Carimbó, expressão cultural de um povo

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Desde tempos imemoriais que a dança faz parte da vida do ser humano. No Egito realizavam-se as danças astroteológicas em honra de Osíris. Na Grécia, os Jogos Olímpicos sempre foram acompanhados de danças, assim como a dança ritual e a dramática em honra a Dionísio, Deus dos Ciclos Vitais, conhecida como a dança fálica. Em todas as danças é utilizado o corpo acompanhando movimentos nas diversas formas de apresentação: solo, duplo, grupo, histórica, cerimonial, clássica, folclórica, competitiva, desportiva, cénica, erótica, social e coreografada, atualmente exigindo professores de nível universitário visando assegurar o grau de competitividade no mercado. A dança surgiu na Pré-História, quando os homens batiam os pés no chão conciliando com os ritmos através de palmas, agitando o corpo num movimento capaz de criar outras maneiras de dançar.

Ao longo do tempo, deparamos com a dança do carimbó, considerada a mais extraordinária manifestação artística do povo paraense. Habitavam na região Amazónica os índios Tupinambá, que chegaram pelos idos do século XVI, após fugirem de São Paulo, passarem por Pernambuco, atingirem o Maranhão e fixarem-se no Pará. Eram dotados de um senso artístico invulgar, chegando a ser considerados pelas outras tribos verdadeiros semideuses.

Desenvolviam o carimbó, com ritmos monótonos, específicos da grande maioria das danças indígenas, para realizar seus rituais. No século XVII chegam à região os escravos africanos, que melhoraram essa manifestação artística dando nova feição ao ritmo, passando à vibração com a variante do batuque na percussão e na sensualidade. Essa mudança contagiou os colonizadores portugueses, que, interessados na conquista da mão-de--obra para diversos trabalhos, não hesitaram em estimular essa revelação, passando a participar, acrescentando traços de expressão corporal das danças lusitanas, incluindo o estalar dos dedos na marcação do ritmo agitado e sonoro. Por essa razão a dança do carimbó tornou-se envolvente das três raças da época colonial.

A coreografia é apresentada com os parceiros dançando sempre soltos, iniciando com duas filas: uma de homens e outra de mulheres, com a frente voltada para o centro do espaço reservado à apresentação. Ao iniciar a música dirigem-se às mulheres formando os pares girando continuamente em torno de si mesmo e ao mesmo tempo formando um grande círculo que gira em sentido contrário ao ponteiro do relógio. É o ponto onde mais se nota a influência indígena, pois os dançarinos fazem movimentos com o corpo curvando para frente, sempre puxando-o com um pé mais a frente, marcando acentuadamente o ritmo vibrante. Em certo momento vai para o centro um par de dançarinos para executar a dança do peru, ou peru da Atalaia, quando o cavaleiro é desafiado a apanhar com a boca um lenço que a sua parceira estendeu no chão. Se falhar é vaiado pela assistência, se conseguir é aplaudido.

Todos os dançarinos se apresentam descalços. As mulheres trajam saias estampadas, longas e amplas, franzidas na cintura e blusa branca lisa, com folhos largos, ficando a barriga e os ombros de fora. Com os cabelos soltos, à altura da orelha, prendem um ramo de rosa ou jasmim de Santo António presos com patichuli. Os homens vestem calças brancas com as bainhas enroladas até ao meio da perna, camisa branca com as pontas amarradas na altura do umbigo, lenço vermelho no pescoço e chapéu de palha, completando a indumentária.

O nome da dança do carimbó origina-se do tupi kurimbó, uma junção de "curi", que quer dizer pau e "m"bó" que significa oco ou furado que produz som. A dança é acompanhada por dois tambores feitos do tronco de uma árvore, revestidos de pele de veado e afinados ao calor do fogo. Cada tronco escavado mede cerca de um metro de comprimento por 30 centímetros de diâmetro. Os tocadores sentam-se sobre os curimbós batendo com as mãos, acompanhando o ritmo acelerado. Os demais músicos executam os instrumentos indispensáveis: ganzá, reco-reco, banjo, flauta, maracás, afoché e os pandeiros, complementando o conjunto musical característico, sem uso de meios eletrónicos. A palavra "carimbó", pela influência da fonética, adaptou-se a esse termo, obedecendo os modos de falar dos habitantes do Pará.

Alguns historiadores entendem que a dança teria surgido no arquipélago do Marajó ou na cidade de Marapanim. Justificam: era a manifestação preferida pelos pescadores e agricultores que não conheciam o carimbó, mas aleatoriamente divertiam-se, dançando uma representação ritmada perfeitamente enquadrada no aspeto de vida simples que tinham, festejando sempre após a pescaria ou o plantio.

A dança atravessou a baía de Guajará com os pescadores desembarcando nas praias da região do Salgado paraense, nas cidades de Marapanim e Curuçá. Razão da disputa pela paternidade do carimbó. Em dezembro, realiza-se o Festival de Carimbó de Marapanim: O Canto Mágico da Amazónia", na referida cidade. No mesmo mês, em Santarém Novo, comemora-se desde o século XIX a Festa do Carimbó de São Benedito, em homenagem ao santo padroeiro, durante 11 dias, e não pode faltar a gengibirra e o beju, iguarias apreciadíssimas.

A maior divulgação da música e da dança desde as décadas de 1960 a 1970 cabe aos compositores e cantores Pinduca, Verequete, Cupijó, Fafá de Belém, Dona Onete e a Banda Calypso, que continuam levando esses ritmos a nível mundial. Em eventos culturais, feiras, restaurantes, boates e casas noturnas de Belém há sempre a Roda do Carimbó, apresentando a secular dança no seu sentido mais característico.

Reconhecida como uma das mais expressivas manifestações culturais do Pará, tornou-se em 12 de setembro de 2014 Património Cultural Imaterial do Brasil. O registo teve aprovação unânime do Conselho Consultivo do Património Cultural e Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). As comemorações desse feito reuniram na capital paraense grupos de toda a região Amazónica.

Historiadora

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