Conferência Episcopal. José Ornelas sai ou fica? Bispos portugueses decidem esta semana

Os bispos portugueses avançam para a assembleia plenária sem nenhuma reunião preparatória. O tema dos abusos continua a dividir opiniões e atitudes, numa altura em que não é certo que a presidência daquele organismo continue nas mãos do bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas. Os bispos de Braga e Évora são possíveis sucessores.
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Que ambiente rodeia a 206.ª reunião da assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, que decorre em Fátima de hoje até quinta-feira? É tenso e feito de incerteza, a começar pela liderança: não é certo que o presidente, D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, aceite fazer um segundo mandato à frente desta estrutura da Igreja. A meio daquele que será, para o clero, o annus horribilis, que colocou a nu o drama da pedofilia intramuros, este abril mostra que há ainda uma revolução por fazer na hierarquia, com a maioria dos bispos a recusar uma assunção de culpa humilde e responsabilizadora. Tido como o melhor da Igreja em Portugal, por muitos dos católicos mais influentes, o bispo Ornelas dececionou uma parte dos fiéis -- e da sociedade -- quando, no início de março, ao final da reunião extraordinária da CEP, disse aos jornalistas que a lista de 4815 vítimas potenciais de abuso por membros do clero e da Igreja era apenas "uma lista de nomes". Dias mais tarde, perante a indignação social, haveria de reconhecer, em entrevista ao Expresso, que a comunicação não correu bem. "Compreendo e assumo que aquela comunicação, naquele dia, não foi fácil, não foi adequada e eu também não fui feliz. Não correu bem e isso eu assumo", disse.

Por isso mesmo muitos não estranharam a manchete do Correio da Manhã, há um mês, dando por certo que o bispo não estaria disponível para continuar à frente da CEP. Da parte de José Ornelas, nem uma palavra. O DN sabe que entretanto há movimentações para uma provável sucessão. Francisco Senra Coelho, bispo de Évora, e José Cordeiro, bispo de Braga, estarão na linha de sucessão ao cargo. E é este último que parece reunir mais apoio. Trata-se de um dos mais jovens bispos do país, com 55 anos. Aliás, há apenas um mais novo -- Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa, de 49.

A agenda de trabalhos da assembleia plenária que decorre em Fátima a partir de hoje começa precisamente com as eleições dos órgãos da CEP: presidência e conselho permanente; presidentes das comissões episcopais e delegados da CEP. Um dos pontos foca-se na "Proteção de menores e adultos vulneráveis: seguimento do processo". Recorde-se que, esta semana, a CEP nomeou a psicóloga Rute Agulhas para liderar uma nova comissão sobre o tema.

A Jornada Mundial da Juventude e o Sínodo 2021-2024 estarão igualmente em cima da mesa, numa reunião em que a CEP vai também apresentar o relatório de contas do Secretariado Geral do ano 2022. E no último dia, antes da conferência de imprensa, uma missão na Basílica da Santíssima Trindade reunirá os prelados e fiéis. É aí que os bispos tencionam, mais uma vez "pedir perdão" às vítimas dos abusos.

Mas o futuro deste processo dependerá, também, da futura linha diretiva da CEP.

O padre Anselmo Borges realça a "imensa consideração pelo atual presidente ", que considera "um homem culto, que enquanto superior geral da Congregação que integra -- dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus -- já lhe tinham sugerido ser bispo e ele recusou, porque queria levar o seu trabalho até ao fim". O colunista do DN refere-se a "um homem que percorreu o mundo, que viajou muito, e isso deu-lhe uma visão abrangente, do cristianismo e de outras culturas. Além disso viveu muito tempo em Roma, e isso é mais um ponto para ser um bom presidente da Conferência". De resto, Anselmo Borges está convicto de que "foi ele que mobilizou a CEP para que fosse criada a Comissão Independente, a propósito dos abusos".

"Eu gostaria e esperaria que ele continuasse", manifesta este padre, embora compreenda que o atual momento é conturbado para tal. "Ele próprio reconheceu que não foi feliz naquela famosa entrevista. E por isso a situação dele, assim como a da própria CEP, não é fácil".

Julgando por fiável a opção entre os bispos de Braga e Évora, o padre Anselmo Borges pende para o primeiro. "É jovem, é dinâmico, acredita no Evangelho, no Deus de Jesus, que é Pai e Mãe". Além disso, reconhece-lhe outras qualidades, nomeadamente do ponto de vista social. "Tem todo o meu apoio", afirma o sacerdote.

CitaçãocitacaoAnselmo Borges gostaria que José Ornelas continuasse como presidente da CEP, mas caso não aconteça apoia a nomeação do bispo de Braga, José Cordeiro

O jornalista António Marujo, um dos especialistas no acompanhamento destes assuntos, não deposita grande expectativa em qualquer mudança ou novidade decorrente deste encontro. "Não vi que até agora, desde o dia 3 de março, tenha havido grandes preocupações em afirmar ou propor uma outra reflexão, que tenha consequências nesta assembleia. Dá-me a sensação de que se vai repetir uma coisa que considero erradíssima do ponto de vista de um trabalho sério, que deveria estar a ser feito, não havendo uma preparação prévia da assembleia por parte dos bispos. Eles vão, sem ter existido uma qualquer troca de documentação, ou opiniões entre eles."

E essa preparação revelar-se-ia muito importante. A maioria confirma que a única coisa que recebeu até ao final do dia de sexta-feira foi o programa da assembleia, a ordem de trabalhos. "Mais uma vez vão reduzir os temas a três ou quatro horas de debate. Isso não significa que as pessoas não estejam a pensar por si. Mas seria diferente chegar a uma assembleia e haver um guião comum (depois de uma discussão prévia), a partir do qual se poderiam ir construindo soluções. Por isso é que há reuniões que se preparam antes... com pistas, com pautas, com documentos."

No que respeita ao tema dos abusos sexuais, a expectativa do jornalista não melhora. "Depois do que se passou nas últimas semanas, não é bom indício. Esta dispersão de opiniões e absoluta ausência de uma estratégia comum para lidar com o problema, por um lado, e por outro continuar a não se fazer caso das sugestões todas que foram feitas na carta que três centenas de personalidades mandaram aos bispos, antes do dia 3, e outras que surgiram depois disso, e continuam a ser quase ignoradas, na esmagadora maioria, tanto quanto se percebe pelos comentários que vêm a público."

A verdade é que o dia 3 de março se assemelha cada vez mais a uma linha vermelha, que terá sido pisada pelo comunicado da CEP, na sequência da assembleia extraordinária.

Há três anos, por ocasião da eleição de José Ornelas para presidente da CEP, António Marujo escreveu no jornal digital 7Margens, que dirige, uma ideia que ganhou consistência, a propósito das expectativas elevadas que acompanhavam o momento: "O problema é que a Conferência está confrontada com a sua dinâmica interna, porque não é um homem que vai conseguir mudar esta inexistência da CEP enquanto corpo político."

Citaçãocitacao"Aqui [na CEP] não são as pessoas que estão em causa, mas sim o peso de Lisboa, que é esmagador, em tudo. E até na Igreja. O problema é esse e continuará a ser, independentemente do resultado desta semana", frisa António Marujo.

Volvido este tempo, sublinha esse pensamento. "É uma conferência muito letárgica, que não tem influência no todo nacional, enquanto corpo", considera o jornalista, que encontra várias razões, em geral -- mas uma em particular --, para que a voz da CEP não seja considerada pela sociedade portuguesa: "Os bispos nunca assumem as divergências internas publicamente. Querem dar uma imagem de unidade e todos sabemos que ela é falsa. E o que isso provoca é uma inoperância absoluta."

"Eles não assumem as divergências que são naturais, em qualquer sítio do mundo. Até dentro de uma família. Ao não assumirem essa diferença de opiniões, a CEP acaba por ser uma assembleia que se reúne duas vezes por ano, que toma umas decisões a que depois a maior parte deles ou não liga, ou faz à sua maneira, ou simplesmente acabam por ficar diluídas no meio de muitas outras coisas", frisa este especialista.

Numa análise global sobre o estado da Igreja, António Marujo estabelece um paralelo com "tudo o resto, no país: o centralismo de Lisboa explica isto numa grande percentagem, em termos históricos. Durante muitos anos o peso de Lisboa (e do Patriarca de Lisboa) foi decisivo na CEP. Havia um estatuto de primazia".

Com o reconhecimento do estatuto das conferências episcopais, "isso mudou, mas a Conferência nunca apareceu como um corpo coletivo", antes como afeta à figura do patriarca, que habitualmente lhe presidia. Nos Anos 90 assistiu-se a uma quebra nessa linha, uma espécie de interregno, quando o então bispo de Coimbra, D. João Alves, presidiu ao órgão. Seria sol de pouca dura. Logo a seguir, voltou a ser o cardeal de Lisboa.

Marujo sublinha que "aqui não são as pessoas que estão em causa, mas sim o peso de Lisboa, que é esmagador, em tudo. E até na Igreja. O problema é esse e continuará a ser, independentemente do resultado desta semana".

paula.sofia.luz@ext.dn.pt

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