Da surpresa Tarcísio ao descalabro Ciro

Delfim de Bolsonaro em vantagem sobre Haddad em São Paulo. Candidato presidencial reduzido a 3% e ao quarto lugar. Bolsonarismo, rei do Congresso, prova que não foi apenas moda outono-inverno de 2018. PSDB e restante direita moderada estão sete palmos abaixo de terra
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Tarcísio de Freitas

Ministro estrela do bolsonarismo por apresentar obra feita na pasta da Infraestrutura, chegou à eleição para o governo de São Paulo, o mais rico e populoso dos estados, como um, literal, outsider: nasceu no Rio de Janeiro, facto usado e abusado pelos rivais na campanha. Mas ultrapassou o candidato do PSDB logo no início, encurtou distâncias para Fernando Haddad, o candidato do PT, na reta final e acabou à frente (42% a 35%) na sondagem que importa, a das urnas.

Bolsonarismo

O bolsonarismo provou que não foi moda outono-inverno de 2018. Veio para ficar, como mostram a resiliência do próprio Bolsonaro, a votação de Tarcísio ou a vitória de Cláudio Castro, no Rio, mas sobretudo a eleição, com folga, para o Congresso de alguns dos exemplares mais excêntricos da espécie: Ricardo Salles, considerado o pior ministro do Ambiente do planeta, Eduardo Pazuello, ministro da Saúde no desastre da pandemia, Damares Alves, a moralista ministra dos Direitos Humanos, ou o Astronauta Marcos Pontes, que convive com terraplanistas, entre outros. No total, o PL do presidente elegeu 99 deputados e é a maior força da Câmara.

Mulheres trans

No meio da celebração do conservadorismo à brasileira, com a eleição para o Congresso de bispos, reverendos e pastores, de majores, delegados e até de um xerife, os progressistas encontraram uma bolha de esperança: duas mulheres trans ocuparão cadeiras na Câmara dos Deputados pela primeira vez na história: Erika Hilton e Duda Salabert, eleitas respetivamente por São Paulo e por Minas Gerais com votações acima de 200 mil votos. Erika foi a nona mais votada do seu estado, Duda, a terceira do dela.

Lula

Se levarmos em consideração que as sondagens a menos de 24 horas do fecho das urnas o davam com 50%, o Datafolha, e 51%, o Ipec, a vitória com 48,4% soa a frustração para o político de 76 anos e seus apoiantes. Mas se pensarmos que em 2018 acompanhou a noite eleitoral num velho aparelho de televisão numa cela minúscula na carceragem da polícia federal de Curitiba e que nem lhe foi permitido votar, obter mais de 57 milhões de votos quatro anos depois só pode ser visto como triunfo pessoal.

Sergio Moro

O responsável por mandar Lula para a prisão naquela altura também é, apesar de tudo, um vencedor: elegeu-se para o Senado Federal pelo Paraná com 52% dos votos, derrotando aquele que foi um dos seus grandes apoiantes, Álvaro Dias, candidato presidencial em 2018. E Rosângela Moro, sua mulher, foi eleita deputada. Um vencedor "apesar de tudo", como se diz no início do texto, porque começou como ambicioso candidato presidencial e acabou "só" no Congresso.

Fernando Haddad

O escolhido por Lula para a sua própria sucessão arrisca terceira (e comprometedora) derrota consecutiva na carreira: depois de goleado por João Doria, na corrida à reeleição na prefeitura de São Paulo, em 2016, e de ter perdido a presidência para Bolsonaro, em 2018, está em desvantagem "ao intervalo" para Tarcísio de Freitas na eleição para o governo paulista. E era dado como líder, com folga, nas sondagens.

Sondagens

Por falar nelas, a menos de 24 horas do fecho das urnas Lula somava 51% e 50% e Bolsonaro 37% e 36% nos dois principais institutos, Datafolha e Ipec. No resultado das urnas, Lula somou 48,4%, algures no limite para baixo da margem de erro, e Bolsonaro 43,2%, bem acima dessa margem. Descredibilizados ao longo da campanha pelos bolsonaristas - que preferem o "Datapovo", ou seja, as imagens dos comícios - os institutos têm de rever métodos para contabilizar o "bolsonarismo envergonhado".

Ex-bolsonaristas

Desistir do bolsonarismo a meio não foi um bom negócio eleitoral. Joice Hasselmann teve mais de um milhão de votos em 2018, quando era chamada de "Bolsonaro de saias"; rompida com aquele a que apelida hoje de "corrupto incompetente", ficou-se pelos 13 mil no domingo. Janaína Paschoal, a subscritora do impeachment de Dilma que bateu recordes na eleição de 2018, foi goleada na corrida ao Senado, quatro anos depois. E Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde que enfrentou o negacionismo presidencial na pandemia, também.

PSDB

O PSDB ganhou duas eleições presidenciais, via Fernando Henrique Cardoso, e chegou a quatro segundas voltas, em seguida. Mas em 2018, foi dizimado: Geraldo Alckmin somou menos de 5%. Sobrava-lhe, porém, a joia da coroa: o estado de São Paulo, que governava há 30 anos. Ao ver Tarcísio e Haddad passarem à segunda volta e Rodrigo Garcia, candidato do partido, ficar em terceiro, não sobra mais. Não sobra à direita moderada brasileira, aliás, quase nada. Nem José Serra, um histórico, conquistou vaga na Câmara dos Deputados.

Ciro Gomes

Conta-se nos bastidores que Ciro Gomes recusou, há cerca de um ano, ser candidato a vice-presidente de Lula por manter a ambição de ser, ele próprio, o chefe de Estado. Ao fim das eleições, as quartas a que concorreu, caiu na triste realidade de que não vale mais do 3% do eleitorado e que perde até para Simone Tebet. O ex-governador do Ceará, ex-prefeito de Fortaleza, ex-deputado federal, ex-ministro de Itamar Franco e ex-ministro de Lula tornou-se no domingo um ex-candidato presidencial.

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