Era uma peça disciplinadora, menina que quisesse crescer com aprumo e boas maneiras tinha de usar um, mas nem assim as mulheres se escusaram a ficar comprimidas dentro do espartilho ao longo dos séculos, certas de que ele lhes afinava a cintura e acentuava a silhueta ao mesmo tempo que despertava o fascínio nos homens. «Por ser um elemento que destaca os principais atributos femininos, esteve e estará sempre ligado à sensualidade», confirma Leandra Rios, brasileira de São Paulo e uma das maiores especialistas da actualidade na confecção de espartilhos, conhecida no meio como Madame Sher..Hoje, o espartilho voltou em força e pode ser combinado com looks diversos, ousados e até confortáveis, de preferência respeitando as proporções de cada um para não deformar os ossos, e sem a obrigatoriedade de cortar centímetros à cintura, atentando contra a saúde. «O importante é ter bom senso e procurar equilibrar peças justas com outras fluidas, principalmente durante o dia», aconselha a estilista que começou a pensar nos desenhos ainda na adolescência, para ela própria e para os amigos que a assediavam com pedidos, e já não concebe vestir nada que não lhe assente ao pormenor. «Como o espartilho modela o corpo, se não for feito à medida a pressão pode ocorrer de forma a causar muito incómodo», explica..Supõe-se que na Grécia Antiga já existia o que poderá ser considerado um primórdio do corset (a palavra francesa para espartilho e utilizada como sinónimo), procurado democraticamente por mulheres e homens com a finalidade de se aproximarem do mito de beleza da época: carnes rijas, busto elevado e porte atlético, evidenciando os músculos e o equilíbrio das formas. Nos séculos XIII e XIX, materiais rígidos incorporados no vestuário contribuíram para moldar as silhuetas em formas esguias e o mesmo princípio resultou na criação de um colete engomado (o kirtle) reforçado com cordas e atado à frente que começou por se usar por fora da roupa antes de ser pensado como peça interior, ajudando a prolongar a vida útil dos vestidos enquanto obrigava as mulheres a caminharem erectas e de peito erguido, tal como se esperava de uma dama, sem no entanto lhes estrangular a cintura - esse aperto fatal apenas surgiria mais tarde..O período áureo dos atilhos.No século XVI, o corset estava largamente difundido e ajudava a dar suporte às formas naturais do corpo, com os tecidos grossos do vestuário a receberem nos encaixes estruturais reforços de junco, couro, corda, madeira, marfim ou osso de baleia. Diz quem conhece os modelos que aqueles não eram de todo desconfortáveis, gerando pouca tensão nos ombros e na cintura e conseguindo ser mais eficazes do que as cintas ortopédicas em se tratando de acompanhar a curvatura das costas e mantê-las direitas (ainda assim, eram sobretudo as mulheres mais abastadas que o usavam já que era praticamente impossível trabalhar e fazer esforços com ele vestido)..Um século mais tarde, os espartilhos traduziram-se numa maior elaboração visual: as saias volumosas abriam em balão a partir de cinturinhas estreitas, os seios levantaram e as mulheres da sociedade da época usavam e abusavam do visual sedutor, tanto quanto os rapazes da sociedade, que procuravam evidenciar um busto másculo e bem definido nos encontros da época. O corset tal como hoje se conhece terá, contudo, surgido em Paris por volta de 1830, assumindo rapidamente o estatuto de peça fundamental do vestuário interior feminino, apesar de também causar furor entre cavaleiros e militares movidos pelo entusiasmo do porte apolíneo da sua profissão. As ilhós de metal permitiram apertar ainda mais o espartilho sem rasgar o tecido, o uso da barbatana de baleia trouxe maior flexibilidade à estrutura sem afectar a função de suporte. .Na época vitoriana (período entre a segunda metade do século XIX e a primeira década do XX), a mulher queria-se frágil, inocente e sensível e os vestidos iam ao encontro desse perfil, estreitando ainda mais o perímetro da cintura para acentuar os quadris e a figura feminina de boneca, que devia parecer qualquer coisa entre um anjo e uma criança. A cena em que Mammy espartilha Scarlett O'Hara no filme E Tudo o Vento Levou tornou-se uma das mais emblemáticas da história do cinema. Também em O Leopardo, de Luchino Visconti, o volume exagerado das saias fazia as senhoras chocarem umas contra as outras no baile em vez de se deslocarem graciosamente, além de haver umas quantas que caíam sem fôlego em resultado do aperto. No final, já com um pé na belle époque, as saias foram ficando mais justas e menos rodadas, a barriga queria-se plana e o rabo empinado, mas os médicos continuaram a culpar o corset pelas deformações ósseas, os abortos espontâneos e os desmaios frequentes das mulheres, impedidas de respirar convenientemente devido à pressão contínua nos pulmões..Nos loucos anos 1920, a sociedade assumiu que era próspera, desinibida, amante das artes e livre dos espartilhos de outrora, pelo que as mulheres tiveram pressa em mostrar mais das pernas e da tez branca que então se usava, a contrastar com a maquilhagem carregada dos olhos e a boca pintada em coração. A silhueta que vingou era tubular, os vestidos elegantes, rectos e leves, o ideal feminino sem curvas. Tanta liberdade remeteu o corset ao fetiche durante a maior parte do século XX, até porque as guerras chamaram as mulheres a ocupar o lugar dos homens nos campos e nas fábricas e tal exigia apoios corporais mais confortáveis..Na década de cinquenta a primeira colecção Dior, baptizada de «new look», voltou a valorizar a cintura de pilão, mas nada mais era utilizado para estilizar a silhueta do que cintas elásticas levemente reforçadas, a anos-luz das pressões anteriores. Nos anos oitenta, contudo, nomes como os de Jean-Paul Gaultier ou Vivienne Westwood recuperaram o espartilho nas suas criações e é frequente ver a peça arrasar em combinações modernas nos desfiles de alta costura, bem como no busto de famosas como Dita von Teese, Ivete Sangalo, Marília Gabriela, Gisele Bündchen, Penélope Cruz, Nicole Kidman, Scarlett Johansson, Christina Ricci, Kate Moss, Kylie Minogue, Rihanna, Britney Spears, Madonna, Catherine Zeta-Jones, Kate Beckinsale, Tyra Banks, Jessica Alba, Victoria Beckham, Salma Hayek, Heidi Klum, Beyoncé Knowles, Amy Lee, Paris Hilton, Christina Aguilera, Kate Winslet ou Sophia Loren. Elemento ousado e um dos mais polémicos do guarda-roupa feminino, o corset sobreviveu a mais de quatro séculos de mudanças políticas e comportamentais, influiu na auto-estima das mulheres, afirmou-se como peça básica da moda punk e gótica e reinventou-se na fantasia de cada um, conquistando a sua própria legião de admiradores. É grande assim a atracção fatal que o espartilho exerce..Metido em apertos.Não são de agora as críticas tecidas pelos médicos relativamente ao uso de espartilhos muito apertados e à prática do tight lacing (à letra laço apertado), em que o corset é usado por longos períodos com o objectivo de reduzir a cintura e alterar a silhueta, sem se limitar a dar suporte à coluna. Aliás, desde a Idade Média que se sabe que pressionar a cintura e as costelas inferiores, por períodos de 16 a 24 horas diárias, tem como consequência a curvatura gradual das costelas flutuantes, que a seu tempo não voltam mais à posição inicial. .Seja como for, designers e costureiros que se dedicam a estudar e a confeccionar a peça defendem que a maior parte dos mitos atribuídos ao corset são falsos, resultantes de ignorância, maus materiais e uso incorrecto. Um estudo da Clínica Mayo refere que o espartilho «pode provocar deslocamento de órgãos como os rins (4) e o útero (5), gerando problemas menstruais, obstrução da urina e mesmo infertilidade; além disso, causa stress respiratório (2), interfere com o funcionamento digestivo (3) e com a irrigação sanguínea das extremidades inferiores (6) devido à pressão abdominal, e pode ainda provocar atrofia muscular e desvio da coluna (1)». Madame Sher afirma simplesmente haver modelos mais indicados para uso contínuo (como os underbusts e os waist clinchers, por serem mais confortáveis e propícios ao movimento), recomenda uma visita prévia ao médico antes de se começar a modelar o corpo, aconselha a adaptação progressiva e racional e defende o bom senso acima de tudo: pessoas com insuficiência respiratória, problemas de coluna e diabetes não podem usar, mas as outras que assim o entenderem só têm de se sentir confortáveis na sua nova situação de aperto..Acerca do "corset".Cathie Jung tem 73 anos, três filhos, é casada com um cirurgião ortopédico de nome Bob e vive em Old Mystic, no Connecticut. A norte-americana teria tudo para ser uma figura banal entre tantas outras não fosse o caso de ser a pessoa viva com a menor cintura do planeta, figurando no Livro de Recordes do Guinness graças aos seus 38,1 centímetros de perímetro conseguidos a muito custo com espartilhos apertadíssimos que usa desde que se lembra. O recorde da cintura mais estreita de todos os tempos pertence, no entanto, à britânica Ethel Granger que, quando morreu em 1982, aos 77 anos media 33 centímetros. .Também o criador de corsets Mark Pullin, conhecido no mundo da moda pelo pseudónimo de Mr. Pearl e pelas peças excêntricas que desenha para altos costureiros como John Galliano, Christian Lacroix ou Thierry Mugler (e para famosas como Victoria Beckham, que vestiu um no dia do seu casamento), concebe modelos que lhe levam semanas e até meses a ficar prontos, resultando em artigos únicos, ricos, profusamente elaborados e cúmplices com os corpos das clientes que os vestem. Pullin é um adepto confesso da modelação da cintura através do aperto, razão por que gosta de experimentar ele mesmo os seus corsets antes de aconselhar quem procura a sua arte. .Onde encontrar espartilhos.ANA SABINO ATELIER.Travessa do Carmo n.º 14 - Chiado.Tel.: (351) 211919759 .Tm.: (351) 967939537.atelier@anasabino.pt .www.anasabino.pt.ANDROM .Calçada do Carmo, 59 - Lisboa.Tel.: (351) 213433006.info@androm.net .www.androm.net .BIT ONE LDA .Rua 20 de Junho, n.º 15.Marinheiros - Leiria.Tel.: (351) 244838373 .Tm.: (351) 9145313 50 .eraumavez@aquinanet.net.www.espartilhos.aquinanet.net .ESPARTILHOS E CORPETES.Tm.: (351) 913524506.geral@espartilhos.org ou espartilhos.org@gmail.com.www.espartilhos.org .STORYTAILORS STORE.Calçada do Ferragial 8 - Chiado.1200-184 Lisboa.Tel.: 351213432306.Tm.: 35196 5233179.store@storytailors.pt.www.storytailors.pt