Várias conversas telefónicas entre jornalistas e suspeitos na Operação Marquês foram estão transcritas no processo. Paulo Silva, o inspetor das Finanças que investiga o caso, considerou-as como relevantes e, como manda a lei, elaborou resumos das mesmas. Ainda que em quase todas os interlocutores dos jornalistas tenham pedido para as conversas decorrerem em off the record (sob sigilo), a investigação decidiu reproduzi-las nos autos. Ilegal? Talvez não, mas "é uma atitude perigosa, porque expõe as fontes", a quem os jornalistas garantiram sigilo, disse ao DN o diretor do Expresso, Ricardo Costa..Só deste semanário encontram--se dois jornalistas cujas conversas foram transcritas para o processo: Micael Pereira e Abílio Ferreira. Ambos falaram, já neste ano, com pessoas consideradas suspeitas na Operação Marquês e, apesar de as conversas não revelarem qualquer tipo de indício de crime, uma vez que os interlocutores apenas estavam a transmitir a sua versão dos factos, elas foram incluídas no documento. No fundo, a investigação acabou por expor as fontes dos dois jornalistas, já que as pessoas com quem falavam, como decorre das conversas, aceitaram conversar e partilhar informações desde que os seus nomes não fossem citados em eventuais artigos.."Do ponto de vista legal, até pode não haver problema, mas este tipo de transcrição deve obedecer a uma lógica cuidadosa, porque estão em causa conversas no âmbito de uma relação de trabalho e que decorreram sob sigilo", acrescentou Ricardo Costa, que também acabou por ser escutado no processo, mas cujas conversas não foram alvo de qualquer transcrição para os autos..No caso do Público, a mesma situação verificou-se com a jornalista Cristina Ferreira, que contactou duas pessoas, procurando obter informações sobre os projetos das salinas da família Pinto de Sousa, em Angola. Num desses contactos, a fonte acabou por marcar um encontro pessoal com a jornalista. A investigação soube disso através da escuta telefónica. Em declarações ao DN, o diretor adjunto do jornal não se mostrou incomodado com a situação. "Não me incomoda uma situação dessas. Os jornalistas estão em pé de igualdade com o resto das pessoas", declarou Nuno Pacheco. E o facto de a fonte, através de um processo judicial, ter ficado exposta? "Não me repugna. Não me preocupa, a não ser que seja uma fonte altamente confidencial.".Ilegal ou censurável?.Confrontado com a prática do inspetor Paulo Silva, o advogado Francisco Teixeira da Mota, especialista em questões de liberdade de informação e imprensa, não a considera ilegal ou atentatória contra o sigilo dos jornalistas. E isto porque, explicou, ao contrário dos médicos, advogados e padres, o sigilo profissional dos jornalistas apenas protege a identificação da fonte e não o conteúdo da conversa. "O segredo profissional dos jornalistas não vincula terceiros. Se uma pessoa transmitir uma informação a um jornalista e, ao mesmo tempo, estiver a ser escutada, corre o risco de outras pessoas saberem o que disse". Aliás, nos autos do processo, as conversas entre suspeitos e advogados (com algumas exceções) e suspeitos e médicos não foram transcritas..Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República parece não estar muito preocupada com o tema, preferindo sublinhar que o processo Operação Marquês se "encontra sujeito a segredo externo". "O Ministério Público, nesta como em todas as matérias, cumpre o disposto na lei", limitou-se a telegrafar o gabinete de imprensa de Joana Marques Vidal, a procuradora-geral da República..Seja como for, Octávio Ribeiro, diretor do Correio da Manhã, considerou que o facto de a investigação ter aproveitado as conversas "acabou por expor uma relação que era de confiança". "Falar com um jornalista não deve ser sinal de imunidade, até porque o nosso segredo profissional é instrumental para a transparência e a defesa da democracia", frisou o responsável daquele diário, acrescentando, porém, que deve haver um "cuidado especial" na transcrição das conversas e tentar aproveitar só aquelas cujo conteúdo "possa ser considerado como um forte indício, algo de substancial, de um crime". Octávio Ribeiro salientou ainda que é "essencial" que as pessoas tenham confiança em falar com os jornalistas, sem receio de, um dia mais tarde, verem as suas conversas transcritas num processo judicial..O processo Operação Marquês diz respeito a suspeitas de corrupção , fraude fiscal e branqueamento de capitais. Além de José Sócrates, são arguidos Carlos Santos Silva, Armando Vara e Bárbara Vara, Joaquim Barroca, Gonçalo Ferreira, Inês do Rosário, Paulo Lalanda de Castro, João Perna, Diogo Ferreira e Rui Mão de Ferro.