Da guerra civil em Angola ao Parlamento na Suíça

Publicado a
Atualizado a
Da guerra civil em Angola ao Parlamento na Suíça

Foi um refugiado angolano entre os suíços. Agora é deputado

Ricardo Lumengo tem a política no sangue. Filho de um professor que lutou contra a colonização portuguesa em Angola, este homem de 45 anos trocou a falta de liberdade pela neutralidade da Suíça em 1982. Durante dez anos, tal como tantos outros compatriotas, defendeu uma "terceira via" que pusesse fim à guerra civil no seu país. Mas nos anos 90, com Angola no caminho da paz, virou-se para a política helvética. Com sucesso. Há poucos dias, a 21 de Outubro, tornou-se no primeiro negro eleito para o Parlamento suíço.

"A minha eleição foi uma resposta da população, que quis mostrar que há suíços que não estão de acordo com uma campanha xenófoba", diz Lumengo ao DN. O jurista, conselheiro do sindicato Unia e da associação Multimondo, referia-se a um cartaz da União Democrática do Centro (UDC) - grande vencedora destas eleições - no qual se vêem três ovelhas brancas a expulsar uma ovelha negra com um coice. "Eu sou a ovelha negra eleita após ter sido perseguida", afirmou Lumengo ao diário helvético Le Matin após ter sido eleito para o Conselho Nacional.

Acusado de falta de pontualidade e criticado pelo próprio partido por estar demasiado preocupado com as questões da integração, o socialista Lumengo terá agora de trabalhar para se impor num Parlamento dominado pela direita populista. "Vivo há 25 anos neste país e a relação entre suíços e estrangeiros já não é a mesma", confessa. Pai de duas gémeas de 9 anos, o recém-eleito deputado receia pelo futuro num país em que "as pessoas acham que os estrangeiros são responsáveis pelo desemprego e pela criminalidade".

Uma tensão que Lumengo garante que não se sentia quando escolheu a Suíça para se exilar. Nascido em 1962 em Lucenga, na província de Uíge, Lumengo foi criado em Luanda, onde estudou até aos oito anos. Nessa altura, a família emigrou para o Congo Kinshasa (actual República Democrática do Congo), onde era mais fácil para o seu pai trabalhar.

De regresso a Angola, em 1974, continuou os estudos num país independente mas dominado por lutas entre o MPLA ( no poder) e a UNITA. "Fiz parte da Juventude do partido no poder. Mas a minha orientação era outra", explica Lumengo.

Estudante de Química na Universidade de Luanda, sonhava com a democracia e a liberdade de expressão. Mas eram imagens da guerra civil que via todos os dias. Por isso emigrou para a Suíça. Porquê? "É o país da Cruz Vermelha e da hospitalidade", explica este amante de desporto, que não dispensa uma corrida.

Mas a distância não o fez esquecer Angola. Pelo contrário. Em Friburgo, onde se instalou, envolveu-se numa "oposição pacífica" que define como uma "terceira via: nem ao lado da UNITA, nem do MPLA". Organizavam comícios e manifestações junto à sede de organizações internacionais e tentavam contactos com as autoridades angolanas.

O início dos anos 1990 trouxe uma acalmia em Angola que coincidiu com uma maior integração de Lumengo. Envolvido no curso de Direito e com a vida pessoal a correr bem, decidiu ficar na Suíça. E quando a guerra recomeçou, na segunda metade da década, a desilusão afastou-o da causa.

Nessa altura pediu a cidadania. "Foi uma decepção terrível. Vi imagens terríveis de angolanos a matarem-se uns aos outros", recorda. Foi então que se interessou pela política suíça. A viver em Bienne com a companheira - o casamento "está para sair" - Lumengo está a aprender a lidar com uma vitória que surpreendeu todos.

Voltar a Angola? "Vou lá todos os anos desde 1997", revela o homem que quase não tem tempo para ler jornais ou conviver com os amigos. Quanto a um regresso definitivo ao país de origem: "Quem sabe? Não está excluído."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt