As mudanças inevitáveis

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Sempre que se aproxima um exercício eleitoral que não deixa adivinhar se vence a continuidade ou a mudança das lideranças e programas dos concorrentes, o teor da perspetiva das populações não se aquieta à espera da clarificação final, antes vemos aumentarem as inquietações contraditórias.

Depois da França, que em todo o caso já não é a detentora de uma liderança transnacional de um hegemónico significado, mesmo dentro da União Europeia, a eleição de maiores cuidados é seguramente a americana.

Em primeiro lugar porque, durante a regência de Obama, que agora irá enfrentar a reeleição, não se verificou o vaticínio de que, sob uma inovadora forma de intervir interna e internacionalmente, a América estava de volta.

Este conceito, que apontava para a manutenção de uma liderança mundial recuperada, sem a arrogância da administração anterior, mas com a firmeza de um conceito estratégico nacional renovado nos métodos, não parece ter sido comprovado pela narrativa do tempo decorrido, e agora sob exame do eleitorado nacional, e indiretamente pelo mundo.

Internamente, cresce a audaciosa tentativa de pôr em dúvida o entendimento do interesse permanente dos EUA por um presidente de etnia pela primeira vez chegado ao poder supremo do Estado.

A taxa de desemprego pesa na atitude dos eleitores como acon- tece na Europa, não obstante a vitória que foi a eliminação de Ben Laden, o pesadelo do envolvimento no Iraque e no Afeganistão, do qual não foi possível sair, e do qual não será fácil sair com honra intacta, tudo se tornou mais inquietante para um eleitorado que sofre também os efeitos da crise financeira e económica mundial, destacando-se o desemprego galopante à espera de um milagre, que as estatísticas, com maleabilidade que nem sempre as acredita, apenas deixam supor que a economia e o emprego são fatores principais nas decisões eleitorais.

Na situação atual do Ocidente em crise, na qual os EUA figuram nas causas e nas consequências, é difícil imaginar que será possível ao país recuperar a hegemonia que lhe pertenceu durante o século passado, da maior guerra de todos os tempos, e que os poderes emergentes, em que a China aparece destacada, sentar-se-ão reverentes ao redor de mesas redondas com os poderes desse passado tempo.

A construção de um novo acordo global, que possa reanimar a ONU e redefinir as suas capacidades e objetivos, não vai ter o carácter exclusivamente ocidental que teve o plano dos fundadores. Uma tarefa que os conflitos inacabados nas áreas que foram coloniais durante gerações contribuíram para não facilitar. No fundo, terminar com ambições unilateralistas, que deram a sua maior prova de inviabilidade na viragem do milénio, tem de ser uma atitude geral, para que realmente tenhamos paz e recuperação, porque não é um facto que possa repousar apenas na união dos antigos grandes.

Aos que foram herdeiros responsáveis pelo sonho da ONU, exige-se que sejam capazes de assumir a visão realista da situação mundial, mudar os métodos e as convicções que os anos mostraram esgotados, e reencontrar a autenticidade de princípios e de práticas, e a organização do multilateralismo que não passou de promessas incumpridas até ao desastre da ordem mundial em que nos encontramos.

Existem muitas razões que assistem ao pensamento daqueles que já temem o afundamento do Estado como invenção idónea para servir as comunidades diferenciadas, em história, em etnia, em cultura, de um mundo unificado.

Mas é porque o Estado foi um valor instrumental, que os valores essenciais legitimam e exigência de reformular a criatura, porque a terra é de facto a casa comum dos homens, e destes a responsabilidade de reinventar a salvação ou esperar passivamente pelo desastre.

A ONU é o lugar de encontro que ainda resta.

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