A ideia de as embaixadas dos EUA serem "janelas através das quais pessoas de todo o mundo possam ver a arte americana de todos os tipos e períodos" foi apresentada em 1961 pelo então secretário de Estado adjunto Robert H. Thayer. Mas não saiu do papel até dois anos depois chamar a atenção do presidente John Kennedy que cria então o programa Art in Embassies. No 60.º aniversário da iniciativa, o DN desafiou a embaixadora dos EUA em Portugal, Randi Charno Levine, a guiar-nos pela coleção "Celebrar a Diversidade" que juntou na sua residência oficial, a Casa Carlucci, na Lapa, e da qual não esconde o orgulho. Tal como se orgulha de contar hoje com o apoio da primeira-dama Jill Biden, que vem à Universidade Católica dar o pontapé de saída a três dias de celebrações.."É muito difícil escolher a minha preferida", começa por alertar a embaixadora Levine, sublinhando que "cada uma destas obras foi cuidadosamente selecionada, como se fosse uma peça de uma tapeçaria, para contar uma história". Por isso opta por "destacar alguns dos artistas que talvez sejam mais inesperados nesta exposição"..Mas antes de seguirmos para junto da primeira obra, a embaixadora Levine faz eco das palavras de Robert H. Thayer quando destaca que para ela "este programa é particularmente importante porque tenho a sorte de ser a embaixadora que representa os EUA em Portugal e quando as pessoas vêm à residência, este é o rosto que elas veem da América.".A escolha das peças também não foi deixada ao acaso: "A minha visão, trabalhada com a curadora Ana Sokoloff, foi a de pôr em destaque o que eu considero ser a maior força dos EUA - um programa artístico que reflete a diversidade americana e a democracia", vai explicando a embaixadora, que antes de ser nomeada pelo presidente Joe Biden para representar os EUA em Portugal foi comissária da Smithsonian National Portrait Gallery em Washington. Uma experiência na área que a própria embaixadora confessa lhe ter dado vantagem na hora de escolher a coleção. E ainda antes de apontar as obras que hoje vai destacar, uma palavra para "os maravilhosos Kehinde Wiley e Amy Sherald", que ficaram famosos por pintar os retratos de Barack e Michelle Obama que se encontrar na National Portrait Gallery e cujas obras Entry into Paris of the Dauphin e Hope is the Thing with Feathers enfeitam agora as paredes da Casa Carlucci. "Ter o Kehinde e a Amy representados aqui - e ter a Amy a vir a Portugal para conversar com artistas portugueses - é uma oportunidade extraordinária", explica..Mudamos então de sala para olharmos para Bocanegra, a obra do afro-americano Christopher Meyers que Randi Charno Levine escolheu. "A razão pela qual gosto particularmente desta peça é que quando Lonnie Bunch [o primeiro afro-americano a liderar o Instituto Smithsonian e que o DN entrevistou em janeiro] esteve connosco, uma das questões que abordou foi o Slave Wrecks Project, que procura navios de transporte de escravos afundados para contar a história da escravatura", recorda a embaixadora. Antes de acrescentar: "Esta obra representa uma conjugação de esperança e desafios. É maravilhosa e estamos muito entusiasmados por Christopher se vir juntar a nós em Lisboa para discutirmos estas questões.".A diversidade dos artistas foi uma das preocupações da embaixadora. Além do afro-americano Meyers, ali encontram-se trabalhos de artistas asiático-americanos, judaico-americanos, palestiniano-americanos, irano-americanos e "uma forte representação da comunidade LGBTQ, o que também era muito importante para mim"..E temos ainda a mexicano-americana Aliza Nisenbaum. A sua obra Samuel (Papá) en el jardín domina uma das paredes da residência, numa explosão de cores. "Era importante ter uma artista que representasse os falantes de espanhol, que são uma parte muito importante da cultura americana", afirma Randi Charno Levine, sublinhando que esta é uma obra muito pessoal de Nisenbaum, conhecida também pelos retratos de imigrantes mexicanos e da América Central.."As obras que escolhemos têm um certo nível de autenticidade, são muito pessoais e expressivas de cada um dos artistas", destaca a embaixadora. E conta como "é muito interessante ver como as pessoas reagem às peças quando veem a exposição. Esta foi criada para promover um diálogo cultural cruzado entre questões como a igualdade de género, os direitos da comunidade LGBT, a comunidade afro-americana e a discussão em torno da escravatura. Mas nem toda a gente procura isso e traz essas questões para a mesa. Seja como for, as obras são tão bonitas que falam por si de formas diferentes. É interessante ver as diferentes reações de quem as vê.".Mas nem só de artistas americanos se faz a coleção da Casa Carlucci. Na parede de outra sala, A Place to Call Home (Africa America), o mapa que representa a América do Norte a tocar em África, de Hank Willis Thomas, convive de perto com duas obras do angolano-português Délio Jasse, da série A Última Barreira, que mostram a vida dos portugueses em Angola no período colonial. " Juntas, estas obras criam um diálogo", explica Randi Charno Levine, antes de sublinhar ser essencial que a arte esteja disponível para quem a quer ver. "Por isso trabalhamos com a Câmara de Lisboa, com universidades, etc. para garantir que trazemos cá pessoas para ver a arte e fazer a visita guiada e mergulhar na mensagem que queremos passar aqui.".No fundo, "é a arte ao serviço da diplomacia - e vice-versa", ou seja, o melhor dos dois mundos em que a embaixadora se move. "Tenho sorte por a minha experiência me dar melhores ferramentas do que a maior parte das pessoas. E fico feliz por me ligar às comunidades que me trazem felicidade". E aproveita para contar como nesses primeiros tempos em Lisboa decidiu logo contactar a comunidade artística local. O motivo? As paredes da Casa Carlucci estavam vazias e vinha aí a Conferência dos Oceanos. "Contactei a comunidade artística, disse-lhes que queríamos encher estas paredes com artes que falasse sobre os oceanos e o ambiente porque tínhamos líderes mundiais a vir cá, John Kerry vinha cá e queríamos passar uma mensagem forte. Foi também uma oportunidade para eu mostrar que não estou aqui apenas para promover os artistas americanos. Estou aqui também para apoiar a comunidade artística portuguesa. A reação foi fantástica: encheram a casa com obras de arte magníficas. Isso fez-me sentir muito ligada a eles", recorda..Antes de seguirmos em direção à escadaria, a embaixadora para diante de duas fotografias e exclama: "Estas são muito importantes." As obras em causa são os retratos de um homem e de uma mulher, com os rostos cobertos de poemas em farsi. "Achei que era essencial ter um artista irano-americano nesta exposição e tivemos sorte de, no último minuto, conseguir estas obras de Shirin Neshat", prossegue Randi Charno Levine, destacando a força destes retratos da série The Book of Kings - "são muito poderosos porque representam todos os homens e todas as mulheres.".Enquanto seguimos para a escadaria que dá para o rés-do-chão da residência - a mesma onde, naquele pós-25 de abril, o embaixador Frank Carlucci, que agora lhe dá nome, se reunia com Mário Soares no chamado Cesto da Gávea, com vista para o Tejo, para garantir que Portugal seguia na via democrática e ao lado dos EUA -, voltamos à vinda de Jill Biden a Lisboa, onde estará na Universidade Católica para inaugurar a "Coleção Democracia", que estará aberta ao público de 6 de junho a 11 de julho. A embaixadora não esconde o entusiasmo por receber a primeira-dama, mesmo apenas por umas horas: "A doutora Biden é uma pessoa fantástica e encarna a diplomacia people-to-people porque tem uma verdadeira empatia com as pessoas". E "tê-la aqui, na abertura deste evento, diz mais do que qualquer palavra. Mostra o quanto ela valoriza as comunidades artísticas enquanto meios de comunicação e o papel que têm na diplomacia e no processo democrático.".Agora sim, última obra em destaque. E de uma portuguesa: Helena Almeida. "Fiz questão que esta exposição também tivesse arte portuguesa. Temos duas peças de Vasco Araújo, que foi o primeiro artista que conheci em Portugal. Temos também duas peças de Julião Sarmento. Temos ainda a chaleira da Joana Vasconcelos no jardim, além de uma peça de uma artista açoriana [Isabel Madureira Andrade], porque os Açores são uma ligação essencial entre Portugal e a América", explica a embaixadora Levine. Quanto à peça de Helena Almeida, "tive a oportunidade de escolher entre algumas das suas obras. E a razão pela qual escolhi esta chamada Desenho, duas mãos unidas numa espécie de abraço, é porque vejo nela a relação entre a América e Portugal.".helena.r.tecedeiro@dn.pt