Comer ameijoas à bulhão pato numa açorda alentejana

Parece que já tudo foi dito e escrito sobre as amêijoas. Nada mais errado. Num refúgio gastronómico do litoral alentejano fomos descobrir uma sopa rica feita com as ditas que é de comer e chorar por mais. E ficámos a saber que José Avillez é 'purista' quando as faz à Bulhão Pato.
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Estamos a poucos dias de assinalar os cem anos sobre a morte do poeta Raimundo António de Bulhão Pato (24 de agosto de 1912), imortalizado entre os portugueses mais pela criação das amêijoas à Bulhão Pato do que pela sua obra poética. Isto se ignorarmos que é de poesia que se trata quando se fala de um pitéu que casa os sabores do mar e da terra, através do toque final dos coentros.

Como homenagem ao poeta e gastrónomo, aqui vai uma sugestão para os apreciadores deste bivalve. Um restaurante onde vai conhecer uma chef que é descendente, na arte, das criações do Bulhão Pato. Basta meter-se a caminho pela A2 rumo ao Sul, às praias da costa alentejana, como a Comporta ou Carvalhal, e entrar - antes ou depois dos banhos de mar - na cidade mourisca de Alcácer do Sal (a 90 quilómetros de Lisboa). Na Baixa de Alcácer encontrará o restaurante Hortelã da Ribeira, de gastronomia premiada, virado para o rio Sado. A sua proprietária e chef, Helena Fidélis, faz da cozinha o seu "laboratório" de alquimia, sendo as amêijoas um dos seus ingredientes prediletos para criar.

Além das célebres amêijoas a Bulhão Pato, que levam um ingrediente secreto que a chef não revela, atreva-se a saborear um prato tradicional alentejano que foi reinventado por Helena Fidélis com criatividade: a açorda de espinafres com amêijoas. Ali não se servem amêijoas japónicas, apenas portuguesas de gema.

Revela-nos a chef que há muitos anos , inspirando-se na antiga "açorda de espinafres com ovo e bacalhau", que se fazia muito por esse Alentejo pobre e rural, decidiu-se a dar alma e vida a esta iguaria. "Sendo Alcácer uma cidade alentejana mas virada para o Litoral, senti que fazia falta um prato que se identificasse com esta mistura de regiões", conta Helena Fidélis. Assim, com o carinho devido, sobre a caçarola com o azeite virgem previamente aquecido, a chef Helena lança a cebola lascada, os alhos picados, a folha de louro e os verdes espinafres frescos. Após "suarem" em conjunto estes ingredientes, junta-se o caldo necessário que, quando em ebulição, recebe as benditas amêijoas, o tempo apenas para abrirem e largarem o suco natural, que irá perfumar de maresia a açorda. Antes da chama se apagar, o caldo abraçou-se ainda a um generoso punhado de coentros. À espera do resultado final está uma malga em barro, com pedaços de pão alentejano (vulgo sopas de pão), que recebem sobre si todo o conteúdo antes elaborado, terminando a confeção da dita '"açorda". Acompanhámos o prato com um Ermelinda Freitas branco, que liga bem com a iguaria.

Os leitores que se pelam pelas amêijoas à Bulhão Pato ficam com um conselho do chef José Avillez, que as prefere "à moda tradicional". "Azeite, alho, coentros, um toque de vinho branco e o sumo de limão para finalizar. Basta fazê-las assim", diz José Avillez, confessando-se um "purista" neste prato.

O jovem chef de cozinha assegura que em Lisboa "há muitos bons sítios para provar amêijoas à Bulhão Pato", embora prefira a cervejaria Ramiro, na Avenida Almirante Reis. Já perto do mar, o seu local de eleição para este repasto é o Gigi, no Algarve. Bom apetite!

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