Este é um tempo de tristes simplificações. Quando se fala em Camões, por exemplo, já não é para exaltar a escrita, antes para mostrar uma preocupação muito pedagógica com as dificuldades interpretativas que os nossos vulneráveis filhotes poderão enfrentar... Convenhamos que o filme As Cinquenta Sombras de Grey se distingue por uma imaginação bastante mais exuberante. Dir-se-ia que alguém descobriu que as aventuras de um senhor muito rico e uma senhora muito virgem, com um tempero mais ou menos ridículo de algemas e chicotes, seriam a melhor maneira de fazer chegar as perversões do Marquês de Sade às indefesas criancinhas..O programa político é curioso: por um lado, evita-se que os espectadores possam vir a contactar com as diabruras do Divino Marquês; por outro lado, serve-se um erotismo de pacotilha (que já era velho quando, em 1986, os esforçados Mickey Rourke e Kim Basinger se entregaram à ginástica de Nove Semanas e Meia), sustentado por um poderoso marketing apostado em exaltar mais uma proeza desse desporto cultural do pós-modernismo que é o escândalo colectivo..Na próxima semana vai estrear um filme admirável de Paul Thomas Anderson, Vício Intrínseco, que numa cena de cinco austeros minutos consegue retratar um acto sexual de perturbante e intensa crueza que as duas longas horas de As Cinquenta Sombras de Grey não sabem sequer imitar. Em todo o caso, na arena mediática não acontecerá nada que se possa parecer com a agitação pueril que agora atravessamos. Isto significa apenas que o marketing passou a normalizar os nossos espaços de discussão e pensamento. E não se trata de demonizar As Cinquenta Sombras de Grey; apenas de lembrar que, cinematograficamente, o sexo é uma velha desculpa para a falta de ideias.