Colin Firth deve ser mesmo bom actor, inclusive quando faz de Colin Firth em entrevistas. A primeira coisa que nos diz é que está bombasticamente surpreendido com o falatório em relação aos Óscares. Mas quando aceitou interpretar um professor homossexual à beira do suicídio numa Los Angeles de meados dos anos cinquenta em Um Homem Singular não devia estar realmente à espera de toda esta aclamação. Ele, que nunca foi considerado para estas coisas de prémios e que se tornou estrela de cinema graças a um carisma de galã, nomeadamente pela pose muitíssimo british na série Orgulho e Preconceito – para muitos, será sempre o imperturbável Mr. Darcy – ou pela suavidade empinada em comédias românticas como O Diário de Bridget Jones ou O Amor Acontece. .Melhor actor em VenezaAgora tudo mudou. O estilista Tom Ford, que se estreou no cinema com esta realização, sacou dele um desempenho tremendo. Firth não é feminino no papel, é trágico. Não é igual a nada do que já foi, é sólido como uma rocha. O resultado foi, por exemplo, o prémio de melhor actor no Festival de Veneza, a famosa Taça Volpi. Afinal, Firth sabe compor personagens, sabe sair da sua armadura de sedutor inglês. «Quando aceitei o papel apenas pensei que estava a meter-me numa aventura – iria trabalhar com um designer de moda. Foi uma surpresa, foi algo de revigorante! Não percebo nada de moda, sabia quem ele era mas só à superfície. Enfim, gostava dos seus óculos… A maneira como me convenceu a fazer o filme foi de um charme total. Atraiu-me também toda a história de solidão deste homem, deste professor que me intrigou tanto. Nunca pensei que Tom Ford fosse pensar em mim. Encarei todo este processo como uma experiência. As melhores coisas que me aconteceram vieram depois de ter arriscado», conta, bastante entusiasmado. Em última análise, pode bem dizer-se que A Single Man não é um drama experimental, mas sim uma reflexão amarga sobre a perda do raio solar da vida. É um filme universal, que mesmo com personagens gay conta uma história de amor para todos. E se Colin Firth se surpreendeu com a sua escolha, também os leitores do livro homónimo de Christopher Isherwood ficaram de boca aberta, pois no livro o professor era mais velho. «Penso que Tom Ford arriscou muito em ter-me escolhido. Especulo que ele quis trabalhar comigo devido ao meu método – não sou um actor muito demonstrativo. E este argumento era daqueles que permitia muito espaço entre as palavras. No argumento não estava lá tudo, tudo dependia do realizador e do actor. E a nossa relação foi muito bonita, permitiu que houvesse um fluir natural. Resultou bem porque ele pensou em tudo, desde a escolha dos décors à maneira como me vestia. A escolha da música também foi muito importante. Enfim, gerou-se uma confiança mútua. Tom nunca me deu instruções, deixou-me ir. Quando fazia porcaria, percebia-se logo. Por muito que ele dissesse “muito bem”, havia que repetir…», confessa. .«Os fatos de Ford são sexy...»E já que fala no visual, como é ser vestido pelo homem que revolucionou a moda masculina nos anos noventa? «Faz um homem sentir-se mesmo bem! Senti-me coberto, protegido. Os fatos de Tom transmitem uma sensação de poder. São sexy. Curiosamente, quando os despimos também sabe bem. Adoro aquela liberdade de ficar despido depois de tanta protecção, de tanto poder…».No último par de anos a carreira de Firth não podia estar melhor: houve o boom de Mamma Mia!, excelente gestão de papéis de protagonista em filmes de Hollywood e britânicos e agora... isto, o papel da sua vida. Ficou mais famoso, mais rico e as mulheres dizem que mais atraente. Ainda assim, admite: «Estou numa crise de meia-idade que dura há vinte anos. Por isso, identifico-me muito com este professor que criei.» Acreditamos que está a ser sincero. Quando apareceu há duas décadas como amante de Rupert Everett em Anatomia de uma Traição já tinha este ar respeitável. Quanto ao facto de este poder ser o pico da sua carreira, hesita: «Só sei que este papel foi a melhor oportunidade da minha vida em muitos anos. Não existem assim tantos filmes que se debrucem exclusivamente só sobre uma personagem. Seja como for, nunca esperei ganhar o prémio de melhor actor em Veneza. Fiquei surpreendido, mesmo sabendo que o nosso filme era bom e que havia possibilidades de se ganhar qualquer coisa. Tivemos uma conferência tão respeitosa que apenas disse ao Tom que melhor era impossível.» É um homem de sorriso aberto. Um sorriso que continua quando fala do «posto» que dá a idade: «Agora já faço papéis de homem com um passado. Já não me convidam para ser o tipo que apenas está apaixonado. Essa fase foi muito enfadonha, prolongou-se por muito tempo. Provavelmente, tive um momento na minha vida em que quis mudar de rumo. Agora é muito bom poder fazer escolhas tão contrastantes como Mamma Mia! e Génova. Por muitos momentos que tenha tido de frustração, há sempre depois compensações. Não sou um homem de desesperar perante os obstáculos. Atenção, ser actor é como um emprego diário: só às vezes é que dá para ficar com uma grande paixão. É frequente não ter aquela paixão por certos trabalhos. Há outras coisas que são mais importantes para mim.» Coisas como a família e as causas, como a luta pelo comércio justo e o lançamento do site Brightwide, onde tenta fomentar o activismo social e político, através de cinema com consciência civil. «A ideia é que o site ajude a criar discussão sobre os temas. Uma discussão, quem sabe, que leve a acções. Pensei nisso porque depois de acabarmos de ver um filme, muitas vezes sentimo-nos impotentes perante os casos que lá se abordam. Não tem de ser assim!», frisa. Quem diria que o Sr. Darcy tinha alma de activista? E tempo, tem? «Há muita gente a trabalhar no brightwide.com…», diz com um sorriso malandro. O mesmo sorriso que tinha o seu cretino de A Paixão de Shakespeare quando tentava conquistar Gwyneth Paltrow….A epifania de Colin«Às vezes, tenho epifanias. Neste filme estava a trabalhar tanto, que uma noite, às três da manhã, em pleno plateau, dei por mim completamente exausto e rabugento. Parei e pensei: tenho é de estar agradecido! Olhei para Tom Ford, que não parava de trabalhar, e só o consegui elogiar! Estava ali alguém que, sem ajudas, estava a fazer o primeiro filme baseado num material literário que lhe dizia muito. Foi um daqueles momentos que ficará para sempre registado na minha memória. Serviu-me para perceber que tenho muita sorte. Enfim, foi um momento…»