Num debate inédito e construtivo que juntou à mesma mesa os mais altos responsáveis pela prevenção e combate aos incêndios -- os presidentes do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Liga de Bombeiros Portugueses -- ficámos a saber com o que podemos contar neste Verão, que o ministro da Administração Interna já anteviu que será "difícil e exigente" em matéria de fogos..Nunca houve tantos meios e orçamento para a prevenção e combate aos incêndios. É o governo quem o garante e os números confirmam-no..O Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Rurais (DECIR) terá a maior dotação de sempre em 2023 -- 52,7 milhões de euros -- quase 12 mil operacionais e, pela primeira vez, 72 meios aéreos, confirmou o presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), general Duarte da Costa, no podcast Soberania, uma parceria do Diário de Notícias com o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT)..Ouça o podcast aqui:.A verba investida na prevenção dos incêndios, por sua vez, subiu cinco vezes (comparando os períodos de 2007-2017 e 2018-2022)..Em 2017, o trágico ano em que morreram 114 pessoas nos fogos de verão, a prevenção apenas contava com 20% do orçamento destinado ao sistema, enquanto o combate consumia 80%..Atualmente, a prevenção conta praticamente com os mesmos valores que a supressão (em 2022 a relação era de 46% para 54%)..Com um verão à porta que o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro já anteviu como "difícil" e "ainda mais exigente do que foi o de 2022", o presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Nuno Banza -- o mais alto responsável pela prevenção -- e o presidente da ANEPC, Duarte da Costa - o mais alto responsável pela coordenação operacional do combate -- têm muito trabalho feito e planeado..Não desdramatizando as palavras do Ministro, apresentaram-se confiantes no que está preparado..Citaçãocitacao"Podem confiar em nós. Nós ANEPC, ICNF e Liga de Bombeiros estaremos todos do mesmo lado da barricada para proteger o cidadão português"."Podem confiar em nós", assegurou Duarte da Costa, o general "ranger" que desde 2018 assumiu a presidência da Proteção Civil. "A ANEPC, ICNF e Liga de Bombeiros estaremos todos do mesmo lado da barricada para proteger o cidadão português", garantiu..Nuno Banza começou por elencar algumas diferenças substanciais na paisagem rural exemplificativas das enormes mudanças que têm ocorrido desde 2017.."Desde 2017 até aqui, sobretudo a partir de 2018, não se compara o trabalho que tinha sido feito até ali com o trabalho que foi feito de lá até agora, em termos de estruturação do território. O Estado decidiu fazer duas coisas muito importantes. A primeira foi intervir, de uma forma mais ou menos emergente, criando infraestruturas no território, criando faixas de interrupção de combustível de rede primária, criando rede secundária à volta das casas, das aldeias, das vilas, introduzindo um conjunto de outros mecanismos como os programas Aldeias Seguras e Pessoas Seguras. (...) Não é sequer comparável. Desde 2017 abrimos quase 30 mil hectares de áreas de faixas de interrupção de combustível, fizemos dezenas de milhares de hectares de mosaicos (interrupções no espaço que criam descontinuidades do combustível) sem as quais não será possível deixar de ter fogos de grande dimensão. Não há paralelo", afiança..Em termos estruturais, continua, foi lançado "um programa de transformação da paisagem, com o apoio muito expressivo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que é um apoio para as pessoas" promovendo "a verdadeira transformação da paisagem, permitindo que haja algum valor económico nesses territórios - só com a descontinuidade no território e transformando a paisagem com mais atividade fará com que consigamos ter um país mais resiliente e mais protegido dos incêndios. Todas as medidas que temos tomado são nesta perspetiva de preparar o território, numa perspetiva estrutural. Ter faixas, ter possibilidade de os bombeiros poderem aceder, ter pontos de água, ter redução da quantidade de carga combustível"..Destacou uma mudança de mentalidade importante, refletida pela grande adesão dos agricultores ao registo das queimas e queimadas, criado em 2018.."Para terem uma ideia, em 2022 tivemos mais de um milhão de registos de queimas e queimadas na plataforma. Isto é muito importante, porque isto responsabiliza as pessoas que fazem a queima dos sobrantes.(...) Mostra bem que as pessoas perceberam a importância"..Acrescentou o presidente do ICNF que, nos últimos cinco anos, houve ainda um investimento no programa de sapadores florestais. Temos mais de dois mil homens e mulheres nas autarquias, nas entidades todas de equipas de sapadores florestais, organizações de produtores florestais, associações. Todos os dias durante o ano andam a limpar mato, andam a fazer prevenção, andam a investir para tornar o território mais protegido", assevera..É este o ponto de partida para a missão de Duarte da Costa, que está no fim da linha quando tudo a montante falhou e o fogo alastra mesmo.."Estamos num período em que tem sido feito muita coisa, mas os resultados evidentes deste ordenamento do território (...) vão ser obtidos daqui a 10, 15 anos. Ora, até lá, onde é que está a solução? Eu fico com aquilo que resta. E o que resta é que com os agentes de proteção civil, nomeadamente com os bombeiros, e com os bombeiros voluntários como espinha de dorsal do próprio sistema, temos de conseguir controlar esta situação", afirmou..Refutando como "alarmistas" os avisos de José Luís Carneiro, o presidente da ANEPC, explica que "não podemos deixar de olhar para aquilo que são os indicadores atmosféricos que temos, para as questões ligadas às alterações climáticas e para o que vemos no terreno"..Lembra os dados da Comissão Europeia que registaram em 2022 "mais 60% de ocorrências e mais 69% de área ardida, do que a média dos últimos anos, em toda a Europa"..Ou seja, assinala, "há aqui um padrão que se tem vindo a agravar e aquilo que vejo nas palavras, não só do ministro da Administração Interna, mas de todos os dirigentes na Europa, é que na realidade vivemos, e estamos a viver um período difícil que teve um impacto enorme em 2022, e que perspetiva que esse impacto se mantenha em 2023/2024. Portanto, salvaguardando oscilações que possam haver nas condições meteorológicas, estamos à espera, sim, de um verão mais rigoroso, inclusivamente que será ainda pior em 2024 e em 2025. Com isto não estamos a dizer que as coisas vão correr mal, estamos é a dizer que com todos estes indicadores que temos, precisamos de fazer um esforço para melhorar o sistema"..Da parte da estrutura da Proteção Civil, além do reforço de meios humanos e materiais, a ação de combate terá uma "maior flexibilidade"..O que quer isso dizer? "É conseguirmos trabalhar fundamentalmente antes das ocorrências, na perspetiva do planeamento e da preparação. E neste planeamento e nesta preparação mais efetivos dá-me mais flexibilidade, que me permite colocar em pré-posicionamento, antes das coisas ocorrerem, o maior número de meios no terreno, para quando essas situações ocorrerem, já ali estarem"..Salienta que, de acordo com os registos oficiais "temos um índice de eficácia muito bom relativamente à questão do ataque inicial, em que 90% dos fogos são resolvidos nos primeiros 90 minutos"..Mas não "fica descansado", porque "ficam a faltar 10% e 10% de 15 mil são 1500 ocorrências. São 1500 incêndios que podem desenvolver com uma libertação de carga de energia e destruição muito grande. É para esses que temos de melhorar"..E é precisamente para os maiores e mais complexos incêndios que este ano vai haver uma novidade - recomendação da comissão que analisou os grandes incêndios da Serra da Estrela do ano passado.."A criação das cinco equipas de Estado-Maior de comando das operações, uma por cada região, que tenham a capacidade de incorporar maior conhecimento. (...) Estamos com uma tipologia de incêndios, que vulgarmente já se começou a chamar de sétima geração, mas que são tão complexos que têm que ter uma abordagem integrativa de tudo o é que temos de melhor no nosso país para nos ajudar a tomar a decisão. É óbvio que o comandante das operações tomará as decisões, mas tem à sua volta um grupo de Estado-Maior que integra bombeiros voluntários, que integra o ICNF, a GNR, a ANEPC, as Forças Armadas, e cada um nas suas valências poderá aconselhar aquilo que é a melhor ação por uma situação complexa", avançou..Duarte da Costa deixou ainda a confirmação de que os prometidos 72 meios aéreos - um número histórico de aeronaves no DECIR - estão assegurados..Citaçãocitacao"Vamos conseguir ter os 72, aliás, já está garantido. Os 72 estão contratualizados, agora estamos na finalização do processo administrativo". ."Vamos conseguir ter os 72, aliás, já está garantido. Os 72 estão contratualizados, agora estamos na finalização do processo administrativo"..António Nunes, que já presidiu o antigo Serviço Nacional de Proteção Civil e é agora o dirigente da Liga de Bombeiros Portugueses (LBP) sabe que são as associações que representa o pilar e a principal mão-de-obra de todo o dispositivo que responde à ANEPC.."Há bocado, o meu amigo Duarte Costa disse que havia mais mil operacionais no combate aos incêndios florestais. Há, sabem quantos? Mil e dezoito dos bombeiros. É que os bombeiros em Portugal são os únicos, isto pode custar muito a muita gente, que ainda têm reserva. Nós e as Forças Armadas. Não há mais ninguém", afirmou..Reconhece que "no pós-2017" houve "uma preocupação por parte do governo, e dos políticos em geral, de haver uma aproximação completamente diferente ao problema dos incêndios florestais"..António Nunes salienta duas áreas, em que, na sua análise, houve evolução: "a sensibilização que a Proteção Civil fez, como o programa Aldeias Seguras, os oficiais de segurança nas aldeias, os pontos de concentração nas aldeias, foi um trabalho excelente que permitiu que hoje as populações tenham uma consciência diferente quando ocorre um incêndio e a forma como é que lidam ou provisionam as questões da sua segurança. E isso temos de lhe tirar o chapéu; segundo, o esforço que o ICNF tem feito no sentido de encontrar mecanismos de ajudar a que a floresta seja mais amiga do combate ao incêndio"..O problema é que, apesar disso, lembrando o prognóstico de Duarte da Costa quanto ao impacto das mudanças estruturais no território demorar ainda, pelo menos, 10 / 15 anos a ter efeito, António Nunes sublinha que "durante estes 10 anos não podemos ter bombeiros com 1200 viaturas com mais de 30 anos de idade (num total de quatro mil). Desde 2010 ou 2012, que praticamente não se faz investimento. O único investimento agora aqui foi com o PRR e, mesmo assim, dissemos logo desde o início que era insuficiente, porque gastar 12 milhões de euros a comprar, penso que 81 viaturas que serão distribuídas daqui a 2/3 anos, é olhar para os bombeiros como o parente pobre da questão"..O presidente da LBP considera que "é preciso capacitar os bombeiros e as Forças Armadas" e que isso nada tem a ver com a "gestão técnica, que está garantida"..O que é preciso, assinala é "a gestão política dar meios. Não posso ter um distrito em que 195 viaturas têm mais de 32 anos de idade, como o do Porto, ou Aveiro, com 142 "..Duarte da Costa anuiu e subscreveu a preocupação do presidente da LBP: "das 1993 viaturas de combate a incêndios rurais, 57% têm menos de 25 anos e 43% têm mais de 25 anos"..Mas diverge de Nunes quanto ao "comando próprio" que este quer para os bombeiros e que a tutela já declarou estar fora da lei. "Lembro que a Lei de Base na Proteção Civil comete à ANEPC o comando operacional dos bombeiros. Nessa perspetiva, é isto que vamos continuar a aplicar, aos bombeiros e aos outros agentes", impõe Duarte da Costa..António Nunes sublinha que esse "comando formal" já está criado internamente na Liga.."Temos de ter um comando autónomo dos bombeiros, no sentido de serem comandados os bombeiros sob a tutela da Proteção Civil. Exatamente como acontece com a ICNF, a GNR, as Forças Armadas e por aí fora. O que nós queremos é equidade. E acho que não estamos a exigir muito. É sermos tratados como os outros", declara. Assegura, porém, que esta é uma "guerra" que vai ficar suspensa durante a "época" e incêndios: "estamos numa época em que temos todos que resolver um problema, que é diminuir o número de incêndios, combater os incêndios e resolver o problema das populações. Quando chegarmos ao outubro, voltaremos a este assunto, sendo certo que até lá temos de nos respeitar todos. Naturalmente, que a LBP não deixará de respeitar a Proteção Civil e esperamos que os elementos da Proteção Civil também respeitem as nossas opções. Porque há uma coisa que nós temos que a Proteção Civil não tem. É que nós temos os meios"..Nuno Banza.Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)..Licenciado em Engenharia do Ambiente e Mestre em Ordenamento do Território e Impactes, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa..É Doutorando em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Foi subinspetor-geral e Inspetor-geral da Inspeção Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território..Representou a Associação Nacional de Municípios Portugueses no Grupo de Coordenação da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas e no setor privado, foi gestor de projetos ambientais e consultor de várias entidades na área da Avaliação de Impactes Ambientais..Duarte da Costa.Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC)..Além do Mestrado em Ciências Militares da Academia Militar, possui o MBA da Universidade Católica Portuguesa e um Mestrado em Relações Internacionais e Ciência Política..Entre outras competências que adquiriu ao longo da sua carreira, tem os cursos de Comandos, de Paraquedismo Militar, de RANGER do Exército dos EUA, de Planeamento de Operações Psicológicas da NATO SCHOOL e de Contrainsurreição da ISAF/NATO..Esteve em teatros de operações no estrangeiros, nomeadamente no Afeganistão, onde Comandou a Força Nacional Destacada Operational Mentor Liasion Team, em Cabul; e na Macedónia onde foi Intel Analysis Section Chief na Operação Concórdia..Entre muitas outras funções que desempenhou na sua carreira foi chefe de estado-maior da Brigada de Reação Rápida e do Comando das Forças Terrestres do Exército. Comandou a Escola de Tropas Paraquedistas..António Nunes.Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses..Licenciado em Economia, é Mestre em Direito e Segurança e doutorando em Ciência Politica..Foi coordenador do Serviço Municipal de Proteção Civil de Sintra, diretor de Operações do Serviço Nacional de Proteção Civil, subinspetor-geral do Serviço Nacional de Proteção Civil, Inspetor Superior de Bombeiros e Presidente do Serviço Nacional de Proteção Civil - o antepassado da atual ANEPC..Foi comandante de bombeiros na Ajuda e comandante de unidades de socorro da Cruz Vermelha..Foi ainda diretor-geral de Viação e Inspetor-Geral da ASAE..Ex-presidente do OSCOT, é atualmente um dos vice-presidentes.Ouça o podcast aqui: