Banca: em torno das suas funções primordiais

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Uma primeira observação a reter é que a tradição já não é o que era. Isto é: com o andar dos tempos, os bancos envolveram-se em negócios que não correspondem à sua vocação tradicional. Os bancos incluíram na sua atividade operações sobre instrumentos ou produtos financeiros que, em muitos casos, além de não oferecerem um contributo útil para o desenvolvimento da economia real, incorporam riscos que não são percebidos pelo público e, às vezes, até pelos próprios bancos.

Este novo modelo de negócio trouxe consequências muito nefastas para a estabilidade financeira e para a confiança no sistema bancário português. As notas que se seguem têm presente esta alteração no modelo de negócio e o entendimento de que a atividade dos bancos tem, essencialmente, natureza instrumental relativamente à economia real.

À luz deste entendimento de instrumentalidade, esperar-se-ia que o desenvolvimento da atividade bancária seguisse de perto o andamento da economia. Mas não é isso o que tem acontecido. A atividade dos bancos tem andado mais aceleradamente do que a atividade económica. Pelo menos desde 1998, durante 12 ou 13 anos até ao início do período de ajustamento financeiro e económico de 2011-2014, os ativos do sistema bancário cresceram a um ritmo mais elevado do que a economia. Foi um período de acelerado "descolamento" do financeiro relativamente à economia, o que contribuiu certamente para as dificuldades que parte do sistema bancário veio a experimentar.

A nota anterior convoca para a questão de saber se é justa a afirmação de que os bancos estão a dificultar o financiamento apropriado da economia. Ora, o montante agregado de crédito concedido, em percentagem do PIB, pelos bancos a operar em Portugal ao setor privado não financeiro tem sido superior aos indicadores homólogos quer dos bancos da euro área quer dos bancos das economias avançadas. Acresce que, com exceção do período de ajustamento financeiro e económico de 2011-2014, aquele indicador tem mantido em Portugal uma tendência de aumento.

Questão relevante - que pode ser confundida com escassez de disponibilidade para a concessão de crédito - respeita à maior exigência aparente na aceitação de risco pelos bancos. Na apreciação desta questão, é preciso ter presente que aos bancos é pedida avaliação criteriosa do risco do crédito e que a imposição pela troika da redução do rácio de transformação, juntamente com a contração da economia, acabou por afastar muitos dos piores riscos e, portanto, baixar o spread médio.

A queda da rentabilidade dos bancos - e, por aí, da sua capacidade para se capitalizarem - é, também, uma circunstância a merecer ponderação. O baixo nível atual das taxas de juro é um fator determinante desta circunstância. O efeito da redução das taxas de juro sobre a rentabilidade é veiculado pela margem financeira que, mesmo quando não ocorre diminuição no volume de crédito concedido, emagrece por força da redução das taxas de juro praticadas nas operações ativas e da mencionada redução dos spreads. Ora, a este propósito, o Banco de Portugal ("Relatório de estabilidade financeira - maio de 2016", página 56) adverte que "é possível perspetivar um conjunto de fatores que, nos próximos anos, deverão continuar a condicionar negativamente a margem financeira".

Uma última reflexão dirige-se ao papel nuclear dos bancos no sistema de pagamentos. Os bancos constituem-se o mais importante e decisivo interveniente no sistema de pagamentos e a principal condição para o desempenho apropriado desta função é gozarem da confiança dos seus clientes e do público. Uma falha nesta condição provoca, por vezes, uma disrupção no sistema de pagamentos e, por esta via, a instabilidade financeira e económica. O sistema bancário português foi sujeito, nos últimos anos, a episódios que poderiam ter provocado danos volumosos e irreparáveis na relação dos bancos com a sua clientela. Felizmente, isso não aconteceu a nível do sistema. Mas é comum o entendimento de que a confiança se esmoreceu na sequência desses episódios e da quebra dos padrões éticos que eles testemunharam. É recomendável que haja novos modos de demonstrar o respeito pela ética por banqueiros e bancários, sem com isto se querer dizer que a prática geral não seja a do respeito. É igualmente recomendável que a competência e a disponibilidade dos que servem os bancos se reorientem para o fortalecimento da literacia financeira da clientela bancária.

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