CAMAS SÓ AS PASSADAS

Publicado a
Atualizado a

Tive um caso com Annie Girardot. Eu tinha 13 anos. Ela não soube de nada, mas eu chegava para o tornar o caso sufocante. Fui ver Rocco i suoi Fratelli, três vezes. Durante anos, o nome do filme foi a única frase que eu sabia dizer em italiano com os lábios. Com as mãos eu sabia mais. A Girardot, a única mulher com lábios finos que amei. Tudo por causa dos seus olhos, que riam.

Depois do filme, segui-a nos jornais e soube que se casou com Renato Salvatori. Este, no filme, fazia de irmão de Rocco, era o boxeur. Tinha cara de homem. O que sempre me pareceu um piscar de olho. Tivesse ela escolhido o bonitinho, o actor que fazia de Rocco, Alain Delon, e seria uma mensagem a dizer-me que eu não tinha chances. Isso ela nunca o disse.

Girardot, hoje, porquê? Estou a ler o livro de Giulia Salvatori, a filha dela com Renato: La Mémoire de Ma Mère. Conta a memória de sua mãe. Annie Girardot tem Alzheimer. Tudo começou sob uma escada para um barco, na Sardenha. A velha senhora parou. "Ajuda-me... Já não sei como se faz para subir."

Mas não é para contar as tristezas da minha Girardot que estou aqui. E, aliás, a filha não vai por esse caminho. Giulia conta daquela vez, anos 70, em que a mãe, já separada de Renato Salvatori e a viver com um qualquer outro actor, foi surpreendida com um amante na cama. Este - chamava- -se François Mitterrand - fugiu, em cuecas. Desde que estou em Paris, a cobrir as presidenciais, é o segundo livro que sai sobre amores antigos do ex-presidente. Uma amiga de Dalida escreve que ele foi um grande amor da cantora de Gigi Lamoroso e Paroles, Paroles, que se suicidou há 20 anos. É um segredo de Polichinelo, tanto que chamavam Mimi L'Amoroso a Mitterrand.

Mas, na altura, os jornais não comentaram. É uma especialidade francesa, o silêncio sobre a cama dos políticos, e só lhes fica bem. Os jornais ingleses, os do caso Profumo, e os americanos, os de Clinton e Monica, devem pensar que os políticos franceses são uns eremitas. Não são. Se no Palácio do Eliseu não há uma Sala Oval, há um Salon Bleue, onde, em 1899, o presidente Félix Faure se finou nos braços da amante Meg. Puseram um casaco sobre os ombros trémulos de Meg e fizeram-na sair. Os jornais, discretíssimos. Muitos anos depois saíram livros sobre o caso. Conta-se que o capelão, chamado para a extrema-unção, subindo a escadaria, perguntou se o presidente Faure ainda tinha sa connaissance (isto é, "se estava consciente", mas também podia ser "a sua conhecida"). Que não: "Fizemo-la sair por uma porta discreta", disse o guarda.

A discrição permite que estas lendas se criem. Também por isso, eu gostaria que a tradição dos jornais franceses se mantivesse. E não se fosse - como por esses dias aconteceu aos sérios Le Monde e Libération - pela intimidade do casal Sarkozy adentro. |

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt