Formada em Economia, trabalhou na área empresarial, transitou há cinco anos para o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Concorreu para diretora da UNICEF Portugal e tomou posse a 11 de setembro de 2017. A agência da ONU faz nesta terça-feira 62 anos, nasceu um ano depois do fim da II Guerra Mundial, justamente para acolher situações de emergência. Ficou para dar resposta às necessidades das crianças, o que depende do estado de desenvolvimento de cada um dos 190 países que a incorporam. Em Portugal, o objetivo é sensibilizar para o cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança..Qual é o trabalho da UNICEF Portugal?.Como, graças a Deus, não temos necessidade de programas para o desenvolvimento - que são programas estruturais e em que trabalhamos com os governos para capacitar esses países com infraestruturas -, a nossa função é sensibilizar para o cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança em todas as área que trabalham com crianças e nas quais a UNICEF trabalha. O que fazemos é sensibilizar e alertar para o que é preciso fazer mais..Estão muito envolvidos a nível da educação..Uma das iniciativas de fundo envolve as escolas, disponibilizamos um conjunto de conteúdos que produzimos em parceria com a Direção-Geral de Educação. O tema deste ano é a violência. Segundo o nosso relatório, 46% dos jovens portugueses (entre 13 e 15 anos) sofreram ou estiveram envolvidos em situações de bullying no ano anterior à realização do inquérito..46% dos jovens sofreram bullying.Estamos pior do que outros países?.Não, estamos mais ou menos alinhados, é a média, infelizmente. A questão é que em Portugal não se fala e pelo menos metade das crianças sofrem com este problema. É uma questão transversal que nos deve preocupar e há uma relação direta entre os níveis de bullying e a capacidade de leitura, por exemplo. Toda a violência afeta o desenvolvimento da criança. Quanto maior é o nível de agressão, menor é a sua capacidade de aprendizagem. Estamos a falar da qualidade do desenvolvimento da criança..Quais são as outras iniciativas a nível da educação?.Em 2015, lançámos a iniciativa A Maior Lição do Mundo, em parceria com o Ministério da Educação, em defesa de um desenvolvimento sustentável. Temos sempre um professor, mas neste ano tivemos dois: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues..Qual é a questão social que mais vos preocupa?.Tem a ver com as diferenças entre a população, a polarização entre os mais ricos e os mais pobres continua a acentuar-se. Mais uma vez, não é uma tendência nossa, é uma tendência da sociedade e que é preocupante..O que é que está na origem da situação?.Há um fator de base sem o qual dificilmente se tem sucesso na saúde, na educação, no social, etc., e que são os rendimentos. Enquanto houver um número tão grande de crianças em risco de pobreza, tudo o resto é afetado. Tem de se trabalhar para garantir o acesso a um rendimento mínimo por parte das crianças..Concorda com a subida do salário mínimo?.Concordo quando isso afeta os mais vulneráveis da sociedade, como as crianças, obviamente que sim..Maiores desigualdades.E em Portugal, a distância entre mais ricos e mais pobres é das mais acentuada da União Europeia..Sim, as desigualdades de rendimento entre as famílias em Portugal continua a ser uma das mais altas da União Europeia/OCDE (Report Card UNICEF). Os últimos dados estimam que 368 mil crianças (20,3%) até aos 17 anos estejam em risco de pobreza (Eurostat)..O que é que fazem para alterar a situação?.A ação que fazemos é de sensibilização pública, em primeiro lugar. Neste sentido, entregámos o relatório alternativo ao relatório oficial sobre a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança. E identificamos um conjunto de áreas prioritárias, essa é a nossa missão: dar voz às crianças que não a têm e que são sempre as mais vulneráveis..Quais foram as áreas que identificaram como prioritárias?.A pobreza, a violência e a discriminação, áreas em que é preciso trabalhar e atacar com políticas públicas. A questão da discriminação tem a ver nomeadamente com o acesso à educação, falamos da etnia cigana ou de crianças com deficiência, por exemplo. Claramente o acesso à educação não é feito em pé de igualdade..Não tem havido melhorias?.Melhorias sensíveis não têm havido, existe um esforço, mas não há resultados claros. Por exemplo, a questão do pré-escolar é um bom esforço, agora é preciso fazer muita coisa na faixa do meio..Pode dar um exemplo de uma intervenção prática?.Estou a lembrar-me de uma situação de detenção de uma família com crianças no aeroporto de Lisboa, e as crianças não podem ser detidas. A Convenção é lei e os países que a assinam têm de a cumprir. Chamámos a atenção para a situação e, posteriormente, houve uma determinação no sentido de limitar os dias para a detenção da criança. Não é a situação ideal, mas impõe um limite, porque há um momento em que as crianças têm de ficar para verificação da identidade, o que leva tempo..A angariação de fundos é uma componente importante?.Sim, lançámos agora a campanha Marcelino 2018 - nome inspirado num bebé de África que estava severamente malnutrido e a quem a UNICEF consegui aplicar um tratamento terapêutico que o fez sobreviver. O objetivo é alertar para o problema grave da fome no mundo, em especial das crianças. Há 151 milhões de crianças com atraso no desenvolvimento físico e cognitivo devido à subnutrição, e este número tem aumentado. O tratamento da UNICEF custa 23 euros, é muito simples, fácil e não é caro. É uma campanha internacional que adaptámos para Portugal..Os portugueses são solidários?.Sim, aderem bem, o que se pode ver pela iniciativa Amigos da UNICEF. Temos 38 mil pessoas que contribuem periodicamente com um donativo. É uma contribuição muito generosa,.E a iniciativa Amiga dos Bebés?.Resulta de uma colaboração entre a UNICEF e Organização Mundial da Saúde e que tem como principal objetivo promover o aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses, que é o ideal. É um programa de certificação dos hospitais e dos técnicos de saúde e que tem um regulamento com princípios técnicos muito específicos que os hospitais, os centros de saúde, etc., devem de cumprir..Quantas unidades de saúde participam?.Temos 15 hospitais e maternidades Amigas dos Bebés e há empresas e outras entidades a querer aderir ao programa. Estamos a transformar o programa para o podermos implementar noutras entidades que não apenas às ligadas à saúde. Pretendemos dar condições no local de trabalho, uma sala para amamentar, um frigorífico que permita separar os biberões, etc. A Universidade de Évora é uma das entidades que se mostraram muito interessadas..E há as Cidades Amigas..Através das Cidades Amigas promovemos as políticas locais em defesa dos direitos das crianças. Temos 38 câmaras a trabalhar para serem reconhecidas como Cidades Amigas, o que passa por questões de urbanismo, participação da criança, etc. A participação da criança é o quarto pilar da Convenção sobre os Direitos da Criança e vem dizer que esta deve ser ouvida no que lhe diz respeito..Dão 75 % das angariações.O que é que a surpreendeu quando chegou à UNICEF?.Nunca imaginei que a recolha de fundos da UNICEF Portugal tivesse a dimensão que tem, foi uma excelente surpresa..Qual era a marca que gostaria de deixar?.Gostaria que a UNICEF fosse reconhecida como a instituição que defende as crianças. Na prática é, mas ainda não posso dizer que todos os portugueses têm esta ideia da UNICEF. O que fazemos em Portugal não é apreendido pelo público em geral. Esse é um dos esforços que estamos a fazer: partilhar mais o que fazemos e dar-lhe mais visibilidade. O nosso desafio é dar a conhecer as nossas iniciativas e programas..Com que dinheiro vivem?.A UNICEF tem a particularidade, relativamente a outras agências das Nações Unidas, de o seu orçamento ser exclusivamente voluntário. Não tem uma dotação orçamental fixa, todos os anos batalhamos para ter orçamento, seja ele público ou privado. E todos os dias temos de demonstrar o que fazemos, ao contrário de outras agências..O financiamento que conseguem fica em Portugal?.Não. Normalmente ficam 25%, para a estrutura e todas as iniciativas nacionais, e 75% vão para os programas internacionais. Não recebemos dinheiro e damos 75% do que recebemos..Se tivesse de apresentar uma medida para o Orçamento do Estado qual seria?.A que garantisse um rendimento às crianças..Teve alguma participação cívica para se familiarizar com as questões dos direitos humanos?.Não, mas acho que é uma questão de educação e de exemplo. Os meus pais educaram-nos [à Beatriz e à irmã] que era nossa obrigação apoiar causas. A minha mãe desde sempre nos incutiu a termos causas, não importava o que fosse, devíamos contribuir com a nossa mesada para uma causa. Lembro-me que a minha primeira escolha foi a UNICEF e, na faculdade, comecei a pensar que a Amnistia Internacional também merecia um apoio. E deu-se esta feliz coincidência de voltar à UNICEF..Está a fazer isso com as suas filhas?.Sim, a mais velha [18 anos] escolheu apoiar as Aldeias SOS. A mais pequena [15 anos] está noutra fase, ainda não tem mesada.