Corpo e Alma, o renascimento de uma cineasta rara

Ildikó Enyedi, cineasta húngara, regressa após quase duas décadas de ausência. O filme chama-se Corpo e Alma e venceu o Festival de Berlim. Um Urso de Ouro que é um presente de Natal nas nossas salas de cinema.
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Uma cineasta rara, digamos assim. Aos 62 anos volta a afirma-se como uma das vozes mais fortes do cinema húngaro depois de um longo hiato. O filme do regresso chama-se Corpo e Alma e venceu o Festival de Berlim pela sua humaníssima poesia. Ildikó Enyedi sabe encantar, sabe seduzir. Ao vivo é a mesma coisa, uma voz baixinha que num inglês perfeito parece convocar qualidades musicais.

Os mais cinéfilos conhecem o seu trabalho desde O Meu Século XX, de 1989, filme que venceu em Cannes a Caméra d"Or. Depois, Portugal perdeu-a de vista e o seu último trabalho para cinema, Simon Mágus, já era de 1999. Corpo e Alma é realmente aquilo que se pode convencionar de comeback.

O filme é uma história de amor entre uma jovem e um senhor idoso num matadouro mas, segundo a cineasta, evita a força das metáforas: "Apenas quis contar uma história humana muito simples e comunicar com o espectador de forma muito direta. Durante o filme queria que as pessoas se deixassem ir, que nunca sentissem que a realizadora estava a fazer referências... Quis construir a experiência de cinema mais elementar possível. E escolhi uma história de amor porque se trata da mais extrema das formas de comunicação. É através do amor que nos abrimos completamente ao outro e que talvez nos consigamos ver a sério. Dizem que o amor é cego, mas eu acho que não, acho inclusive que o amor nos aguça a visão."

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Além do Urso de Ouro em Berlim, de muitas nomeações nos EFA (os prémios do cinema europeu), onde Alexandra Borbély arrecadou o troféu de melhor atriz, Corpo e Alma está também na calha para os Óscares, onde ficou na última leva de finalistas de melhor filme estrangeiro. Um triunfo a toda a escala para uma cineasta que desde fevereiro tem acompanhado o filme em festivais pelo mundo inteiro. Das muitíssimas sessões de perguntas e respostas, lembra-se de um fenómeno em particular: "Mais do que uma vez vieram casais dizer-me que estavam apaixonados mas que após verem o filme ainda se sentiram mais apaixonados!"

Do Lisbon & Estoril Film Festival, onde foi jurada ao lado de David Cronenberg, guardou boas recordações, não obstante reconhecer que o seu cinema está nos antípodas do cineasta canadiano: "Eu e o David Cronenberg temos experiências de vida muito diferentes. Adoro o seu trabalho, sou mesmo muito fã dos seus primeiros filmes. De forma estranha, acabámos por nos unir naquele júri. Nós éramos os únicos cineastas! Percebemos que sentíamos aqueles filmes de diversas partes do mundo da mesma maneira... E devo confessar que o júri era maravilhoso. Paulo Branco conseguiu pensar num conceito espantoso de festival de cinema. Tivemos todos conversas maravilhosas e partilhámos o nosso passado, eu, neste caso, os anos 1980, quando era jovem debaixo da Cortina de Ferro. Estarmos com todos aqueles artistas, irmos a concertos, a exposições, fez-nos muito bem. Os cineastas precisam de não estar tão isolados no seu cinema."

Há quem acredite que um cineasta tem de saber experienciar bem a realidade, Ildikó prefere antes apostar numa experiência de consumo de arte: "Acredito que a arte é uma forma condensada de realidade. Por detrás de qualquer objeto artístico está um ser humano e é sempre muito comovente tentar decifrar a sua intenção e descobrir como conseguiram criar. Tenho sempre muito prazer nessa busca..." Provavelmente por isso, Corpo e Alma tenha uma influência tão direta em ideias de pintura e de música (daí o efeito que a canção de Laura Marling, What He Wrote, provoque...). "Sobre a música é óbvio que é uma forma de arte que nos liga de forma direta, quase elementar. Ao mesmo tempo, afeta-nos de forma complexa! Quis que os espectadores sentissem o poder da música", refere.

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