Constitucionalista Reis Novais desdramatiza efeitos do acórdão do Tribunal Constitucional sobre metadados

Constitucionalista esclareceu que acórdão não terá "efeitos sísmicos" em todos os processos-crime, salientando que os casos julgados "não são afetados".
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O constitucionalista Jorge Reis Novais esclareceu esta terça-feira que o acórdão do Tribunal Constitucional sobre metadados não terá "efeitos sísmicos" em todos os processos-crime, salientando que os casos julgados "não são afetados".

Em declarações à agência Lusa sobre o acórdão, o constitucionalista desdramatizou eventuais efeitos catastróficos da decisão do TC nos processos-crime, observando que, por um lado, os casos julgados "não são afetados" e, quanto a outros casos, "entretanto a prova já foi feita com recurso aos metadados", pelo que "seguramente haverá já a convicção formada e outros elementos de prova que permitem aos juízes ultrapassar" as dificuldades.

De qualquer forma - enfatizou Jorge Reis Novais - "mesmo que o Tribunal Constitucional (TC) não tivesse dito nada (ou proferido este acórdão), era possível aos advogados invocar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia" para "procurar anular este acesso aos metadados" no processo-crime.

Assim, explicou, requerer a anulação do acesso aos metadados já podia ser feita pelos advogados, mesmo sem o acórdão do TC, pelo que, em rigor, "a decisão do TC não veio trazer nada de novo" face à decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

O constitucionalista considera que onde o TC "andou mal" foi "dizer para a frente", ou seja, para o futuro, que "conservar os metadados durante um ano (que era aquilo que a lei dos metadados permitia fazer nas investigações) era desproporcionado".

"Não vejo onde está a desproporcionalidade, pois é perfeitamente razoável que os metadados possam ser conservados durante algum tempo", argumentou Jorge Reis Novais, observando que, por exemplo, as operadoras de telecomunicações guardam os metadados durante dois ou três meses para efeitos de mera faturação dos clientes.

Jorge Reis Novais precisou que o acesso aos metadados pela investigação criminal não é ter acesso às conversações telefónicas, mas, por exemplo, determinar a duração das chamadas e saber o local onde a pessoa esteve a conversar ao telemóvel.

Em relação à iniciativa da procuradora-geral da República de contestar o acórdão junto do próprio TC, o constitucionalista considera que Lucília Gago "tem razão" numa primeira questão, ou seja, no facto de que "o que está escrito na decisão do TC" não ser aquilo que consta da fundamentação do acórdão.

"Há ali uma incorreção como o acórdão foi escrito naquela parte da decisão", acentuou, notando que, no fundo, o que a PGR pediu foi uma aclaração do acórdão quanto a esta primeira questão.

Quanto à questão fundamental do pedido da PGR - solicitar a nulidade do acórdão do TC por este não fixar limites aos efeitos da decisão - Jorge Reis Novais entende que "aí a PGR não tem razão nenhuma porque cabe ao TC decidir se a sua decisão tenha mais ou menos efeitos restritivos".

O constitucionalista esclareceu ainda que o acórdão do TC está já em vigor e que a intervenção da PGR junto do TC não tem qualquer "efeito suspensivo", acrescentando que não é possível mitigar os efeitos retroativos da decisão, tanto mais que os processos "já estavam afetados desde que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronunciou sobre o tema" dos metadados.

Em sua opinião, compete agora ao Governo recolher aquilo que o TC diz no acórdão, mesmo em alguns "aspetos laterais", e fazer uma "lei mais sustentada" sobre metadados.

A procuradora-geral da República, Lucília Gago, disse esta terça-feira haver "efetivamente o perigo" de o acórdão do TC relativamente à lei dos metadados fazer com que "algumas investigações possam soçobrar".

Questionada se o receio é que tenha efetividade sobre casos já julgados e com condenações, Lucília Gago disse que "é isso que se tenta agora clarificar".

Já esta terça-feira, em resposta à Lusa, o TC adiantou que irá analisar a arguição da PGR em que é defendida a nulidade da decisão daquele tribunal sobre a lei dos metadados e depois proferir uma decisão.

O Ministério da Justiça, por seu lado, disse estar a analisar "do ponto de vista prático e jurídico" o acórdão, o qual tem "relevante impacto na investigação, deteção e repressão de crimes graves".

O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados" que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, "restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa".

O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes judiciários e foi comentado pelo Presidente da República, que sublinhou a posição "muito firme" dos juízes do TC.

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