Cinema nórdico vence nas secções principais

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Surpresa na atribuição do Grande Prémio do Fantasporto: Frostbitten, de Anders Banke, anunciado como o primeiro filme de vampiros sueco, tem de facto características que lhe permitem integrar o lote de memórias do festival portuense, mais pela natureza do humor em que milita, negro e frio, pouco comum, do que por ser portador de uma ideia de cinema desarmante ou a que importe muito estar atento.

Não, Frostbitten é um objecto esgrouviado que, juntando vampiros e adolescentes, tem o mérito de juntar também os seus espectadores habituais, ou seja, tanto agrada aos cultores das dentadas sérias nos pescoços alheios como aos incondicionais das banhadas humorísticas, tipo Scream. E, aí, põe-se acima de um rótulo fácil, o que também abona a seu favor. É a história de uma médica e da sua filha, confrontadas com uma nova vida: a primeira num hospital chefiado por um insuspeito vampiro que procura a fórmula para cruzar a sua espécie com a humana, a segunda num liceu cheio de adolescentes atrofiados, ansiosos por sensações fortes. Os dois universos misturam-se e acaba tudo em sangueira desenfreada. Mais para rir do que para levar a sério.

Na Semana dos Realizadores não houve lugar a surpresas, conhecida que é a propensão doFantas para acarinhar, e se possível premiar, nomes que dá a conhecer ao público nacional. Foi o que aconteceu com Anders Thomas Jensen (Dinamarca), revelado em The Green Butchers, vencedor do festival na edição de 2003, e agora reconduzido ao triunfo por Adam's Apple, onde confirma a apetência para um humor negro tipicamente nórdico (suave, fino e cortante), aplicado à história de um padre que, na sua missão de "reciclar" ex- -presidiários para a vida social, recebe um neonazi difícil de disciplinar, mas em quem acabam por se verificar mudanças extraordinárias. Além do prémio para o melhor filme, conquistou também os de melhor actor (Ulrich Thomensen) e argumento. A melhor actriz, nesta secção, foi Victoria Abril, pela interpretação em Incautos, de Miguel Bardem (Espanha).

A Oriente, e dentro da mesma lógica, nada de novo. Chan Wook Park já tinha ganho com Oldboy, segundo tomo de uma trilogia sobre a vingança, bisa agora com a parte final, Sympathy for Lady Vengeance, fita em que retoma alguns dos seus ingredientes preferidos, como as memórias da infância, a prisão, a injustiça, a moral, o castigo e os requintes sádicos, tudo num registo denso e com uma forte carga psicológica. Pouco menos que obrigatório era premiar também um dos filmes de Kim Ki Duk, The Bow ou Samaritan Girl, ambos notáveis e bem acima da concorrência. A escolha recaiu no primeiro, talvez por ser esteticamente mais apelativo, e eventualmente mais talhado para aquilo a que o Fantasporto costuma chamar "o grande público", do que por uma questão de qualidade, já que Samaritan Girl revela, na sua enganadora leveza, em que balançam realidades verdadeiramente trágicas, uma solidez inabalável e uma coerência que o outro não leva até ao fim. Mas fica-lhe bem o Prémio Especial do Júri.

Outras vitórias

Também importante, embora exterior às três secções fortes do festival, foi o triunfo de Animal, de Roselyne Bosch, na competição para o prémio Méliès d'Argent, e a consequente nomeação para o Méliès d'Or 2006, que distingue o melhor filme europeu de cinema fantástico. É um trabalho co-produzido por António da Cunha Telles e cuja participação portuguesa se estende ao protagonismo de Diogo Infante. Por premiar fica o outro representante nacional a concurso, Coisa Ruim, de Frederico Serra e Tiago Guedes, que, valha a verdade, não entusiasmou.

Menos esperada era a atribuição do Prémio Especial do Júri da secção Cinema Fantástico a Johanna, de Kornél Mundruczó (Hungria), uma ficção operática em volta de uma toxicodependente com poderes especiais que aplica na cura de doentes, a quem oferece o corpo, como parte do processo. Teve também, nesta categoria, direito ao prémio de Melhor Actriz, para Orsi Tóth. O Melhor Actor, esse, foi Jaume Garcia Arija, do espanhol Zulo.

Finalmente, referência para a decisão acertada de distinguir Robin Auber com o prémio de Melhor Realizador da mesma secção, pelo festim onírico de Saints-Martyrs-des-Damnés, um dos objectos cinematográficos mais incatalogáveis e, sem dúvida, mais idiossincráticos desta edição do Fantas. Vai direitinho para a gaveta do culto.

Em números, e de acordo com as primeiras informações da direcção, o festival terá tido mais ou menos os mesmos espectadores que no ano passado: cem mil. Contas para conferir depois, com outro rigor.

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