesmo de ser uma lenda como Madonna», afirmou a cantora (que conseguiu colaborar com a «rainha da pop» na música e teledisco Me Against the Music, em 2003), no livro Madonna Style, escrito em 2002 por Carol Clerk. Misturando as convenções da pop adolescente com elementos r&b, hip hop e eurodance, tornaram-se também essenciais as colaborações com vários produtores e compositores, como Max Martin (produtor de música sueco responsável pela consagração dos Backstreet Boys, Kelly Clarkson, Pink ou Avril Lavigne), Rami Yacoub (que, apesar da descendência palestiniana, se naturalizou na Suécia e trabalhou com nomes como Celine Dion, Bon Jovi, Enrique Iglesias e N"Sync) e a dupla Bloodshy & Avant (que levou à ribalta Kylie Minogue, Jennifer Lopez ou a própria Madonna)..Não obstante a maturidade e a segurança que demonstra o seu sétimo álbum, Femme Fatale, Britney Spears mostrou desde o início um processo consistente na criação da obra pela qual ficaria reconhecida. Com uma pop dançável dirigida, maioritariamente, ao público adolescente, a cantora apresentou-se, em 1999 com ...Baby One More Time, como uma estudante de um colégio católico mais preocupada com o amor, a dança e a música do que com as aulas. O single posicionou-se no top das vendas nos EUA e em praticamente todos os países da Europa e foi considerado, no ano passado, a partir de um inquérito criado pelo site canadiano Jam!, como a terceira canção mais influente da história da música popular. .A partir desse momento, a obra de Britney Spears desenvolveu-se em ritmo de crescimento acelerado levando os seus êxitos a uma escala planetária, como são os casos de Oops!... I Dit It Again, Everytime, Gimme More, Piece of Me, Womanizer e I Wanna Go, cujo teledisco, que cita o de Thriller, de Michael Jackson, transpira, além de um lado humorístico, uma sensualidade erótica típica da carreira da cantora (ainda mais recentemente, o vídeo do single Criminal provocou alguma polémica pelo conteúdo demasiado explícito das imagens, levando a que o YouTube barrasse a sua visualização a menores de 18 anos)..O sucesso e os papparazi.Mas Britney Spears nem sempre foi uma celebridade. O facto de o seu sucesso ter sido precoce poderá justificar-se com as tentativas da jovem em entrar no mundo do espectáculo. Com apenas 3 anos já tinha aulas de dança na sua terra natal, no Luisiana, tendo praticado canto e participado em concursos para crianças. Estreou-se a solo com apenas 5 anos (ao cantar, no final do seu jardim-de-infância, a cantiga de Natal What Child Is This?) e, com 8, tentou a sorte nas audições da série de televisão da Disney The Mickey Mouse Club, em que entrou em 1992 ao lado do agora cantor e actor Justin Timberlake, que viria a ser o seu futuro namorado. Contra aquilo que os produtores de música julgavam ser as tendências do mercado e o gosto dos adolescentes, Britney não quis ser integrada em girl bands como as Spice Girls. Iniciou uma digressão em redor de centros comerciais norte-americanos, abrindo os concertos do então popular grupo N"Sync. E, a partir da estreia do seu primeiro álbum, nunca mais teve de lutar pela atenção do público. No ano passado, a Forbes reconheceu Britney Spears como a sexta celebridade mais influente em todo o mundo e a terceira cantora mais procurada na internet..No entanto, nem sempre a sua imagem e vida «privada» acompanharam a o seu percurso profissional. De facto, Britney Spears, que popularizou o uso de jeans de cintura baixa e o piercing no umbigo, tornou-se com o tempo sinónimo de capa de revistas cor-de-rosa e tablóides e um símbolo de feminilidade, fama e sucesso que vulnerabilizavam a figura que a cantora queria extrapolar para o seu público. O ataque à sua vida pessoal e ao seu corpo, que sentia vir da perseguição da comunicação social, fê-la repudiar um certo tipo de horror mediático, que denunciou, através da presença das câmaras fotográficas e dos paparazzi, em telediscos mais ou menos expressivos, como Everytime, Piece of Me ou I Wanna Go. .Depois do filme Crossroads, de 2002, em que surgiu como protagonista (escrito pela criadora da série norte-americana Anatomia de Grey), as suas relações amorosas atribuladas passaram a ter uma atenção concentrada dos media (popularizando o seu primeiro casamento com um amigo de infância, que durou apenas 55 horas, ou o segundo com o dançarino Kevin Federline, de quem teve dois filhos e se divorciou). Em meados da década passada, sucederam-se escândalos que conduziram à perda da custódia dos filhos e ao internamento numa clínica de reabilitação. Após uma tentativa de regresso em 2007 (com uma actuação ao vivo de Gimme More na abertura dos MTV Video Music Awards, que foi por muitos considerada a pior da história da gala), Britney Spears conseguiu reconquistar o seu público nos últimos três anos, tendo merecido até um episódio especial na série musical Glee..Cultivando um progressivo respeito na música e cultura popular que só a ela lhe pertence e inspirando novos nomes como Miley Cyrus ou Lady Gaga, Britney Spears, agora tão segura como uma femme fatale, chegará a Lisboa como nunca antes os portugueses a puderam ver ao vivo.