"A entrega inclui instalação?" A pergunta é feita por um dos dois estafetas que carregaram a máquina de lavar escada acima. Perante a resposta afirmativa, o rapaz, sotaque brasileiro, sopra: "Não nos disseram, e não temos de fazer isto, porque não é o nosso trabalho. Eles [quem vendeu a máquina] querem poupar dinheiro em técnicos, então esperam que façamos isso. E fazemos, mas não temos competência, e não podemos ser responsabilizados se alguma coisa ficar mal feita, porque é suposto só entregarmos. Não está certo.".Os "eles" eram neste caso não uma loja ou site de vão de escada, mas a AEG-Electrolux, uma prestigiada marca de eletrodomésticos. A qual, segundo informação do respetivo call center, não inclui na rubrica "instalação", vendida com o produto, mais que o serviço não especializado efetuado pela empresa subcontratada para as entregas - aceitando desta, como prova de que a máquina foi entregue funcional, uma fotografia, tirada pelos estafetas, do ecrã da dita iluminado. É isso que é explicado à cliente perplexa: a marca considera o aparelho instalado e "conforme" quando na fotografia o visor está iluminado. Se está ou não bem instalado e apto a funcionar é outra questão, que a consumidora descobrirá por sua conta e risco, já que os estafetas afirmam nem sequer saber pô-lo a funcionar. "As máquinas são experimentadas na fábrica, não é suposto serem postas a funcionar na casa do cliente para ver se estão boas. Mas se houver algum problema estamos cá para resolver", asseguram do call center..Um técnico de eletrodomésticos reformado espanta-se: "Fico admirado por saber que as empresas, incluindo algumas tão prestigiadas como a AEG, trabalham agora assim, mandam umas pessoas quaisquer instalar máquinas, sem sequer saberem como pô-las a funcionar. Na casa onde comecei a trabalhar nisto, há 50 anos, levávamos a máquina, instalávamos e até ia uma demonstradora para ensinar como trabalhava. É verdade que as ligações em máquinas de lavar - entrada de água, saída de água - não são coisas do outro mundo, mas há um ou outro pormenor que tem de se saber, como pôr corretamente o tubo no esgoto, por exemplo. Querem poupar dinheiro a todo o custo.".Confrontada pelo DN, a Electrolux garante que há "equipas específicas para a entrega com instalação", as quais, sendo "contratadas a terceiros",receberam, ao contrário do que sustentou uma dessas equipas, "formação para o efeito"..Não se pense porém que a AEG/Electrolux, cujas áreas no Portal da Queixa - site online no qual os consumidores reclamam de avarias, serviços deficientes ou outros problemas - acumulam reclamações sem resposta (após o contacto do jornal, a empresa assegura que houve um problema - "As reclamações da marca AEG não estavam disponíveis no perfil atribuído ao grupo Electrolux, apesar de ser uma máquina do grupo, razão pela qual lamentavelmente não foram respondidas, já que não tínhamos conhecimento das mesmas" - e que "após tomada de conhecimento", avançou "de imediato para a resolução"), é, nesta matéria, uma exceção. Pelo contrário: a regra, de acordo com os testemunhos recolhidos pelo DN e verificados no referido portal, parece ser a de uberizar os serviços de instalação, usando sempre que possível pessoas sem formação nem relação com a empresa vendedora..Por exemplo a Worten, uma das principais vendedoras de eletrodomésticos, assume em resposta ao jornal (até esta publicação, outras cadeias como a Mediamarkt e a Leroymerlin não tinham respondido às mesmas perguntas) que a instalação de equipamentos "de livre instalação (produtos não de encastre como frigoríficos, máquinas de lavar roupa, loiça, etc)" é grátis, consistindo em "desembalar o artigo e ligá-lo à corrente elétrica". No caso das máquinas de lavar, prossegue a resposta desta empresa, "a Worten liga ao esgoto e água, ou seja, os equipamentos ficam ready to use [prontos a usar], sendo que este serviço é efetuado por técnicos não certificados, tendo em conta que não está abrangido por uma certificação específica.".Já nos casos de "equipamentos de gás de queima e encastre", assim como de "instalação de aparelhos de ar condicionado", a empresa cobra o serviço de instalação, que é, ainda segundo a resposta, efetuado por "empresas certificadas, contratadas para o efeito, sujeitas a verificação das certificações por parte da Worten", da Direção Geral Energia e Geologia ou da Associação Portuguesa do Ambiente. Em qualquer dos casos, certifica a subsidiária da Sonae, se existir "algum problema com a instalação, a Worten assume a responsabilidade com o cliente.".Não será sempre assim, a crer em várias reclamações constantes no Portal da Queixa, e num dos testemunhos recolhidos pelo DN..Vejamos o caso relatado por um Carlos Silva que em agosto de 2020 inicia a sua reclamação à Worten no Portal da Queixa por danos causados por fuga de água devido ao que descreve como a deficiente instalação, adquirida àquela empresa, de uma máquina de lavar roupa. Informando ter "o parquet do chão da cozinha danificado, o painel de madeira que sustenta a bancada da cozinha danificado", conta em novembro que a 11 de setembro, após várias visitas de empresas subcontratadas, com diferentes diagnósticos, recebeu um "técnico da Worten", o qual terá sido "peremptório na sua opinião, referindo que "esta situação é resultante da falha da empresa instaladora da máquina (...) ao ter enroscado mal a mangueira""..A 8 de outubro, porém, ser-lhe-ia comunicado telefonicamente que a Worten "não iria suportar a despesa da reparação". Justificação: não se responsabilizavam pelos danos, "uma vez que ambas as empresas [depreende-se que ambas as subcontratadas, a que fez a instalação e uma outra que foi mandada pela Worten para efetuar a reparação] não se responsabilizaram pelo sucedido". Quase dois anos após a receção da máquina, a 31 de março de 2022, Carlos Silva faz uma última pergunta exasperada (e que pelo menos no portal fica sem resposta): "Como é que a Worten não assume a responsabilidade de um serviço por si fornecido?".Vitor, 46 anos, residente na Moita do Ribatejo, faz coro na perplexidade. Respondendo no Twitter a um apelo de partilha de experiências com instalações de eletrodomésticos, narra a sua, também com a Worten, na compra de um exaustor com instalação incluída. "Apareceu um técnico que sabia menos da instalação que eu, e nem ferramentas levava. Foi-se embora sem fazer o trabalho. Reclamei, mandaram outro que também apareceu sem ferramentas. Já estava tão farto que acabei a emprestar berbequim e ferramentas, ajudei o homem a fixar o aparelho e ainda fiz a instalação elétrica, porque ele não sabia como." Voltou a reclamar. "A Worten ofereceu-me um vale de 25 euros "pela maçada". Tendo em conta que me cobraram 50 pela instalação, é ridículo.".A conclusão de Vitor é de que "as grandes superfícies revendem serviços executados por empresas que subcontratam outras que pelos vistos nem sabem o que fazem, ou usam mão de obra barata, muitas vezes imigrantes que provavelmente fazem aquilo porque não apareceu melhor - tanto podem instalar eletrodomésticos como carregar móveis, formação técnica não existe.".A má fama destas subcontratações é tal que, relata, o mês passado foi com os pais à loja Rádio Popular (outra grande superfície do ramo) para comprar um esquentador, e "o vendedor que nos atendeu avisou-nos: "Não lhe posso dizer isto, mas você no OLX arranja um técnico que lhe instala o aparelho por 30 euros". E foi mesmo assim.".E no entanto, certifica Tânia Miguel, jurista da DECO-Associação de Defesa do Consumidor, a lei determina que "quando as pessoas compram um bem incluindo entrega e instalação, está tudo na garantias. A empresa vendedora é a responsável e o consumidor está protegido. Da mesma forma que tem garantia de três anos para o bem, tem-na para a instalação. E verificando-se uma falta de conformidade do bem, o consumidor tem direito à reparação, à substituição ou a redução do preço (isto se aceitar ficar com o bem).".O que não impede que a associação "receba imensas reclamações em relação a bens que têm associadas instalações", não tendo os consumidores "como saber se o problema está associado ao bem ou à instalação". Muitas vezes, diz, "há o jogo do empurra entre a empresa que vendeu e a que instalou.".Um jogo que pode existir até no que respeita à ausência de instalação, como comprova por exemplo a narrativa de Gustavo Silva no Portal da Queixa. Tendo adquirido em julho de 2022 um forno AEG no site da marca, pagando na mesma ocasião o serviço de instalação por 74 euros, garante ter ficado sem a instalação contratada. "O forno foi entregue, e a empresa [transportadora] disse que não eram eles que faziam a instalação. O período experimental do forno está a contar, e tenho o forno dentro de uma caixa, a ocupar espaço, numa casa pequena." Três dias depois, ou seja cinco após a entrega, a reclamação prossegue: "Hoje fui visitado pela empresa transportadora, que novamente me disseram que não faziam instalações, e que não tinham formação para fazer instalações de eletrodomésticos, quando na guia que nos entregaram, claramente tem lá recolha do equipamento antigo, e instalação do novo. (...) É inaceitável este tipo de serviço. Já pedi o reembolso do serviço contratado à AEG, neste momento aguardo resolução." Problema semelhante ocorreu com Giovanni Cerullo, que também no mesmo portal [tanto na área da AEG como na da Electrolux] informa ter em setembro de 2022 comprado uma máquina de lavar loiça AEG, pagando a instalação, e 17 dias depois, tendo recebido duas vezes a visita de "técnicos", ainda não conseguira que lhe instalassem o aparelho. Ambos os "técnicos" lhe terão dito que não instalavam máquinas de loiça. Nenhuma das reclamações tinha, quando o DN as encontrou, em fevereiro de 2023, merecido resposta da AEG/Electrolux..Tânia Miguel alerta: "Quando o bem é entregue, em regra os estafetas pedem ao consumidor para assinar um papel. E muitas vezes as pessoas assinam sem ler". Pode ser que no papel, como sucedeu com Gustavo Silva, esteja escrito que o aparelho foi instalado, e tal não ter acontecido. Ou, prossegue a jurista, "pode lá dizer que o bem "está conforme", e depois as empresas escudam-se nisso para não se responsabilizarem. Aconselhamos que se leia sempre o que está escrito. Tive uma situação em o consumidor recebeu o bem - uma placa vitrocerâmica -, não pediu ao estafeta para desembalar, este disse-lhe para assinar, ele assinou, e quando foi desembalar estava partida.".Propõe então a DECO que ao assinar (porque é condição da entrega), e não havendo certeza de que o eletrodoméstico funciona corretamente, "se escreva uma nota a dizer que por não haver demonstração não sabe se o aparelho está conforme." Ou, se se tratou de uma compra com instalação e esta não foi efetuada, assinalar esse facto..Outro conselho é de que o consumidor, "se não lhe derem uma cópia do documento que assinou, tire uma foto com o telemóvel.".Todos estes cuidados não obstarão, no entanto, se algo correr mal, à chatice de passar horas a tentar obter respostas de empresas que em regra só podem ser contactadas por números que vão dar a um call center ou nem isso - há muitos sítios online de venda de eletrodomésticos com os quais só se consegue contactar por escrito..Sítios nos quais, constatou o DN, se encontra não raro uma nota informando que os eletrodomésticos de grande porte são entregues "no piso térreo". A querer dizer o quê, que largam os aparelhos na rua?."Há dessas situações caricatas", comenta a representante da DECO. "Chamamos sempre a atenção dos consumidores para verem bem as condições da entrega, e se estas dizem que é dentro de casa. Se estão a comprar online e não encontram os termos da entrega, é não encomendar: se não está especificado, é mau sinal.".Quase como se comprar um eletrodoméstico, sobretudo se de grande porte, apresentasse os riscos de uma ida ao mercado negro: são necessários mil cuidados para não se ser embarretado. E como se as garantias legais, agora reforçadas com um novo direito, o de "rejeição" - que é, explica a jurista, "a possibilidade de, nos 30 dias seguintes à entrega, se detetar alguma desconformidade poder resolver o contrato ou pedir a substituição do bem" (direito que não deve ser confundido com o do "arrependimento", aplicável às "compras à distância", e que implica que nos 14 dias subsequentes à entrega o bem pode ser devolvido) - na verdade garantissem pouco..Não é só o caso, reflete Tânia Miguel, de "os consumidores não terem muitas vezes noção dos seus direitos, e portanto não os fazerem valer. Preocupa-nos que haja aspetos vagos, por exemplo não haver cláusulas contratuais que especifiquem que a entrega é na fração do consumidor.".O bem, diz a lei, "considera-se entregue ao consumidor quando este ou um terceiro por ele indicado, que não o transportador, adquire a posse física do bem". Está no artigo 11º, "entrega do bem ao consumidor", do Decreto-lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, Direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais. De que forma se adquirirá a pose física de, por exemplo, um frigorífico deixado na entrada de um prédio? A maioria dos consumidores não terá como - mas este modo amazon de entrega, tocar à campainha e largar, está explícito em vários sites. É legal?.É preciso bom senso, comenta a jurista da DECO. Mas o bom senso, como já se percebeu, não é algo que impera no mundo em geral e nas relações comerciais em particular. Pelo que os diplomas legais talvez devam ser mais específicos..Por exemplo, o que deve ser entendido por instalação de um eletrodoméstico? Deve ou não implicar que se assegure que este funciona corretamente?.Voltemos à lei: o artigo 11.º também diz que "nos casos em que o contrato de compra e venda preveja a instalação do bem por conta do profissional, o bem considera-se entregue quando a instalação se encontrar concluída". Mas, releva Tânia Miguel, não diz o que deve ser entendido por "instalação concluída". Para a jurista, "uma instalação encontrar-se concluída é o bem estar apto a funcionar. Não tem de haver necessariamente uma demonstração do funcionamento. Mas é evidente que quem instala tem de saber o que está a fazer. Por exemplo nas máquinas de lavar roupa é preciso destravar o tambor, pode ser necessário regular os pés..." Conclusão? "O ideal é o consumidor perguntar, antes de comprar, quem vai fazer a instalação e se é empresa certificada.".Claro que isso se pode fazer ao comprar numa loja física - num sítio online é muito mais difícil obter resposta à pergunta - mas no caso de certos eletrodomésticos, como frigoríficos e máquinas de lavar, como refere a Worten na sua resposta, não existe certificação específica para instalação.."Estão a desinvestir nesse tipo de serviço", conclui a especialista da DECO. "Mas, honestamente, isso até agora não nos tinha levantado questões de maior. Nunca tínhamos pensado que a definição de instalação concluída necessitava de especificação, embora reconheçamos que é muito vaga. Se começarmos a receber muitas reclamações, nada invalida que façamos essa reivindicação.".Até lá, melhor voltar a comprar nas pequenas lojas de bairro. Como fez Maria João, 57 anos, que ajudou a mãe, em Aveiro, a comprar uma máquina de lavar loiça. Escolheu um desses comércios e só tem elogios: "Vieram instalar, ensinaram a pôr a funcionar, e ainda ofereceram detergente. Um serviço completo. Devia ser sempre assim."