Edição ilumina história das ideias do século XIX.A carta de amor abre a ilusão da presença, da voz recriada no silêncio de uma leitura muda. Das trocadas entre a andaluza Rosa Montufar Infante, casada, desde 1837, com um oficial do exército português, e Almeida Garrett, conhecem-se 22, salvas pelo bibliófilo açoriano José do Canto, integrando hoje o acervo da Biblioteca Pública de Ponta Delgada. É essa correspondência que Sérgio Nazar David nos oferece, num belo livro, que acaba de se publicar na Quasi..A edição portuguesa de Cartas de Amor à Viscondessa da Luz, subvencionada pela Gulbenkian, segue-se a uma outra surgida, em 2004, no Rio de Janeiro, pela 7 Letras, também pela mão do poeta e professor brasileiro, e por ocasião dos 150 anos da morte do autor de Folhas Caídas. Para além da esclarecedora introdução - que nos dá uma visão de um Garrett atravessado por "uma estranha inquietude" - utilizam-se nela critérios de um rigor inabalável que passam pela actualização ortográfica, pela correcção de transcrições defeituosas e pela decifração de palavras.."Fiz os termos da época aparecer na sua 'cor original' - idea, inlaçar, peior, trasbordar", diz Sérgio Nazar David, acrescentando que "esta opção em nada dificulta a leitura não especializada e, por acréscimo, dá ao leitor mais culto uma ideia do 'ponto da língua' em que estava o Português no momento em que Almeida Garrett escreve"..Divulgadas, em 1954, por José Bruno Carreiro, estas cartas são agora reveladas aos portugueses, com leitura engrandecida pelo organizador, e apresentação da professora Ofélia Paiva Monteiro - que tem a seu cargo a Obra Completa, de Garrett, a sair pela Imprensa Nacional. .Não só o estudioso do autor de Viagens na Minha Terra - cuja edição crítica, organizada pela mesma docente, está prevista para este ano - comprova a relação das cartas com as obras da fase mais madura de Garrett, como demonstra que "o moralismo , determinante no silêncio de cem anos em relação à correspondência, também direccionou o olhar de críticos como António José Saraiva e José Gomes Ferreira"..Deite-se, porém, longe de todo o didactismo, um olhar às cartas de Garrett e e imagine-se o fulgor de uma paixão de corpo e alma entre Rosa e João. Deixemo-nos embalar pelo entusiasmo ardente de um amor vivido entre as convulsões da Maria da Fonte e da Patuleia.. E as cartas da viscondessa? Queimadas algumas, Gomes de Amorim encontrou 300, entre madeixas e flores secas. Afinal, a "pecadora" era "uma mulher de espírito". A devolução teve como moeda de troca a aquisição das de Garrett, só que Rosa não restitui as suas dizendo que as queimou. O biógrafo não acreditou e tinha razão. A prova é este livro.