Chefe… mas pouco

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Longe vai o tempo em que a mulher era considerada um ser inferior e, como tal, com menos direitos. Mas se é assim, por que razão a mulher, em muitas áreas, parece ainda estar a "anos-luz" do status e do reconhecimento alcançado pelos homens?

Já no longínquo ano de 1933, a Constituição abordava esta matéria, referindo-se à igualdade perante a lei, que envolvia o "(...) direito de ser provido nos cargos públicos, conforme a capacidade ou serviços prestados, e a negação de qualquer privilégio de nascimento, nobreza, título nobiliárquico, sexo ou condição social (...)", para, logo de seguida, estabelecer a seguinte exceção "(...) salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza (...)".

E este paradigma, de se reconhecer os mesmos direitos para as mulheres, mas com muitos "mas" e "salvas", e com previsões que depois não têm tradução na prática, parece ser um paradigma que nos acompanha até aos dias de hoje, apesar de vivermos, desde a Constituição de 1976, numa era de (suposta) igualdade plena de direitos entre homens e mulheres.

Passados 89 anos desde a primeira, ou 46 anos desde a segunda, a conclusão a que chego é que a situação das mulheres é pior do que a dos homens pelo simples facto de serem mulheres e muito há ainda a fazer e, sobretudo, a combater, especialmente ao nível dos ideais e da mentalidade que tem trespassado os tempos e que atribuíam/atribuem à mulher determinadas missões que parecem ter desempenhar de forma exclusiva, como a maternidade, os afazeres domésticos, a educação dos filhos e, pasme-se, o bem-estar do marido, a quem caberia/cabe a proteção e a subsistência da família.

Ora, desde logo, esta "condição" afastou a mulher do mundo do trabalho e, nas situações em que isso não acontecia, a disparidade salarial era grande. Diferente de hoje? Não o suficiente, porque as mulheres no nosso país continuam a ganhar menos 13,3 % do que ganham os homens. E à medida que aumenta o nível de habilitações e qualificação, maior é o diferencial salarial, com prejuízo evidente para as mulheres, conforme demonstra o Barómetro das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens 2022, instrumento criado por uma lei de 2018, com o propósito de promover a igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor. É triste chegarmos ao ponto de termos de criar uma lei e um barómetro para se corrigir situações de elementar justiça.

Também nas áreas de gestão e em cargos de decisão, que normalmente comportam níveis salariais mais elevados, as mulheres estão sub-representadas porque são "empurradas" para trabalhos com salários mais baixos e, quando lá conseguem chegar, fazem-no com mais esforço, abdicando de muito e sujeitando-se à crítica por terem "abandonado" a família.

Sabemos que alterar este quadro passará sempre mais pela vontade das pessoas e não tanto por imposições legais de igualdade salarial, paridades e quotas e, por isso, ironia das ironias, cabe também muito aos homens, a cada um deles, como "beneficiários" deste estado de coisas, contribuir para a mudança, ao proporcionar às mulheres um ambiente de igualdade, que lhes permita terem as mesmas oportunidades de investimento e de progressão na sua carreira, participando nas tarefas domésticas e nas responsabilidades com os filhos, que parecem nunca ter pai sempre que é necessário acudir-lhes.

E pode ser então que esta "ajuda" encurte este gender gap, que hoje se calcula estar em mais de 100 anos...O lugar da mulher é onde ela quiser e se quiser ser chefe, não pode ser pouco!

Secretária-geral da AHRESP

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