Crónica de Maria e poesia de Mário

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«Para onde vai o documentário português?» Eis o tema a debater amanhã na Culturgest ( 14.30) e o título da secção do DocLisboa/P, que finda hoje, no Pequeno Auditório, com dois videofilmes: Je t'aime... moi non plus, de Maria de Medeiros, declaração de amor ao cinema e suas estranhas gentes em crónica romanesca(16.45) e Autografia, de Miguel Gonçalves Mendes, título homónimo de poema, num retrato do poeta Mário Cesariny de Vasconcelos (18.30).

Je t'aime... moi non plus escorre cinefilia mas, ao contrário do que parece, destina-se... ao grande público tentado a fazer de crítico, sobretudo, contra os críticos, mais no cinema do que noutras artes. Não faltam clichés: criador/criação, 7.ª Arte versus indústria, frustração do crítico que não é artista... Tudo ironizado e questionado, sem iludir Zonas sensíveis, com psicanalista a depor. «O que é... um bom filme? uma boa crítica?» «Porquê mais homens do que mulheres na actividade?»

Trata-se da «História de uma não--relação» em 25 rounds, entre cineastas e crítica: sem luvas de boxe nem nada, pois se o verniz estala, chega até à chapada. Testemunham Alexander Walker e Rubens Ewald Filho: o realizador Ken Russell deu uns tabefes ao crítico britânico, em directo na TV; o brasileiro foi esbofeteado duas vezes, duma atacado pelas costas à beira da piscina, doutra no restaurante. Na versão passional, há Carícias e punhais, rebentam Ondas de paixão, desde o prometedor Rendez-vous até ao desfecho E tiveram muitos meninos. Fatalmente, Nós envelheceremos juntos. Até lá, pode ser L'Amour à mort, na rotina do Drama Conjugal/Amo-te todos os dias, ou em clímax lancinante, Ne me quitte pas! Embora sem Brel na banda musical, de Caetano Veloso, Chico Buarque e António Victorino d'Almeida.

Produção francesa, o filme tem só um português no elenco (Manoel de Oliveira) e foi rodado no cenário do 55.º Festival de Cannes. Aposta ganha pela realizadora de Fragment II (1986) e A Morte do Príncipe (1991), após Capitães de Abril (2000). E porque «Cannes é o cinema global durante dez dias» (voz off, a Riviera em fundo), torna-se o ringue do confronto entre participantes das mais diversas origens: de Woody Allen a Wim Wenders, Amos Gitaï ou Elia Suleiman, dum lado; do outro, críticos da Rússia aos EUA, do México à Mauritânia, da Espanha à França (maioritária). «Temos duas profissões condenadas a encontrar-se no mercado e na vida, nunca chegaremos a entender- -nos», crê Pedro Almodóvar, dando o tom dos cineastas, sem iludir a gana confessada, por David Cronenberg, de «exterminar, pulverizar» esses tipos «demasiado preguiçosos para compreender» a criação, segundo Ken Loach.

Autografia, estreia de Miguel Gonçalves Mendes na longa-metragem, é um surpreendente documento humano e cinematográfico em três actos - «A vida, o percurso e a arte» do poeta-pintor surrealista Mário Cesariny de Vasconcelos. Privilegia o quarto do artista e escritor, sua «base de criação e intimidade», como «espaço de acção» nuclear, na sua casa de Lisboa. E parte para outros cenários, interiores e exteriores, aquém e além-Tejo, palcos para notáveis performances de Cesariny. Tem estreia comercial já anunciada e antestreou-se na Cinemateca.

Elisabete França

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