O maior país de língua portuguesa (e também o maior país com população afrodescendente do mundo ou, como preferem dizer os movimentos antirracistas locais, o segundo maior país negro do planeta, depois da Nigéria) está a viver um momento delicado: há no ar um indisfarçável cheiro de golpe, estimulado e urdido pelo próprio incumbente atual da presidência da República, figura cujas ligações à extrema-direita internacional são cada vez mais óbvias e comprovadas..Na verdade, a sua eleição para o cargo máximo do país em 2018 já ocorreu na sequência de um golpe parlamentar, que, dois anos antes, havia tirado do mesmo a presidente Dilma Roussef. Não sendo essa manobra suficiente para consolidar, à época, a hegemonia e o domínio das forças brasileiras mais conservadoras, as mesmas montaram a famigerada "Operação Lava Jato", para, alegadamente em nome do combate à corrupção, impedir o mais importante líder popular do país, Lula da Silva, o grande favorito nas eleições de 2018, de retornar ao poder..Que a Lava Jato não passou de uma farsa jurídico-política, está hoje mais do que demonstrado. Por isso, a justiça brasileira acabou por anular todos os processos contra Lula, libertando-o da prisão. Além disso - machadada final na credibilidade da referida operação -, declarou o juiz Sérgio Moro como parcial, o que, para qualquer juiz e em qualquer parte do mundo, constitui um pecado mortal. O provado conluio entre Moro e os procuradores de Curitiba para condenar Lula esteve na base dessa declaração de parcialidade..O jornalista Jânio de Freitas confirmou no último domingo, 17 de julho, na sua coluna na Folha de São Paulo, que a Operação Lava Jato e, por extensão, as eleições brasileiras de 2018 fizeram parte de um golpe para impedir a previsível vitória de Lula, o qual contou com a participação da administração Trump. Com efeito, John Bolton, antigo conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump, afirmou recentemente à CNN que, enquanto ele esteve no cargo, "ajudou a planejar golpes de estado, não aqui [nos EUA], mas, você sabe, em outros lugares". Freitas, um jornalista experiente e bem informado, revelou os dois países latino-americanos onde isso aconteceu: Bolívia, onde, em 2019, o reeleito Evo Morales foi obrigado a demitir-se após acusações de fraude eleitoral que, mais tarde, se revelaram falsas; e Brasil, em 2018..Conta o jornalista que, durante a Operação Lava Jato, Sérgio Moro fez várias e repentinas viagens aos EUA, apesar de, nos inquéritos em curso, não haver referências a negócios dos acusados com aquele país. "Bolton esteve na atividade externa de segurança por todo o ápice da Lava Jato, para deixar o caminho livre a Bolsonaro. Ano, também, em que funcionários americanos se instalaram aqui [Brasil] a título de colaborar com a Lava Jato. Descobertos, foram dados como procuradores e promotores. Ao menos 16.", revelou ele..A situação atual é muito diferente para o presidente em exercício no Brasil. Além da libertação de Lula, que é novamente candidato nas eleições do próximo mês de outubro, a atual administração americana, aparentemente, não quer interferir na disputa. Até agora, as pesquisas apontam para a vitória do líder do PT, com hipóteses de tal acontecer no primeiro turno. Só um golpe parece poder impedi-lo ou a menos tentar..A rigor, a tentativa de golpe está em curso, desde o discurso do atual presidente contra as urnas eletrónicas (sistema que o elegeu em 2018), as pressões do ministro da Defesa contra os órgãos da justiça eleitoral e, em particular, os apelos de Bolsonaro aos seus seguidores para não hesitarem em recorrer à violência armada contra os seus adversários políticos, "missão" que alguns deles já estão a pôr em prática em todo o país. O receio é que o próprio presidente instaure o caos no país, no dia 7 de setembro (aniversário dos 200 anos do Brasil) ou no dia das eleições, para justificar uma intervenção militar, a fim de restabelecer a ordem.. Escritor e jornalista angolano Diretor da revista África 21