Arrábida e as 7 Maravilhas Naturais de Portugal - a verdade da mentira

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No dia 11 de Setembro, o "maior espectáculo em torno da divulgação e preservação da natureza" anunciará os vencedores das 7 Maravilhas Naturais de Portugal. Este concurso trará enorme impacto mediático e grande notoriedade para os locais vencedores, que seguramente capitalizarão nos merecidos louros. Merecidos, ou nem por isso? Nesta época de mediatização total, o conhecido rifão "o que parece nem sempre é" serve como uma luva à Arrábida e à sua candidatura nas categorias grandes relevos, praias e falésias (Portinho). Aparência ilusória? Sim, devido aos longos anos de profundo abandono a que foi votada pelas autoridades públicas que dela têm o dever de cuidar.

A serra da Arrábida, vista do mar, tem o mais belo relevo de qualquer serra portuguesa. Mas quem a observe de terra vê uma serra dilacerada de morte por dois gigantescos cancros: a cimenteira da Secil e as pedreiras de Sesimbra, monstruosas feridas na paisagem que só com artes mágicas de cinematografia conseguem ser escondidas. E estas chagas continuarão a miná-la até à morte, com o beneplácito do Estado, que prorroga as concessões e agrava os cancros. Mas, para parecer virtuoso, apoia este concurso através dos seus institutos e ministérios, com a benevolência das associações ambientalistas, num comportamento de ecoprostituição sem paralelo.

Na categoria praias e falésias, a história repete-se. O Portinho da Arrábida já foi talvez a mais bela praia da Europa, mas por infantil desentendimento entre as autoridades locais - Câmara Municipal de Setúbal, Parque Natural da Arrábida, Administração Regional Hidrográfica e Porto de Setúbal, entre outras - o panorama actual é dantesco. Quem hoje visita o Portinho da Arrábida encontra pela frente um trânsito caótico, acessos pedonais desmoronados e dezenas de sinais de aviso de derrocada de falésias. A floresta mediterrânica, única no País, coberta de mato e lixo e pronta a arder a qualquer momento, serve também de sanitário aos utentes da praia e alberga várias matilhas de cães selvagens. Estes dizimaram toda a fauna autóctone e protegida, representando ainda um gravíssimo problema de saúde pública. Mais desoladora, paradoxal mesmo, é a candidatura na categoria praias: é que não há areia no Portinho, substituída nos últimos anos por um infinito mar, mas de calhaus, resultado de intervenções mal calculadas ao longo da costa e de dragagens anuais a menos de mil metros da praia. O que diria João Bénard da Costa se hoje visse o Portinho por si apaixonadamente descrito como "quilómetros de praia deserta, até à duna imensa do Creiro em frente da Pedra da Anicha", duna igualmente desaparecida no último Inverno? Por fim, a pouca areia que resta na praia encontra-se coberta de lixo por falta de civismo dos visitantes, mas também por falta de qualquer esforço de limpeza ou prevenção por parte de quem dela deveria cuidar.

Eis a verdade da mentira que um concurso televisivo faz passar, com a bênção de "instituições sérias". A atribuição do título está nas nossas mãos, mas tenhamos consciência e capacidade para vermos além da ficção. A recuperação da Arrábida, como maravilha natural de Portugal, candidata a património da humanidade, é possível e desejável. Isso, porém, só acontecerá com o concurso de todos os que por ela devem zelar, mas que por crónica falta de competência a deixaram chegar onde chegou. Quando (e se) finalmente se entenderem poderão então candidatá-la e merecer os louros dessa candidatura. Até lá, como diz César da Neves, "almoços grátis" não!

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