Assange foi irresponsável na gestão do WikiLeaks

O antigo porta-voz e co-fundador do WikiLeaks, Daniel Domscheit-Berg, acusa o criador do portal, Julian Assange, de "irresponsabilidade" na forma como geriu o projecto e a informação altamente secreta, cuja divulgação se tornou "cada vez mais política".
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Em entrevista à Agência Lusa num hotel de Lisboa, onde esteve a promover o seu livro "Nos Bastidores da WikiLeaks", Daniel Domscheit-Berg destacou que foi essa "irresponsabilidade, mas também a intransigência" de Assange, que conduziram o WikiLeaks ao "beco sem saída em que hoje se encontra".

"Não sei o que se passa, se ainda é tecnicamente exequível, creio que não. Parece já não funcionar bem, as divulgações caíram drasticamente, e desde os ficheiros de Guantanamo [em finais de Abril] nada mais se passou", disse o informático alemão, que durante três anos foi o braço direito de Assange.

No seu livro, Domscheit-Berg conta detalhadamente como conheceu Assange, em 2007, a evolução do WikiLeaks, como este se financiava, bem como os problemas organizacionais, tensões internas e as divergências que acabariam por ditar a sua saída, em Setembro de 2010.

"Eu e mais pessoas [do núcleo duro] decidimos abandonar o WikiLeaks, que devido a gestão irresponsável de Julian já há muito tempo se desenvolvia na direcção errada", explicou à Lusa.

O ex-porta-voz precisou que no início ficara estabelecido que se "publicaria todo o material por ordem de chegada, para dessa forma manter a neutralidade". Uma doutrina que teve de ser abandonada em 2009, quando o WikiLeaks - que precisava de uma "reforma técnica urgente, a qual Assange sempre se opôs" - começou a ser "inundado por documentos".

"Isso obrigou-nos a escolher o que publicávamos, e para tal nunca foram estabelecidas regras. Julian começou a ser muito irresponsável. Ficou muito político. Geria o projecto como um tirano, não ouvia ninguém. E cada dia desenvolvia mais o culto à sua personalidade", criticou.

Foi nesta fase que Assange - cuja prioridade passara a ser "publicar umas fuga de informação a seguir às outras, tão agressiva e controversamente quanto possível" - pôs em causa o "princípio da plataforma de submissão neutra", vincou Domscheit-Berg, que após a sua saída criou o site OpenLeaks.

De acordo com o informático alemão, o WikiLeaks acabou por se tornar naquilo que esta sempre desprezara: uma "organização autoritária, repressiva e nada transparente".

Domscheit-Berg, explicou que durante o seu tempo no WikiLeaks "nunca" se sentiu perseguido, vigiado ou recebeu ameaças. Contudo, admitiu que mesmo assim não arriscaria viajar para os Estados Unidos.

"Essa restrição existe, não porque pense que me possa acontecer algo. O meu medo é mais que me obriguem, de alguma forma, a construir um caso contra Julian ou mesmo contra Bradley Manning", o soldado norte-americano que enfrenta um tribunal marcial por acusações de ter fornecido ao WikiLeaks, entre outros, os 250 mil telegramas confidenciais da diplomacia americana, explicou.

Domscheit-Berg relativizou ainda a ligação que muitos estabelecem entre as revoltas populares na Tunísia e no Egipto e os telegramas confidenciais que o WikiLeaks divulgou sobre esses países: "Existe uma ligação, mas não deve ser sobreavaliada. Seria injusto para com as pessoas que tiveram a coragem de sair as ruas", vincou.

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